“Reduzir horas de trabalho está para ficar”. O alerta é de Gonçalo Gil Mata, fundador de uma empresa de consultoria e formação em produtividade, onde os funcionários sempre trabalharam menos do que a média.
Em entrevista à Renascença, este especialista avisa ainda que o avanço tecnológico está a dificultar a conciliação entre a vida familiar e profissional e vai diminuir o emprego disponível. São centenas de milhares de postos de trabalho que vão desaparecer nos próximos 20 anos.
No plano nacional, Gonçalo Gil Mata diz que a moda do “open space” é um desafio em países latinos como o nosso e defende que se trabalha muitas horas em Portugal, nem sempre da melhor forma.
Dedica muito tempo à produtividade, tem livros publicados, dá workshops sobre o tema. Sabemos trabalhar em Portugal?
(sorriso) Eu acho que em Portugal trabalhamos muitas horas, não necessariamente da forma mais eficiente, às vezes com e-mails excessivos, com demasiados “CCs”, com demasiadas pessoas em cópia, com reuniões por vezes não muito orientadas à solução e à resolução dos problemas.
É isso que eu vejo que tem mais impacto nas pessoas: conseguirem arranjar, não só um método individual e pessoal, um bom sistema de organização pessoal, como um bom método em termos de equipa, para gerar progresso nas atividades divididas e colaborativas, mas sem que toda a gente tenha que saber de tudo e tenha que estar a par de todos os detalhes das várias novelas que circulam.
Tem ferramentas, dicas ou truques para acelerar a produtividade?
Um dos livros, o "Ainda Não Tive Tempo" (Porto Editora) é todo escrito sobre a produtividade pessoal e práticas de organização. Do “best of” das ferramentas que segundo as pessoas são as mais rápidas, diretas e com mais impacto, destacam-se as que ajudam a encontrar o foco durante o dia.
Temos ambientes muito estimulados. As dicas que mais impacto têm tido são desligar os avisos de e-mail, conseguirem desligar-se de vez em quando no dia, para entrar no modo de foco, às vezes esconder-se numa cabine, esconder-se numa sala de reuniões sozinho, para conseguir avançar e gerar progresso em coisas que precisam da nossa atenção e não dispersão.
Já que fala em esconder-se, o “open space” é um ambiente favorável à produtividade?
O “open space” é uma faca de dois gumes. Foi uma importação de um conceito mais nórdico e acabou por ter uma adaptação cultural. Para nós e para os países latinos, em geral, trouxe alguns desafios, que se calhar não sabemos bem moderar.
Claro que o “open space” permite que estejamos todos a pulsar na mesma frequência de onda, mas também traz bastante dispersão e desafios quanto à capacidade de nos concentrarmos. É um desafio que culturalmente, para nós, portugueses, não é simples.
A maior parte das pessoas que conheço tem truques para combater esse perigo, nomeadamente, colocam os fones, estão a ouvir qualquer coisa, têm um sinal de ocupado, tentam proteger-se.
Começa a discutir-se em alguns países a redução do horário de trabalho para quatro dias por semana. Concorda?
Na Mind4Time, desde o início (2009), não trabalhamos na sexta-feira à tarde e temos um horário bastante reduzido, comparado com a média. Nós trabalhamos 33 horas e meia por semana e o que eu noto é que, o facto de não trabalharmos na sexta-feira à tarde, induz uma velocidade e uma concentração das pessoas, que sabem que não vão ter depois aquela margem para derrapagem e, por isso, eu tenho as pessoas menos distraídas durante o dia e mais concentradas.
Outra grande vantagem é que um fim de semana grande permite à nossa cabeça desligar-se, alimentar mais o nosso foco com a família, ter mais lazer, mais desporto. Isso traduz-se em muita produtividade. Quando as pessoas regressam têm mais ideias e soluções criativas, maturaram assuntos, e isso é saudável.
A continuidade, muitas horas a trabalhar sempre em contínuo, pode ser produtivo, mas depende do que estamos a fazer. Esta tendência de reduzir horas de trabalho está para ficar e vai ser cada vez mais uma realidade. Quanto tempo é que nós em Portugal vamos demorar? Se calhar um bocadinho mais do que a média.
A pandemia marcou muito o trabalho nestes dois últimos anos. Tem notado diferenças nos seminários e contactos com trabalhadores, entre o pré-pandemia e a atual fase, já mais resolvida?
Sim. As pessoas estão a regressar, estão mais sensíveis ao facto que estávamos a perder algumas coisas no trabalho remoto e noto que o regresso e o contacto, aquela conversa de corredor e de copa, estão a fazer bem às pessoas. Dão outro ânimo. Estamos a preparar um bom regresso.
Quais são os principais problemas que lhe são apresentados?
O facto de termos ido todos para casa trouxe outra maneira de pensar nas coisas e vantagens, até de eficiência, principalmente em quem vive nas grandes cidades, com muito trânsito e para quem a rotina diária se simplificou. Mas isso, prolongado no tempo, veio descolar um pouco as pessoas, veio desalinhá-las. Hoje o desafio é retomar o alinhamento mais colaborativo, mais efeito de equipa.
Que efeito teve o confinamento forçado pela pandemia na conciliação entre a família e o trabalho?
Uma das consequências do confinamento foi psicológica, mais grave nas pessoas que estavam isoladas, e o facto de termos perdido a rotina de ver coisas e ter diversidade de estímulos. O nosso cérebro acusa desfavoravelmente, estarmos num contexto muito repetitivo, muito fechado, muito limitado.
Ao nível da conciliação, nem todas as pessoas conseguiram dotar a rotina de barreiras firmes e começaram a ver invadido o espaço pessoal pelo trabalho.
O impacto, em termos familiares, tem muito que ver com termos tido muitas famílias fechadas em espaços, às vezes, não muito grandes. Isso traz desafios notáveis nas relações, porque é intenso, contínuo, não tem intervalos, os miúdos não vão para a escola. Tem um efeito pernicioso. Não terá sido fácil para a maioria das pessoas.
Agora, com o restabelecimento da normalidade, como se pode melhorar este equilíbrio entre a vida familiar e o trabalho?
É uma questão que vai evoluindo no tempo, em termos de metodologias. Começamos a estar mais atentos às práticas que vemos, nomeadamente, nos países do norte da Europa: respeitar bem os horários de trabalho, as pessoas começam a não querer levar o computador para casa, começam a não querer ter os e-mails no telemóvel, começam a querer ir de férias efetivamente, não ter que estar com um olho no e-mail. Mas, ao mesmo tempo, a tecnologia traz-nos os smartwatch, os avisos disponíveis em todo o lado, o acesso às plataformas de trabalho em qualquer lado no mundo.
É um desafio que depende de cada um, conseguir interiorizar que, é possível ou não, no seu contexto de trabalho, ser um profissional de elite, ser altamente produtivo, e ainda assim não extravasar o horário estipulado e conseguir dar à família o que é justo. Mas, às vezes, os ambientes corporativos premeiam de tal forma as pessoas e o seu desempenho que é quase injusto eu estar a comparar ir para casa "aturar os miúdos" ou ficar no trabalho e ganhar mais um prémio, ter mais uma promoção, fazer mais um brilharete num projeto internacional.
Às vezes é quase injusto compararmos o ir para casa a horas, onde nada puxa pelo meu talento, ou uma mente corporativa, bem alimentada em termos de recompensa e mérito e a noção que ali faço a diferença. É uma luta constante.
Isso levanta outra questão: a distinção no trabalho por género. Porque é que as mulheres continuam a ter tanta dificuldade em chegar a cargos de liderança?
Este confinamento revisitou o tema. Acho que os perfis são complementares, há características tendencialmente específicas, de um e de outro, mas a complementaridade é muito importante. Noto sempre que, quando as equipas estão desequilibradas, com mais homens ou mais mulheres, apresentam comportamentos pseudo sociais também desequilibrados.No confinamento, quem ficou em casa? Estatisticamente, foram muito mais as mulheres.
Para fechar o capítulo do confinamento, o que é importante que as empresas garantam aos funcionários, para que o regresso corra da melhor forma?
Enquanto que algumas empresas criaram as condições para que o trabalho remoto estivesse a funcionar bem, outras nem por isso. Por outro lado, muitas pessoas estavam bem em conseguir criar elas próprias as condições em casa, para não terem de ir para o escritório todos os dias. É preciso ver se há alguma preguiça associada a isso e alguma passividade em retomar o escritório.
Essencialmente, é tentar puxar as pessoas para um sentido de missão comunitário, de que quando nos juntamos e temos canais de comunicação, mais presenciais, coisas boas acontecem. Sou defensor de um sistema híbrido, nós aqui estamos com o terço do tempo em casa e dois terços no escritório, mas vejo com dificuldade conseguirmos o mesmo nível de coesão, alinhamento e de eficiência sem o presencial. Acho que há fatores emocionais importantes, as pessoas criam laços afetivos, nós passamos muitas horas no trabalho, vejo com dificuldade as pessoas conseguirem ser tão colaborativas.
Agora, depende do que as pessoas fazem. Conceção pede presença. Se calhar, trabalhos mais individuais, em que só se cose o puzzle no fim, admitem mais que cada um esteja no seu canto. Nunca subvalorizar a importância do efeito de comunidade, efeito de clã, efeito de pertença que a sociedade empresa, sociedade emprego traz. Nós temos aí uma segunda casa.
No último livro provoca os leitores para que se reinventem. É um desafio para pequenas mudanças ou uma transformação radical, à semelhança do que fez (largou um bom emprego por uma grande viagem e acabou por mudar de carreira).
O "Reinvente-se" (Ideias de Ler) é um livro em que tento fazer as pessoas pensar aquilo que nos alimenta, um sentido de realização pessoal, de nós procurarmos o nosso bem-estar, a nossa felicidade, o nosso sentido de missão cumprida e a nossa paz interior. Às vezes está muito ligado a bens materiais, em nós atingimos um determinado estatuto, um determinado reconhecimento, e eu acho que não faltam à nossa volta fórmulas mágicas, nas redes sociais.
É preciso as pessoas pararem e olharem para dentro de si, perceberem que há uma parte de nós que estará sempre insaciável a querer mais, mais um degrau, mais uma coisa, e outra parte de nós que já é pacífica por natureza. Este reinvente-se é para que as pessoas tenham a audácia de serem radicais, se acharem que o caminho que seguem não é o que querem, se o emprego em que estão não é o que querem, se a relação em que estão não é a que querem.
Mas, ao mesmo tempo, o que é que é preciso fazer e acontecer para sermos felizes? Porque, o que é preciso mesmo é percebermos a nossa relação connosco mesmos e o livro aponta um bocado para essa disrupção de desafiarmos os postulados e as fórmulas mais habituais que lemos em todas as redes sociais e em todo o lado.
É também uma resposta a quem, porventura, se poderá sentir desmotivado?
Sem dúvida. Este é um momento ótimo, porque as pessoas estiveram confinadas num ambiente sui generis, certamente inédito, viram-se confrontadas consigo próprias com intensidade, viram muitos dos seus prazeres habituais e socialização sequestrados e é o momento agora de abertura, de retoma.
É o momento ideal para nós pensarmos algumas coisas, mas também repensarmos o rumo. O que eu quis com o livro foi dar às pessoas as ferramentas certas para terem um processo de reflexão conduzido, estruturado, acompanhado, sistemático, que lhes permita apreciar se o rumo que seguem, se a vida que têm, está alinhada com os seus próprios valores, com as suas ambições, a sua identidade.
Como imagina o trabalho no futuro?
É preciso tendências de industrialização, das automatizações, da robótica e da inteligência artificial. Nas próximas décadas e de forma muito explícita, serão automatizados imensos processos. Essencialmente, nós, seres humanos, vamos estar mais nos processos criativos, de conceção, de tomadas de decisão, mais densos. Isso vai dar-nos muito espaço para pensarmos em bem-estar, em prazer, em meditação, em arte, em desenvolvimento intelectual e crescimento espiritual.
Vamos assistir a um futuro do trabalho em que, provavelmente, as pessoas vão ter muito menos tarefas pequenas, automatizáveis, e vão ter muito mais tarefas criativas. Com isso, provavelmente, vão trabalhar muito menos horas.
Isso vai implicar uma diminuição do emprego?
Essa é uma área complexa. Os especialistas dividem-se. Uns acreditam que sim, numa primeira fase. Mas, quase sempre as evoluções disruptivas de tecnologia que temos apreciado no passado, as várias revoluções, trouxeram um conjunto de atividades que não estavam previstas pré revolução e que acabaram por ampliar emprego. Portanto, em princípio, se há aumento de produtividade, há mais riqueza a circular e, quando há mais riqueza a circular, tende a haver mais oportunidades de criar novidade e inovação. Mas é uma incógnita.
Numa primeira fase pode ser meio preocupante. Sabemos que nos próximos 20 anos muitas centenas de milhares de postos de trabalho, que neste momento estão ocupados por pessoas, vão ser feitos por máquinas. Vamos ver como é que evolui, se vai ser uma catástrofe ou se é acompanhada pela riqueza que vai ser criada.