“Eu estou aqui a falar consigo, mas aproveito para avisar: se me vir, de repente, a deixar os fones e a sair disparada, já sabe…”
Marina Erlich abre o parêntesis para prevenir o que pode acontecer se a conversa tiver de ser interrompida, caso soem as sirenes de alerta para ataques com rockets.
Marina tem 44 anos e vive em Ashkelon, uma das cidades israelitas mais próximas da fronteira com a Faixa de Gaza, logo, uma das mais fustigadas pelo conflito israelo-palestiniano que retomou há pouco mais de uma semana, com uma intensidade que já não se via desde a última grande ofensiva israelita em Gaza, em 2014.
Para esta professora, que dá aulas a partir de casa através do Zoom a israelitas que querem aprender português, os dias passam “praticamente sem rotina definida”.
Deitar no chão, mãos à cabeça e esperar
“Nós não dormimos como deve ser, não nos alimentamos como deve ser e nós temos receio de coisas tão simples como ir à casa de banho ou tomar um duche”, conta à Renascença.
Quando o Hamas decide atacar, a sirene soa e, a partir daí, restam-lhe apenas 30 segundos para encontrar um esconderijo, “deitar no chão de barriga para baixo, pôr as mãos à cabeça, tapá-la com uma almofada e esperar pela explosão”.
A seguir? Tenta-se retomar a vida com a normalidade possível, mas Marina admite que, por estes dias, o sobressalto tornou-se a constante, “porque isto é a toda a hora, é de noite e de dia” e conta que já “houve noites em que tive de sair disparada de casa” para escapar aos rockets que, apesar de nunca lhe terem caído em casa, andam sempre perto demais para que se sinta tranquila.
São poucas as vezes que esta professora de português sente necessidade de sair de casa e um simples passeio pelo jardim do condomínio onde mora pode ser arriscado.
Marina conta que a primeira vez que lhe aconteceu ser apanhada de surpresa foi, precisamente numa situação dessas: “estava a dar um passeio, a falar ao telemóvel com uma amiga, quando aconteceu… é uma vulnerabilidade enorme”.
A guerra obrigou Marina a suspender a maior parte das aulas que dava aos seus alunos.
“Tive dias que ainda tentei mas, às vezes, estou na aula e tenho de sair a correr... às vezes, acontece duas e três vezes na mesma aula”, conta.
“Claro que os alunos são israelitas e sabem melhor do que eu como é que isto é. Mas também tenho alunos crianças e a eles opto por não dar aulas, porque o país todo está em stress e eu sinto que não devo acrescentar mais o stress das crianças verem a professora deles a fugir e, depois, ainda ouvem pelo microfone a explosão”, acrescenta.
Cessar-fogo? “Isto vai durar o que tiver de durar”
David Rosh Pina, vive em Telavive, outro dos alvos preferenciais do Hamas e lembra na Renascença o que sentiu quando, há precisamente uma semana, viu a sua casa ser salva pelas defesas antiaérea israelitas, que intercetaram uma nuvem de rockets, “a menos de 30 metros de casa”.
“Cheguei a casa na quarta-feira e o meu vizinho falou-me de uma ameaça do Hamas, que iam atacar e, passado um bocado, tocou a sirene. Quando estávamos a tapar a janela do meu quarto com portas de aço, olhámos para cima e vimos um missil a ser intercetado a menos de 30 metros da minha casa. Os céus estavam a ser rasgados por mísseis e, felizmente, o nosso sistema de defesa, o Iron Dome (Cúpula de Ferro) estava a intercetar mísseis na nossa rua… não desejo isto a ninguém”, desabafa.
No entanto, a cidade procura viver a normalidade possível. Nos primeiros dias, após o início da escalada de violência, a preocupação entre os habitantes da segunda cidade mais importante de Israel era evidente.
O primeiro reflexo disso sentiu-se nas prateleiras dos supermercados: “no último fim de semana houve uma corrida aos supermercados, como é compreensível, havia muito menos coisas nas prateleiras, havia muito mais gente nos supermercados, havia sacos com muito mais coisas do que o costume”.
Com o passar dos dias, Telavive passou a viver como Londres, aquando os bombardeamentos nazis durante a II Guerra Mundial. Enquanto as bombas caíam, as pessoas andavam nas ruas.
“É um enorme sentido de missão que esta cidade demonstra”, refere David.
“Andamos todos na rua, eu vou todos os dias para o escritório e a minha empresa está aberta”, acrescenta.
David Rosh Pina também tem dupla nacionalidade portuguesa e israelita e diz estranhar “o silêncio sepulcral da comunidade internacional” em relação ao que se passa em Israel.
Segundo diz, a comunidade internacional inverte os papéis nesta questão: a ofensiva israelita não é um ato de guerra contra o povo palestiniano, mas sim “uma resposta a um ato genocida” por parte do Hamas.
Por isso, quando analisa a pressão por parte de várias organizações – entre elas a União Europeia e a ONU – para um imediato e incondicional cessar-fogo, David Rosh Pina contrapõe, dizendo que “as pessoas aqui não querem saber de um cessar-fogo, porque, se houver um cessar-fogo e a questão não for resolvida, voltamos a isto daqui a uma semana ou daqui a um mês e vamos estar sempre nisto.
Se o mundo não presta atenção ao que se passa aqui em Israel, nós prestamos e se, quando somos atacados desta maneira, numa tentativa de extermínio, não há aqui paciência. Vai durar o que tem de durar”.
Marina Erlich concorda: “se eu tivesse a varinha de condão, isto só parava quando Israel destruísse as infraestruturas todas dos terroristas e não sobrasse nem mais um sítio de lançamento de rockets, nem mais nenhum sítio com armamento, porque é a única forma de vivermos em paz”.