A Sociedade Portuguesa da Medicina Chinesa (SPMC) considera "sectária" a posição da Ordem dos Médicos sobre a medicina chinesa e revelou que há médicos convencionais que enviam doentes para a medicina chinesa e recorrem a ela para se tratarem.
"Há posicionamentos sectários por parte das ordens que são compreensíveis do ponto de vista corporativo, mas nada têm que ver com ciência", disse à Lusa António Moreira, da direção da SPMC.
António Moreira respondia às declarações do bastonário da Ordem dos Médicos, que esta quarta-feira acusou o Governo de ameaçar a saúde dos portugueses validando cientificamente práticas tradicionais chinesas através de uma licenciatura.
Em causa está a publicação de uma portaria conjunta dos ministérios da Saúde e da Ciência e Ensino Superior de validação da criação do ciclo de estudos que conferem o grau de licenciado em Medicina Tradicional Chinesa.
"A posição da Ordem dos Médicos não é seguramente a posição dos médicos que todos os dias enviam pacientes para colegas da medicina tradicional chinesa e não é com certeza a de clínicos que recorrem aos serviços da medicina tradicional chinesa para se tratarem, tal como pessoas da medicina tradicional chinesa recorrem à medicina ocidental para se tratarem", afirmou António Moreira.
O representante da SPMC defende que a capacidade preventiva e de evitar a progressão de doenças da medicina tradicional chinesa "é uma arma poderosa que deve ser usada por todas as instituições de saúde".
Em declarações à agência Lusa, o responsável sublinhou ainda "a coragem de colocar cá fora uma regulamentação da lei que deveria ter sido feita há mais de 10 anos".
Questionado sobre quantos países têm licenciaturas em Medicina Tradicional Chinesa, António Moreira respondeu: "Tal como existe aqui, há provavelmente em mais dois ou três países".
"Mas esse não é o principal problema. As terapias não convencionais foram regulamentadas em Portugal porque as pessoas precisam de separar o trigo do joio e saber com quem podem contar, não confundir uma oferta de curandeiro com uma oferta de alguém que domina um conjunto de procedimentos que vão sendo apurados todos os dias e que foram passando pelo crivo da experiência e do conhecimento", sublinhou.
O representante da Sociedade Portuguesa de Medicina Chinesa lembra ainda que "a humanidade tem quase 10.000 anos e a ciência tem 300", sublinhando: "Há conclusões que a ciência refuta passado algum tempo. A ciência vai mudando".
"O anterior bastonário defendia que isto deveria passar pelo Ensino Superior e passar pelo crivo da ciência. Agora vamos passar pelo crivo da ciência", afirmou.
"Temos formação no ensino superior de um mestrado em medicina tradicional chinesa que existe há 10 anos (...). Não compreendo qual é a preocupação", concluiu António Moreira, considerando que "não faz sentido dizer que a medicina tradicional chinesa não tem base científica".
"Vejam a quantidade de estudos publicados em revistas da especialidade, a quantidade de estudos aleatoriamente controlados para tratamentos da medicina tradicional chinesa e os medicamentos feitos à base da fitoterapia chinesa".
Ministérios garantem estar a cumprir a lei
Os ministros da Saúde e da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Adalberto Campos e Manuel Heitor, respetivamente, desvalorizaram, no Porto, as acusações da Ordem dos Médicos relativamente à validação científica de práticas tradicionais chinesas.
"Não faz nenhum sentido agitar a ideia de insegurança dos portugueses apenas e só porque o Estado está a cumprir uma lei da Assembleia da República aprovada sem votos contra em 2013 e que tinha sido aprovada por unanimidade em 2003", disse o ministro da Saúde.
Adalberto Campos Fernandes afirmou que "o que se está a fazer é enquadrar aquilo que não estava enquadrado e pôr-se dentro do sistema aquilo que estava fora do sistema. Se isso não é zelar pela qualidade e pela segurança das pessoas, então o que será?".
Também o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior quis "deixar bem claro que o Governo em Portugal não cria cursos".
"Já passámos há muitos anos essa fase. Nós podemos orgulhar-nos de ter uma agência de acreditação e de avaliação que segue as melhores práticas internacionais e um dos aspetos que obviamente hoje certifica - e que, mais uma vez, estamos a reforçar - é a capacidade científica de qualquer instituição de ensino superior antes de poder dar um curso", referiu Manuel Heitor.
Manuel Heitor sublinhou que "qualquer curso que apareça tem de seguir as normas internacionais que são devidamente avaliadas e só depois acreditadas pela agência de acreditação. Não pode haver cursos de ensino superior em Portugal ministrados sem serem acreditados. É ilegal".
"E, por isso, todos os cursos terão de ser avaliados e acreditados pela agência, o que fizemos foi meramente seguir a orientação da agência após o parecer da Organização Mundial de Saúde, exatamente como todos os outros países europeus estão a fazer", frisou.
Segundo o ministro do Ensino Superior, "não há nenhuma exceção, o Governo não cria cursos e, nesta área, a regulação em Portugal está verdadeiramente na frente daquilo que melhor se faz na Europa, a agência de acreditação e de avaliação tem sido reconhecida como uma das melhores práticas europeias nesta área".
"Por isso, podemos hoje estar descansados que os portugueses têm um bom ensino superior, um ensino superior que é devidamente acreditado e avaliado segundo as melhores práticas. Cada vez mais podemos dar confiança a Portugal, aos portugueses e aos europeus que estudar em Portugal vale a pena porque o ensino superior português é bom", acrescentou.