O arquiteto José Alegria, cônsul de Marrocos no Algarve há 22 anos, tinha chegado a Marraquexe ao final da tarde de sexta-feira, para passar uns dias de descanso. Poucas horas depois, sentia, na casa que tem na cidade, a terra começar a tremer.
“Eram 11 e tal quando foi esta desgraça, que foi violentíssima e assustadora”, conta à Renascença. “A minha casa é na medina, isto abanou tudo, tudo, tudo. Houve casas nos bairros aqui ao lado que ruiram. Felizmente, a minha não, porque é uma estrutura sólida”, acrescenta.
O que José Alegria agora teme é o aumento do número de vítimas, até pelas características geográficas da zona. “O epicentro foi a sul de Marraquexe, a uns 60 ou 70 km, que é quando começa a cordilheira do Atlas. A cordilheira do Atlas é das maiores do mundo e vai a mais de 4 mil metros de altitude. Imagine-se as milhares de aldeias que estão dispersas, e com acessibilidades condicionadas, limitadas”. Por isso, acredita, “a averiguação dos estragos e das vítimas vai ser lenta, será um trabalho certamente de semanas”.
Para já, o consul conta que em Marraquexe muitas pessoas preferiram passar esta primeira noite após o abalo nos jardins da cidade - isto, apesar de existir luz e água nas casas e de até muitas lojas de produtos essenciais terem aberto no dia seguinte ao sismo - pois ainda “estão com muito medo”. O facto de as ruas serem muito estreitas, em especial na medina, também contribuíu para que muitos procurassem espaços públicos amplos para dormirem. “Basta uma casa ruir para que não haja hipótese de fuga”, explica José Alegria.
No entanto, até agora apenas foi sentida uma réplica mais forte. E o consul defende que Marrocos está “muito bem preparado” para reagir à tragédia, “quer a nível da proteção civil, quer a nível do exército”, que também está no terreno. “Os trabalhos estão bem organizados e o Ministro da Administração Interna já se mudou para Marraquexe, este sábado”, conta, como exemplo da rapidez de resposta das autoridades do país, e acrescenta que, em Marrocos, “há uma grande solidariedade social”, levando as pessoas a ajudarem-se umas às outras.
“O único pedido que houve foi para a dádiva de sangue”, continua o consul, destacando que Hakimi, jogador de futebol marroquino do PSG, “foi um dos primeiros a dar”. Além disso, adianta José Alegria, Marrocos aceitou uma oferta de equipamento tecnológico avançado para ajudar ao resgate de vítimas, feito por Israel.
Do Algarve, recebeu muitos telefonemas de portugueses, incluindo médicos, que se prontificaram para ajudar no que for preciso. Mas poucos da comunidade marroquina que, segundo diz, é composta por cerca de 2 mil pessoas. “As comunicações estão a funcionar [em Marrocos] e eles conseguem falar com as famílias”, explica.
Arquiteto de formação, José Alegria refere que “em termos percentuais, não é grande o número de casas que ruiram”, apesar de haver “um número muito significativo” de construções que ficaram com marcas do abalo, “inclusivamente muitas pequenas lojas e outros edifícios que estão danificados, alguns com fissuras consideráveis”. Também “vários minaretes de pequenas mesquitas” cederam ao sismo.
“Magnitude 7 já impõe muito respeito”, continua, “e estas construções, se algumas estão sabiamente feitas, como verifiquei com a minha casa, há muita construção precária, autoconstrução, feita ou com tijolos de terra ou com pedra, com uma argamassa muito pobre. E aquilo, com os abanões, solta-se tudo e é um jogo de dominó a cair”.
Para concluir, o cônsul volta a lembrar a cordilheira do Atlas. “Aqui, na cidade, isto é plano mas, nas montanhas, aquilo é tudo em escadinha, em que as casas estão sobrepostas umas nas outras. Basta cair uma e elas caem todas. Ainda estamos no início”, diz, numa referência ao número de vítimas.