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Na Renascença, em resposta às questões colocadas no programa "As 3 da Manhã", Costa foi desafiado, na segunda-feira, a classificar quatro anos de Governo da "geringonça": “suficiente, bom ou excelente?”
O primeiro-ministro pensou um segundo, mediu as palavras, e não hesitou: "Bom", respondeu. Diríamos que a classificação soou a pouco. Pareceu mesmo "Extremamente Desagradável", como diz a Joana Marques. Miguel Coelho insistiu e estendeu-lhe a bóia: "Bom? Mas… não 'Excelente'?" Mais rápido e seguro do que antes, o entrevistado repetiu: "Bom". Só faltou acrescentar a frase típica dos divórcios amigáveis: “Foi bom... enquanto durou.”
Já não dura. Costa pode vir a ter de partilhar de novo a casa com Catarina Martins, e aceitar o voto orçamental de Jerónimo, que neste casamento de conveniência foi uma espécie de “sogro rabugento”, mas ficou clarinho que a paixão, se existiu, já acabou (não há mais forma de aceitar o jogo do empata com a Lei de Bases da Saúde, por causa dos 4% que representam as Parcerias Público-Privadas, nem paciência para ouvir as insinuações de que se Azeredo Lopes conhecia os planos do “achamento de Tancos” os partilhou certamente com o primeiro-ministro, e menos ainda para as acusações de que Centeno cortou investimentos para brilhar em Bruxelas).
Venha a maioria absoluta ou o “quase-quase” e Costa mais rapidamente aceitará o abraço de Rio ao sorriso de Catarina. Resta saber se, nessa altura, o Rio ainda corre para os lados da S. Caetano. Mas, fora isso, nada obstará à aproximação.
Difícil, aliás, começa a ser encontrar as diferenças. Uma única coisa Costa não fará: voltar a “flirtar” com Cristas. A irritação entre ambos, que tanto dói a Marcelo, tornou-se quase “irracional”. Não haverá lugar para o queijo Limiano.
E se Costa parece ansioso por partir finalmente sozinho em campanha, em que estado deixa a Geringonça a Nação? Comecemos pelas boas notícias:
- A crise dos juros permanece em suspenso. Ironia do destino: nunca estiveram tão baixos. É mau para as poupanças das famílias, que rondam agora os 4% e que nunca estiveram tão baixas (na Europa é mais do dobro). Em contrapartida, poupou-se em juros. Entre 2015 e 2019 a poupança no custo da dívida pública rondou os 1.250 milhões ao ano. Até 2023, o Governo conta com estas economias para financiar 2 mil milhões de investimento. Isto, é claro, se Trump não resolver começar nenhuma guerra entretanto.
- O défice é mesmo o menor da democracia. Quase salazarento. Preparam-se excedentes. À custa, primeiro, de cativações draconianas, depois de cortes e atrasos no investimento como não se viam nem nos tempos da troika. Além de alguns pequenos truques: Marcelo desmascarou o último quando lembrou que um decreto de execução orçamental que entra em vigor só metade do ano não permite uma série de gastos em cadeia. Há dinheiro, mas quando este entra finalmente na caixa do respetivo Ministério, já prontinho, autorizando o lançamento de concursos, etc… com sorte o ano acabou. Promoções são pagas pela metade, e o mais que se sabe.
- As contas externas ainda estão positivas, mas por pouco. Sem poupança das famílias e das empresas, a economia nacional deixa de ter capacidade de financiamento e recomeça a viver de empréstimos externos. Está por um fio. A nossa dívida líquida externa era de 26% no início do milénio e agora vai nos 90% do PIB. Como o professor Aguiar Conraria tem vindo a alertar: isto só pode ser insustentável. Se o negócio do turismo engripar, entramos em pneumonia. Se o imobiliário deixar de alimentar o pouco investimento interno em construção entramos em marcha-atrás. A confiança dos consumidores já desce, o clima económico também, o indicador de atividade abranda.
O pior é que, passada a anestesia estival, o país voltará ao normal. Em Faro, qualquer peixe-aranha levará o incauto a gastar um dia de férias na urgência, uma cólica renal pode acabar no hospital de Beja, um braço partido implicará um regresso a Lisboa antecipado e uma coisa ligeiramente mais grave numa viagem de helicóptero para um heliporto mais próximo. Se houver transporte -- e médico.
Listemos, por final, o ainda menos bom:
- A produtividade marca passo. Numa hora os portugueses produziam (em “unidades comparáveis” em 2017) o equivalente a metade de um dinamarquês e um terço de um irlandês.
- O desemprego desceu a pique para pouco mais de 6% da população ativa e vai continuar a descer devagarinho ainda mais, mas atingiu já o chamado ponto de “desemprego natural”. Ou seja, dificilmente os mais de 300 mil desempregados vão arranjar emprego e, destes, 45% estão já abaixo da linha de pobreza. A somar a isso 10% dos empregados estão também em risco de exclusão social e, para cúmulo, da geração mais bem preparada de sempre entre os 25 e os 34 anos há, pelo menos, um terço que nem o secundário acabou, o que diz bem da nossa capacidade de resposta às necessidades do futuro.
- O investimento esfumou-se, as infraestruturas degradaram-se em todos os setores. Não são só os comboios, o metro, os barcos e os serviços públicos e privados. Com algumas exceções, o parque industrial envelheceu e o nosso aparelho produtivo degradou-se. Em 2010, em Portugal, o setor público investia em média tanto quanto os nossos parceiros. Segundo o Eurostat, agora somos os penúltimos a gastar em investimento. A Estónia, a Noruega e a Suécia investiam, em 2017, à volta de 5% do PIB, a Itália 1,96% e nós 1,83% apenas. Privados incluídos, o investimento subiu para 16,5% da riqueza criada contra quase 25% na República Checa, que ocupava um honroso 3.º lugar, antes da Estónia e depois da Suécia.
- Voltaremos à escola com passes sociais baratinhos, verdadeira política de apoio à família, mas sem lugar nos autocarros. Vale que teremos mais dinheiro no bolso, que a remuneração média está a aumentar e que o salário mínimo já passou os 600 euros (em 2011 só 11% recebia este salário, que agora mais de 21%o da população recebe). Costa garante que tudo fará para que os salários subam ainda mais, a bem da classe média.
Em termos sociais: os professores perderão a paciência a preparar o ano, porque a verba para consertar o telhado da escola ou o piso do recreio já foi desbloqueada, mas o concurso não avança. Os barcos da Soflusa continuarão entre avarias e guerras de mestres. Ainda mais exaustos, os enfermeiros continuarão sem compressas e os médicos sem meios de diagnósticos. As famosas 167 vagas para técnicos, por dez vezes anunciadas, continuarão por preencher. Os professores universitários, os alunos sem bolsas e os investigadores à beira de perderem milhões em bolsas que lhes custaram sangue, suor e lágrimas a conquistar, estarão à beira de novos ataques de nervos.
A classe média asfixiada por impostos, mas habituada a votar com a carteira, prepara-se para a abstenção. Vendo bem, seja qual for o seu voto pagará menos impostos. O PS advoga o crescimento dos salários médios e lembra que a classe média, este ano, já pagou "menos mil milhões" do que em 2015 (de que século?). Não se prometem descidas da carga fiscal, mas ela vai descer paulatinamente até 2023. Rio, embora ainda não tenha estudado os escalões do IRS, jura que “os do meio” serão desagravados (logo se verá quando e quanto).
O IVA da eletricidade descerá também para 6% -- coisa que muito escandaliza Catarina Martins, que acha que o PSD era contra a medida só porque os sociais democratas votaram contra o Orçamento deste ano, onde o Bloco previu a descida da taxa só para potências instaladas tão baixas que praticamente apenas davam para acender a luz enquanto não se procurava uma lanterna a pilhas. Em 2020 espera-se abranger, pelo menos, com a mesma medida quem já tem fogão, televisão e máquina de lavar ligadas à rede. E tudo com a luz acesa.
E no mais, qual o Estado da Pátria? Crescemos. Mas pouco. Convergimos. A passo de caracol. E enquanto Lisboa atinge a média comunitária, a região Norte fica-se por 65% (dados de 2017). No máximo em 2023 estaremos a crescer 2,1%, segundo o PS, e 2,7% nas contas de Rio, o que dará “uma margem de manobra na ordem dos 15 mil milhões para afetar a novas prioridades políticas”, diz o líder social-democrata.
Devia ser isso que devíamos estar a discutir agora? As diferenças de prioridades? Sim. Mas, pelo sim pelo não, achamos mais útil ir a banhos. E vamos.