Martin Schulz à Renascença: "Estamos a transformar a Grécia num grande campo de refugiados"
16-03-2016 - 23:13
 • Vasco Gandra, em Bruxelas

Em entrevista à Renascença, o presidente do Parlamento Europeu diz que é “absolutamente compreensível” a cooperação com a Turquia para “resolver o problema migratório”. “Isto não é uma espécie de comércio”, garante.

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A cimeira do Conselho Europeu desta quinta e sexta-feira, em Bruxelas, poderá ser decisiva para obter um acordo com a Turquia que permita resolver ou atenuar as crises migratória e dos refugiados.

Em entrevista à Renascença, o presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, rejeita as críticas à solução encontrada pelos líderes europeus. “A Turquia trata os refugiados muito, muito bem. Infelizmente nem todos os cidadãos da Turquia são tratados muito bem.”

Estamos perante uma cimeira decisiva para tentar alcançar um acordo com a Turquia que permita gerir a crise migratória. Qual é sua mensagem aos líderes europeus?

É absolutamente compreensível que tentemos cooperar com a Turquia para resolver o problema migratório. Mas todos os acordos e tratados assinados pela União Europeia estão submetidos às regras da União Europeia ou dos organismos internacionais. Portanto, a compatibilidade de tudo o que fazemos com a Turquia em relação à Convenção de Genebra ou às regras das Nações Unidas é indispensável.

No pré-acordo com a Turquia, é aceitável para o Parlamento Europeu o ponto que prevê que todos os migrantes que cheguem ilegalmente à Europa sejam devolvidos à Turquia?

Prefiro que em vez de dizermos “ilegais” digamos antes “irregulares” porque as pessoas que fogem do terror não chegam ilegalmente. É legal procurar protecção, mas há uma irregularidade. O que é preciso fazer é encorajar os refugiados a virem regularmente, ou seja, os que estão na Turquia. É preciso encorajá-los a não se lançarem nas mãos dos traficantes.

O objectivo é que todos os que chegam às ilhas gregas sejam transferidos para a Turquia, que sejam registados na Turquia e recolocados depois na União Europeia. Quer dizer que a probabilidade de estar protegido é mais elevada se eles chegarem de forma regular do que através dos traficantes. É esse o objectivo.

É razoável pedir à Turquia para gerir esta situação (dos refugiados e dos migrantes) quando a situação dos direitos humanos nesse país é problemática?

É uma boa questão. A resposta é muito importante. Não será a Turquia que decide quem será registado, recolocado, redistribuído. Será a União Europeia. Isto é uma cooperação.

Em relação à segunda parte da sua pergunta, o que vemos é que a Turquia trata os refugiados muito, muito bem. Infelizmente nem todos os cidadãos da Turquia são tratados muito bem. Mas a conclusão não pode ser não trabalhar com a Turquia. Precisamos da Turquia para proteger os refugiados. É necessário dizer que trabalhamos com a Turquia, mas não haverá nenhuma facilitação em relação à vossa política interna ou à política dos média. Em relação à questão curda não haverá nenhuma solução militar, é preciso voltar ao processo de paz. É preciso as duas coisas: por um lado, cooperar; por outro, ser firme e crítico.

Houve muitas críticas no seio do PE sobre o princípio de troca nesta negociação. Em troca da cooperação turca, a UE dá pelo menos uma assistência de 3 mil milhões de euros, liberaliza os vistos (de entrada de turcos na UE) e acelera as negociações de adesão. É um bom princípio de negociação?

Isso é falso. Isto não é uma espécie de comércio. A Turquia pediu a liberalização de vistos. Acho que a Turquia justificou bem: se temos de nos ocupar de 1,7 milhões de refugiados que se encontram no nosso país, com crianças que devem ser escolarizadas, com famílias que precisam de alojamento e serviços médicos, isto custa dinheiro e não se justifica que paguemos só nós. Isto justifica-se.

O dinheiro [que a UE vai conceder] não passa pelo orçamento turco. Passa pelas organizações internacionais e por projectos concretos de cooperação União Europeia-Turquia.

Em relação à liberalização dos vistos, há pelo menos 72 medidas que a Turquia tem de aprovar no seu parlamento antes que a Comissão Europeia faça a proposta. Se o parlamento turco aprovar estas regras, isso representa um progresso – por exemplo, há protecção de dados, há garantias de direitos individuais. Isto quer dizer que a liberalização dos vistos só é possível depois desta aprovação na Turquia. Mas se o parlamento aprovar é um progresso democrático considerável.

Mesmo se houver um acordo com a Turquia, há o risco de as coisas não funcionarem. A União Europeia e os Estados-membros tomaram muitas medidas, mas os resultados são escassos. Há um prazo para isto dar resultados? Caso contrário, a União Europeia vai ter um grande problema humanitário, que, aliás, já começou na fronteira entre a Grécia e Macedónia.

Muito boa questão. O prazo já foi ultrapassado. Estamos muito atrasados. Mas a realidade é a seguinte. Temos um fluxo migratório que continua. Temos terror no Norte de África, temos estados falhados como a Líbia ou a Somália. Temos os refugiados afegãos que estão no Irão e que vão para a Turquia. E ao mesmo tempo a larga maioria dos Estados-membros diz que não aceita refugiados e os países dos Balcãs fecham a rota dos Balcãs. O resultado é que estamos a transformar a Grécia num grande campo de refugiados. Mas se dissermos que não trabalhamos com a Turquia, então isso vai ter um preço para os que estão em Idomeni (na fronteira Grécia/Macedónia). Estou disponível para trabalhar com quem quer que seja para ajudar os refugiados.