Maria José Morgado mostra-se pouco otimista sobre transparência e prevenção de desvios de fundos europeus em Portugal, que vai começar a receber, nos próximos meses, os milhões do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), a chamada "bazuca europeia". "A publicação e a luz do dia são o melhor desinfetante em termos de rastrear o seguimento dos dinheiros", defende.
A procuradora jubilada do Ministério Público diz, no programa “Da Capa à Contracapa” da Renascença, que Portugal tem mecanismos de prevenção débeis e chama a atenção para um problema crónico no controlo público dos critérios de aplicação dos dinheiros comunitários.
A magistrada reflete sobre o combate à corrupção em Portugal a propósito de um novo livro da Fundação Francisco Manuel dos Santos, da autoria do jornalista Luis Rosa, a quem se juntou no programa desta semana.
O ceticismo de Maria José Morgado é evidente nas palavras que escolhe para se referir à prevenção de ilícitos relacionados com o novo conjunto de dinheiros europeus.
Ao cabo de 40 anos de serviço, a magistrada agora jubilada diz que os mecanismos de prevenção são "débeis" e confessa que não está muito otimista em relação ao processo de aplicação da designada "bazuca europeia" composta por subvenções europeias destinadas à recuperação económica em Portugal.
"Tudo deve ser publicado e não em plataformas inconsultáveis. A publicação e a luz do dia são o melhor desinfetante em termos de rastrear o seguimento dos dinheiros. Será que há competitividade na aplicação? Será que as pequenas e médias empresas podem concorrer? Os critérios são controláveis? Não sei", confessa Maria José Morgado numa das passagens do programa "Da Capa à Contracapa" que debateu o livro “45 anos de combate à corrupção”, da autoria do jornalista Luis Rosa.
A magistrada, que cumpriu mais de 40 anos de serviço no Ministério Público, recorda a importância das investigações sobre fundos europeus no final dos anos 80 e 90 do século passado como impulso para melhorar a investigação judicial em Portugal.
Em matéria de abusos de dinheiros comunitários, Maria José Morgado não hesita em dizer que "nos anos 80 foi tudo muito mau", reconhecendo que, mais tarde, "houve uma fase intermédia em que as coisas aparentemente parece terem corrido melhor".
No programa da Renascença, em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos, a procuradora jubilada do Ministério Público insiste que em Portugal "temos sempre um problema de transparência e de critérios de atribuição dos fundos", sublinhando falhas no controlo público desses critérios.
O Programa de Recuperação e Resiliência (PRR), que esteve em consulta pública até segunda-feira, tem um sério risco de fraude e precisa de adaptações no seu plano de governação, segundo um documento do grupo de reflexão 'Think Tank'.
A informação consta de um documento, citado na edição de hoje do jornal "Correio da Manhã" (CM), do grupo de reflexão ‘Think Tank’, constituído no âmbito do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), que inclui vários magistrados, investigadores da Polícia Judiciária, elementos do Tribunal de Contas, da Inspeção-Geral de Finanças, do Organismo Europeu de Luta Antifraude, entre outros, e tem por objetivo garantir a correta aplicação dos fundos europeus.
No documento, o grupo destaca a falta de mecanismos informáticos de alerta, que possam identificar uma duplicação de financiamento a um mesmo beneficiário.
De acordo com informação divulgada no site da Procuradoria-Geral da República (PGR), o grupo de reflexão (Think Tank) tem por objetivo desenvolver estratégias de prevenção e combate a fraudes com fundos europeus.
O grupo tem uma duração prevista de dois anos e pretende de "modo multidisciplinar e preventivo, identificar áreas de elevado risco de comportamentos fraudulentos; definir linhas orientadoras de prevenção de fraude na gestão e controlo de fundos europeus e implementar metodologias de ação ajustadas a comportamentos fraudulentos identificados".
A Procuradoria Europeia poderá integrar também o Grupo de Reflexão logo que se encontrem reunidas as condições organizativas e funcionais internas para o efeito.
O PRR, para aceder às verbas comunitárias pós-crise da covid-19, esteve em consulta pública até segunda-feira e prevê 36 reformas e 77 investimentos nas áreas sociais, clima e digitalização, num total de 13,9 mil milhões de euros em subvenções.