Imigração, saúde e aborto. O essencial da primeira entrevista ao Presidente eleito Trump
14-11-2016 - 18:44

Futuro Presidente dos Estados Unidos pede aos norte-americanos para “não terem medo”. Confrontado com os episódios racistas no país, deixa um apelo a que parem, anunciando, por outro lado, a intenção de deportar milhões de imigrantes ilegais.

A entrevista na íntegra (em inglês)

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O Presidente-eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, deu a sua primeira entrevista depois das eleições que surpreenderam boa parte do mundo. Foi ao programa “60 Minutos”, da estação norte-americana CBS News, que Trump revelou que vai avançar com o plano de deportar “entre dois a três milhões” de imigrantes ilegais com cadastro criminal e que quer nomear juízes conservadores para o Supremo Tribunal, admitindo uma reversão na lei do aborto. Admitiu, contudo, deixar cair a ideia de indicar um procurador “especial” para investigar Hillary Clinton.

A abrir a entrevista, Trump confessa que foi apanhado sem palavras na noite eleitoral, não que não acreditasse que pudesse ganhar, mas porque tomou consciência da enormidade do cargo que irá assumir em Janeiro. “Percebi que vai ser uma vida completamente diferente para mim.”

Revela que, além de Hillary Clinton, falou também já várias vezes com Bill Clinton e com ambos os ex-Presidentes Bush, todos amplamente “graciosos” e “simpáticos” nas suas congratulações.

Sobre o encontro na Casa Branca com Barack Obama, que deveria ter durado 15 minutos mas que se estendeu por mais de uma hora e meia, Trump revela que a conversa incidiu sobretudo no Médio Oriente - “queria ficar com a visão completa por parte de Obama” – mas que também falaram sobre os “méritos e dificuldades” do Obamacare, o sistema de saúde implementado pelo actual chefe de Estado e que tem sido uma enorme batalha num país onde a vasta maioria da população não tem qualquer tipo de protecção em caso de doença.

Durante a campanha eleitoral, Trump prometeu acabar com o "Obamacare", mas, depois do encontro na Casa Branca, manifesta uma posição diferente. Agora, admite manter algumas das condições deste programa.

Confrontado pela jornalista Lesley Stahl sobre a sua aparente “moderação” depois do encontro com Obama, Trump disse: “Sou uma pessoa sóbria”. “A imprensa quer ‘pintar-me’ como um homem selvagem, mas não sou, mesmo. Tenho respeito pelo cargo e pelo Presidente.”

À pergunta se considera que a sua vitória se deve a um certo repúdio do povo norte-americano pelo sistema, Trump responde que se trata mais de um repúdio “pelo que se tem vindo a passar”. “Estamos num momento na história em que os políticos têm vindo a desiludir as pessoas. Na frente laboral, na frente de guerra. Gastámos seis biliões de dólares no Médio Oriente. São estradas, pontes, túneis e aeroportos nos Estados Unidos que estão em degradação, que estão obsoletos.”

Sobre o seu discurso pouco comedido, Donald Trump diz que “é necessário usar a retórica para motivar as pessoas”. “[A minha presidência] vai colocar a América em primeiro lugar. Por isso é que ganhei, e ganhei com facilidade.”

Muro com o México: “Construção é o que faço melhor”

E vai mesmo construir um muro com centenas de quilómetros na fronteira com o México? “Chama-se construção. É o que sei fazer melhor”, responde ao “60 Minutos”.

Alguns membros do Partido Republicano têm tentado atenuar esta que é uma das mais polémicas promessas de Trump, dizendo que poderá ser apenas uma “cerca” e não um muro. O Presidente eleito admite apenas que a fronteira com o México poderá ter “algumas partes em muro, outras em cerca”.

Quanto à deportação de imigrantes, Donald Trump não vacila. “É pegar nas pessoas que são membros de gangues, que são criminosas – e há muitos assim – e pô-los fora do nosso país ou encarcerá-las. São pessoas ‘fantásticas’, mas queremos garantir a segurança da nossa fronteira. Depois de isso estar garantido e quando tudo normalizar, vamos legislar.”

Nesta entrevista à CBS, Donald Trump enumera as suas grandes prioridades: saúde e redução de impostos, além da imigração. E como tanto o Congresso como o Senado estão actualmente nas mãos dos Republicanos, é bem provável que leve as suas ideias avante com alguma facilidade e rapidez.

Confrontado com o facto de ter escolhido uma equipa de transição repleta de lobistas e membros da elite política de Washington, apesar de ter prometido que era “anti-sistema” e que iria “limpar Washington” dos interesses e lóbis, Trump responde que precisa de quem conheça o sistema para o poder começar a derrotar “por fases”. O Presidente eleito garante que já começou a colocar limites às transferências de dinheiro estrangeiro e à duração dos mandatos.

Trump admite recuo na legalização do aborto

Questionado sobre a sua posição contra o aborto e se admite revogar a famosa lei “Roe v Wade” que legalizou o aborto nos anos 1970, nos EUA, Trump admite que haja uma revogação e que a decisão volte a ser tomada em cada estado. “Sou pró-vida, os juízes [que nomearei para o Supremo] serão pró-vida. Vamos ver o que acontece.”

A entrevistadora voltou-se então para a questão dos protestos que têm vindo a acontecer nos EUA contra a eleição de Trump. “Muitos são profissionais. Os que não são só estão a protestar porque não me conhecem”, atira o milionário.

“Não tenham medo. De maneira nenhuma”, declarou, num dos momentos chave da entrevista que durou cerca de 40 minutos. “Vamos trazer o nosso país de volta. Temos de dar tempo às pessoas.”

"Parem" com os protestos

Falando depois directamente para a câmara, no momento em que Lesley Stahl o confrontou com o número de episódios racistas e xenófobos que têm ocorrido pelo país, Trump diz: “Parem, não façam isso”. “Se isso ajudar, eu digo, parem com isso. Isso entristece-me.”

No tema do escândalo dos emails de Hillary Clinton, Trump tinha prometido em campanha que ia nomear um “procurador especial” para investigar a candidata democrata, mas nesta entrevista deixa cair essa ideia. “Não os quero magoar [aos Clinton]. Quero focar-me no emprego, na saúde e na imigração. Terei uma resposta melhor da próxima vez.”

Numa última pergunta sobre o autoproclamado Estado Islâmico, que Trump prometeu “aniquilar”, o futuro “Commander-in-Chief” (equivalente a chefe das Forças Armadas), diz que não revela como o irá fazer para não dar a vantagem ao inimigo, “como aqueles que anunciaram a tomada de Mossul [no Iraque] com quatro meses de antecedência e quando lá chegaram os líderes do Estado Islâmico já tinham saído”.

“Agora estamos na primeira liga. Quem é que quer saber de taxas de ocupação de hotéis?”

O final da entrevista contou com a presença da próxima primeira dama, Melania Trump, apenas a segunda na história dos Estados Unidos oriunda de um país estrangeiro, que assegurou não ter medo das responsabilidades. “Vamos tomar conta do recado, um dia de cada vez”.

Apontando o “bullying” como a sua causa de eleição, Melania refere que já está acostumada ao escrutínio do público e confessa que confronta o seu marido frequentemente quando considera que este pisa o risco nas suas intervenções públicas, e que ele “às vezes ouve, outras não”. “Ele ouve-me, mas no final de contas, faz o que quer. Já é crescido.”

Acompanhado pelos seus quatro filhos mais velhos, Donald Trump finaliza a entrevista respondendo que ainda não decidiu se irá pedir a demissão ao director do FBI depois do último episódio com os emails de Hillary Clinton e revelando que não irá aceitar o salário de Presidente. São 400 mil dólares por ano dos quais vai abdicar. Quanto à declaração de rendimentos, diz apenas que “irá ser divulgada na altura apropriada”.

E a marca Trump, como sai da campanha? “Quem é que quer saber disso? Agora estamos na primeira liga. Quem é que quer saber de taxas de ocupação de hotéis?”, remata o Presidente eleito dos Estados Unidos.