O ex-Presidente brasileiro Jair Bolsonaro ficou esta quinta-feira em silêncio na Polícia Federal, em Brasília, numa inquirição no âmbito do inquérito que investiga uma alegada tentativa de golpe de Estado planeada após a sua derrota nas eleições presidenciais de 2022.
"Esse silêncio não é simplesmente o uso do exercício constitucional silêncio, mas uma estratégia baseada no facto de que a defesa não teve acesso a todos os elementos que estão a ser imputados ao ex-Presidente na prática de certos delitos", disse Paulo Bueno, advogado de Bolsonaro, aos jornalistas.
"A falta de acesso a esses documentos, especialmente as declarações do tenente-coronel Mauro Cid, e as 'mídias' eletrónicas obtidas dos telemóveis de terceiros e computadores [apreendidos na investigação] impedem que a defesa tenha o mínimo conhecimento de, por quais elementos, o ex-Presidente é hoje [quinta-feira] convocado para esse depoimento", acrescentou.
O advogado também alegou que não houve constrangimento com a convocação de Bolsonaro, já que o apuramento dos factos é do seu interesse, e reiterou que o ex-Presidente só não respondeu às perguntas da polícia por considerar que é parte de uma investigação "semissecreta".
Bolsonaro e 22 ex-colaboradores do seu Governo foram convocados para prestar esta quinta-feira depoimento pela Polícia Federal, para testemunhar sobre supostos planos golpistas antes da posse do atual Presidente, Luiz Inácio Lula da Silva.
O principal documento é a minuta de um alegado decreto que seria editado antes de 1 de janeiro de 2023, para impor um "estado de sítio", e que previria a "intervenção" do Supremo Tribunal Federal e da Justiça Eleitoral para manter Bolsonaro no poder.
Essa suspeita levou a uma grande operação policial no passado dia 8 de fevereiro, quando as casas de cerca de vinte pessoas consideradas suspeitas pelos investigadores foram revistadas e quatro aliados próximos de Bolsonaro foram presos.
Segundo uma nota da Polícia Federal, a operação ocorreu para investigar uma "organização criminosa que atuou na tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito, para obter vantagem de natureza política com a manutenção do então Presidente da República [Jair Bolsonaro] no poder".
A mesma nota destacou que as investigações apontavam "que o grupo investigado se dividiu em núcleos de atuação para disseminar a ocorrência de fraude nas eleições presidenciais de 2022, antes mesmo da realização do pleito, de modo a viabilizar e legitimar uma intervenção militar, em dinâmica de milícia digital".
Bolsonaro foi alvo de um mandado de busca e apreensão na operação, sendo obrigado a entregar o passaporte.
Além do decreto e de atos preparatórios do alegado plano golpista realizado antes da posse de Lula da Silva, a autoridade policial brasileira investiga a relação de Bolsonaro com a invasão violenta das sedes dos Três Poderes, em Brasília, em 8 de janeiro de 2023, que suscitou uma forte condenação da comunidade internacional.
Investigações em curso sobre os atos de vandalismo e destruição realizados nos edifícios do Congresso, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil por milhares de apoiantes do ex-presidente brasileiro indicam que o ataque tinha o objetivo de semear o caos e tentar retirar do poder Lula da Silva, que havia tomado posse há apenas oito dias.
Nos últimos meses, a polícia brasileira, o Ministério Público e o Supremo Tribunal Federal avançaram em investigações e punição aos executores desses atos. Cerca de 1.400 pessoas foram presas e acusadas, das quais 86 já foram condenadas a penas até 17 anos de prisão.
No entanto, as autoridades ainda não chegaram a uma conclusão sobre a participação ou não do ex-Presidente na instigação desses atos nem sobre o papel dos financiadores, de funcionários públicos, incluindo militares, e de outras autoridades suspeitas de omissão ou de facilitação.