Rui Tavares já esteve no Parlamento Europeu eleito numa lista do Bloco de Esquerda. Agora, tenta novamente regressar liderando a lista do Livre, partido que fundou em janeiro de 2014. E de novo quer usar o salário para promover a cidadania europeia.
O que é essencial do que o Livre tem a dizer sobre a Europa?
O Livre é um partido de esquerda pró-europeia e anti-austeritária. Esta é a família que, ao contrário do que se diz, mais tem crescido na Europa, mais do que a extrema-direita. É a família política que mais tem crescido na Alemanha, no Reino Unido, nos Países Baixos, mesmo em França. E é, basicamente, uma família que defende a democratização da União Europeia, algo que em Portugal nenhum outro partido defende como o Livre defende. Democratização da UE quer dizer os europeus poderem eleger todos os seus legisladores e não apenas os do Parlamento Europeu, eleger o executivo da União Europeia através de eleições indiretas, mas podendo eleger a Comissão, o presidente da Comissão e comissários e todos os cidadãos europeus poderem ir diretamente ao Tribunal de Justiça da UE quando os seus direitos estiverem a ser violados, porque achamos que só uma democracia europeia - que seria a maior democracia transnacional do mundo - pode falar cara a cara com os Trumps, os Putins e os Xi Jipings e só uma democracia europeia pode legitimar o tipo de Europa social-democrática e ecológica que precisamos. E aí entra um outro pilar essencial do Livre que é a defesa de um novo pacto verde - um green new deal, como dizemos em inglês no movimento de cidadãos pan-europeu Primavera Europeia que nós fundamos - que será um grande plano de investimentos público orçamento em 500 mil milhões de euros anuais nos próximos cinco anos para fazer face à crise ecológica que estamos a viver.
Esse pacto tem três pilares. Um primeiro: a rapidíssima transição energética no sentido das renováveis, embaratecendo tecnologias que hoje são caras, criando novas tecnologias e tornando a Europa mais rapidamente neutral em emissões de carbono. Um segundo pilar: investimento em milhões de empregos na economia verde, empregos na área da reflorestação dos seus serviços aos ecossistemas ou cuidar das florestas que, entretanto, tiverem sido plantadas.
O terceiro pilar é o investimento em infraestruturas de habitação e locais de trabalho onde estão as pessoas. Dou sempre o exemplo de Portugal, que é um dos países onde se passa mais frio no Inverno na UE porque os nosso edifícios não estão preparados, estão mal isolados, estão aquecidos de forma ineficiente e às vezes até perigosa, Quem mais sofre com isso são os cidadãos seniores que, na maior parte das vezes, são os que têm menos disponibilidade financeira para isolar e aquecerem eficientemente os seus edifícios. Ora, se fizermos esses investimentos agora não só estamos a aplicar fundos da União Europeia e outros através, de títulos de divida do Fundo Europeu de Investimentos, lá onde estão as pessoas e, portanto, legitimando o projeto da UE de dar um alto nível de desenvolvimentos aos seus cidadãos, mas estamos também a fazer investimentos que são poupanças no futuro porque significam menos pressão sobre o serviço nacional de saúde.
Defendi isto desde 2009 e sempre dissemos que Europa e ecologia tinham sido os parentes pobres da gerigonça e os dois grandes falhanços da atual legislatura
É normal que a Europa seja um parente pobre da geringonça uma vez que dois dos pés da geringonça não são europeístas ...
Tem toda a razão. Depois de quatro anos a ouvirmos dizer que a Europa é irreformável, que a UE não tem futuro, que é um projeto falido, depois de quatro ou cinco anos de muita gente desses partidos criticar o Livre por considerarem que, por sermos um partido com ideias consistentes sobre a Europa, somos um partido europeísta que viam com grande desconfiança, a 15 dias das eleições europeias houve um atenuar desse antieuropeísmo ou até um virar de agulha, porque perceberam que 92 por cento dos cidadãos portugueses não querem sair da União Europeia e os restantes oito por cento de votos são muito poucos para serem disputados por várias candidaturas à esquerda ou à direita que, há uns meses, diziam que iam ser candidaturas antieuropeístas.
Quanto o Livre foi fundado os quatro pilares - liberdade, Europa, esquerda e ecologia - já estavam lá. Não trocamos convicções por conveniências.
Já esteve no Parlamento Europeu. Como explica esta separação que existe entre as instituições europeias e os cidadãos?
É um grande falhanço das nossas elites políticas e institucionais, também jornalísticas, não só europeias, mas muito especificamente portuguesas. Portugal nunca teve altas taxas de participação em eleições europeias, mesmo logo a seguir á adesão, quando é normal que os países acabados de aderir à União Europeia tenham mais altas taxas de participação, Nunca ultrapassamos a Espanha, por exemplo. Mesmo na Europa a 15 eramos dos que tínhamos maiores taxas de abstenção. Isso tem a ver com a Europa ter sido sempre indiscutível em Portugal.
A Europa é um projeto político no qual, se nos demitimos, perdemos. Portugal precisa de uma intensa cidadania europeia porque quanto mais intensa for mais determinantes seremos na Europa, enquanto país e enquanto cidadãos europeus.
Uma vez que mencionou o mandato europeu que tive ...
Para o qual foi eleito na lista do Bloco
Como independente. E pouca gente diz que, para o mandato seguinte, fui convidado três vezes pelo PS e recusei porque apreendi que os independentes são usados como flor na lapela dos partidos e depois são descartados e prometi a mim mesmo que nunca mais. Nas lisitas do Livre sou eleito em eleições primárias, não sou convidado por nenhuma direção partidária. Isso faz toda a diferença.
Muita gente estará lembrada que, nesse mandato, tirei uma parte do meu salário para dar bolsas de estudo. Toda a minha vida estudei com bolsas de estudo, é algo que é muito caro e que queria fazer.
É devolver algo à sociedade?
É devolver algo. Não falei disso na campanha de 2014 porque tinha um certo pudor. Agora menciono-o porque o que quero fazer é algo mais ambicioso e tem a ver com colmatar essa distância entre cidadãos e instituições europeias. O que quero fazer desta vez, em vez de bolsas, são cursos de direitos, democracia e cidadania europeia. Quero instituir em Portugal uma verdadeira embaixada do eurodeputado no país de origem, com uma antena itinerante para ir ao resto do país e às regiões autónomas e que dê estes cursos. Se formarmos centenas ou até milhares sobretudo de jovens em exigir documentos á comissão europeia, que é uma possibilidade legal que já existe, mas é pouco usada, sobre temas que têm a ver com Portugal, por exemplo; se aprendermos e ensinarmos uns aos outros como iniciar um processo no Tribunal de Justiça da União Europeia; se iniciarmos a partir de Portugal iniciativas legislativas cidadãs que podem fazer propostas de lei que depois a comissão europeia tem de desenvolver, isso significará uma cidadania europeia portuguesa muito mais esclarecida e intensa. Isso colocará pressão sobre os nossos políticos para falarem mais de Europa e disserem o que fazem na Europa. e porá mais pressão também sobre as instituições europeias para que se aproximem dos cidadãos. Sei que é um projeto idealista, mas sei que muita gente sabe que eu consigo fazer este tipo de projetos.
O que é que o preocupa mais neste momento da UE?
Preocupa-me que um dos continentes mais ricos do mundo, o maior mercado único do mundo, a segunda maior economia do mundo, o maior bloco regional do mundo - tudo na Europa oferece à europa a possibilidade de ser uma superpotência regulatória em relação à globalização - tenha mais de 100 milhões de pobres. Defendemos que a UE tenha um plano de emergência e combate à pobreza e queremos que os fundos para esse plano venham dos lucros do Banco Central Europeu. Por exemplo, nos resgastes da troika a Portugal, Grécia, Chipre e outros o BCE realizou 73 mil milhões de euros de lucros. Lucros que foram importantes para provar a contribuintes alemães, finlandeses e holandeses que os resgates não deram prejuízo. São empréstimos, não é dinheiro a fundo perdido. Mas também não era esperado que dessem lucro. Ora, esses 73 mil milhões de euros devem ir precisamente para combater em boa medida o dano social e humano que foi provado pela austeridade. Mas o BCE tem mais do que esses lucros, tem 90 mil milhões de lucros por ano, aproximadamente.
Um banco central emite moeda, não é como os outros bancos, não precisa de lucros para devolver aos acionistas, os acionistas são os estados-membros e, portanto, o que defendemos é um acordo intergovernamental no Conselho Europeu para que esses lucros sejam aplicados no combate à pobreza no continente europeu. Queremos erradicar a pobreza infantil no continente europeu. Se há parte do mundo onde o podemos fazer é na Europa, devemos dar esse exemplo de liderança e devemos proclamar alto e bom som que um continente com este potencial e com este nível de riqueza não deve deixar permanecer fenómenos de pobreza extrema.
Posso depreender que defende um orçamento europeu?
Já temos um orçamento da UE, só que é muito pequeno. Por planeamento fiscal e fuga ao fisco perde-se um bilião de euros por ano. é um número tão grande que o desdobro: é um milhão de milhões de euros por ano e é mais do que um orçamento da UE para sete anos.
Tem limitações por via dos tratados e, portanto, a maneira que temos para agir na economia é através do Fundo Europeu de Investimentos, que não faz parte do orçamento do UE, mas que é maior do que o Banco Mundial , que já emite títulos da divida, os chamados projet bonds, que atraem muito investimento privado porque são muito seguros. Com o capital inicial desse fundo pode-se fazer um plano como este de 500 mil milhões por ano. O plano Juncker era de 300 mil milhões distribuídos por vários anos, feitos por este mecanismo que descrevi.
A zona euro precisa de um orçamento reforçado porque senão estará sempre sujeita a estes choques assimétricos, a crises que atingem a zona euro de forma diferencia, positivamente nuns estados membros, negativamente nos outros . E depois precisamos de orçamentos da UE para funções especificas
Como por exemplo...?
Muitos deles geridos pelos próprios estados-membros. O exemplo da taxação das multinacionais: não defendo que essa taxação deva ser através de um novo imposto europeu. Acho aliás que o debate sobre um novo imposto europeu e sobre o fim da unanimidade em termos de políticas ficais na UE está inquinado porque dependeríamos de Holanda, Irlanda, Áustria e Luxemburgo serem perus que votam pelo Natal, ou seja que votassem o fim do seu modelo de negócios. Deveriam fazê-lo, mas não o vão fazer tão cedo.
O que defendemos é a constituição de uma cooperação reforçada - que é uma possibilidade prevista nos tratados com um mínimo de nove países - que já foi utilizada noutras ocasiões, como a criação do Espaço Schengen. Essa cooperação reforçada dirá à Comissão Europeia 'queremos que cobrem sistematicamente os impostas às multinacionais das transações que são feitas nos nossos países'. Esses são impostos nacionais, cobrados pela Comissão, mas enviados para os estados-membros., 95 por cento deles deveriam engrossar os orçamentos dos estados-membros, que bem precisam.
Mas vamos mais longe e dizemos que os cinco por cento restantes devem ir para um fundo de transição tecnológica e de ajustamento à globalização e esse fundo, partilhado entre os países da cooperação reforçada, deve investir em universidades de União, criar universidades novas ou fazer redes de universidades já existentes. Universidades que se dirijam a todos os estudantes da União, não só para o Erasmus, mas para o curso inteiro, com provas de acesso pan-europeias, onde se invista nas áreas de futuro da tecnologia, mas também da ecologia, dos direitos humanos, da economia global, da governação global, atraindo estudantes do resto do mundo e posicionando a UE de forma decisiva nesta área de ponta do ensino superior. A China investe em ensino superior mais do que todo o orçamento da UE e, se houver Brexit, a UE perde oito das 10 universidades que estão nos lugares cimeiros dos rankings internacionais. A UE tem de voltar a olhar para o futuro e para voltar a olhar a olhar para o futuro com o orçamento exíguo que tem precisa de cooperações entre países para orçamentos específicos para áreas especificas. Isso os tratados permitem e é a maneira que, no imediato, temos de avançar. defendemos que, até 2025, haja um grande debate constitucional europeu e, a partir de 2025, possamos rever os tratados, liberando mais recursos para o orçamento europeu. Menos de um por cento do PIB é muito pouco.