O presidente da autarquia de Varsóvia, Rafał Trzaskowski, pede o estabelecimento de uma estratégia europeia para lidar com refugiados ucranianos.
"O que se viu no terreno foi apenas improvisação", diz o autarca da capital da Polónia em entrevista à Renascença.
Rafał Trzaskowski defende que a guerra diz respeito a todos os europeus e que é preciso lutar contra a fadiga do conflito. "Se formos fracos com Putin, a Ucrânia será apenas o começo", insiste o autarca que é visto como um potencial candidato a primeiro-ministro depois de ter sido candidato presidencial pela Plataforma Cívica que está na oposição ao governo polaco.
Trzaskowski diz que uma nova ofensiva russa coloca incerteza sobre uma nova vaga migratória que está, para já, estabilizada. Mas o autarca queixa-se de falta de dinheiro para pagar os custos do acolhimento dos ucranianos a longo prazo.
Varsóvia lidou com uma situação muito difícil criada pela guerra ucraniana. À beira do primeiro aniversário da invasão russa, como está a situação em termos de fluxos migratórios?
A situação está mais ou menos sob controlo. O problema é a preparação para o longo prazo porque, no início do conflito, tínhamos 300 mil novos refugiados em Varsóvia. E recorde que em 2015, com o influxo de refugiados do Mediterrâneo, atingimos um pico de 200 mil pessoas a vir para a Europa. Repare, a Europa estava em pânico na altura e agora tivemos 300 mil refugiados a vir apenas para uma cidade. Agora, é claro, há menos ucranianos em Varsóvia porque muitos deles voltaram. Existem cerca de 150 mil "novos" ucranianos ainda na cidade e muitos deles não têm para onde voltar, porque cidades como Mariupol foram completamente destruídas.
Tudo depende muito do que vai acontecer na frente de batalha. Se continuarmos a ajudar o exército ucraniano a vencer, a situação ficará mais estável. Mas se houver uma escalada do lado russo, ninguém sabe o que pode acontecer no futuro. Neste momento, 25 mil ucranianos estão a ir diariamente para a Ucrânia e outros 25 mil ucranianos estão a vir para a Polónia. Portanto, há uma porta giratória. Estive em Kiev, em Janeiro, e muitos dos meus amigos simplesmente disseram-me que se os russos - Deus nos livre - conseguirem destruir a nossa infraestrutura crítica, eles irão para a Polónia. Portanto, precisamos de soluções de longo prazo. Precisamos de uma estratégia europeia. E por enquanto, a maior parte do que se viu no terreno foi apenas improvisação.
Que tipo de coisas necessita ? Dinheiro para ajudar essas pessoas? Como consegue, por exemplo, fornecer empregos para esses ucranianos que estão em Varsóvia?
A coisa mais importante de que todos precisamos é mesmo de uma estratégia a nível europeu e a nível governamental. A maior parte das responsabilidades recaiu sobre nós, autarquias locais. O que se assistiu na Polónia foi, simplesmente, a uma ação da sociedade civil e de organizações não-governamentais.
Muitas pessoas vêm à minha cidade e às cidades polacas e ficam surpreendidas ao ver que não há refugiados nas ruas, não há campos de refugiados, porque eles estão connosco nas nossas famílias. Claro que isso não pode durar para sempre. Em Varsóvia, quase 60% de todos os ucranianos que vieram - basicamente mulheres - trabalham, porque não querem ser um fardo para o Estado. Mas é claro que há problemas de longo prazo. Nós concedemos-lhes estatutos de cidadania e, por exemplo, temos 20 mil crianças ucranianas nas nossas escolas, mas há um total de 70 mil crianças ucranianas em Varsóvia. Muitos deles estão no ensino a distância, mas todos nós sabemos, depois da Covid, que, realmente, isso não funciona. O que acontecerá se eles se quiserem inscrever e vir para as escolas polacas? Não podemos aceitar outros 50 mil ucranianos, especialmente quando muitos deles não falam polaco. Há questões de cuidados de saúde, serviços sociais e assim por diante. E o problema é que a União Europeia nem sequer criou um fundo suficiente para os refugiados.
Não tem verbas suficientes para este desafio?
Sim. A maior parte do dinheiro que vi no terreno era dinheiro americano, canalizado por agências das Nações Unidas. O meu coração de europeu convicto sangra, porque não conseguimos arranjar dinheiro suficiente para resolver o problema. Receber essas pessoas, transportá-las, alimentá-las, não gera um custo assim tão incrível. A política de longo prazo, essa sim, gera custos. Deixe-me dar-lhe um exemplo. A população da cidade de Varsóvia aumentou mais ou menos 15%. Nos transportes públicos, só 20% dos custos são cobertos pelos bilhetes e 80% vem do meu orçamento. Então, de repente, tenho 15% de pessoas a mais nos meus transportes públicos. E tenho que fornecer serviços como água, saneamento, eletricidade para mais 15% de pessoas. Fui deixado sozinho com isso e apenas os encargos administrativos foram transferidos para nós. É claro que nós lidámos com isso e vamos continuar a fazê-lo.
Pode aguentar mais um ano assim?
Temos que aguentar, vamos aguentar. Vamos sustentar este esforço porque isso é absolutamente crucial. Esta é uma guerra pela estabilidade do Ocidente que diz respeito a todos nós. Sentimos que precisamos de fazer alguma coisa e esta é a nossa oferta. Os nossos amigos ucranianos dizem-nos que, como recebemos as suas famílias, eles ainda podem combater. Mas é claro que há um custo a ser pago e quanto mais nos custar, mais cedo haverá reflexos de uma fadiga que precisamos de combater.
E a estratégia de colocar esses ucranianos noutras cidades da Polônia? Houve uma ideia semelhante para não superlotar Varsóvia, Cracóvia e assim por diante...
Mas para isso precisamos de uma estratégia, de um esquema de realocação voluntária para que as pessoas possam vir para outras cidades. Até agora, houve apenas improvisação. Os nossos amigos de Portugal, dos Países Baixos e assim por diante, simplesmente ofereceram-se para receber 1000, 3000, 5000 pessoas e nós fomos transportando-as. Mas precisamos de um sistema para que os ucranianos se deparem com uma escolha. Por exemplo, se ficarem na Polónia e houver outra vaga - bata na madeira, não haverá outra vaga - as condições não serão tão boas e talvez sejam um pouco melhores para apenas uma pequena parte na Espanha, Portugal e França. Desta forma eles podem escolher. O problema é que em Varsóvia oferecemos boas condições, em educação e assim por diante. Por exemplo, temos o pré-escolar gratuito e nisso somos a única cidade na Polónia. Portanto, mesmo que eles vão a algum lugar, eles acabam por voltar, porque existe um mercado de trabalho , estão perto da Ucrânia, muitos simplesmente sentem uma certa afinidade cultural, falam um pouco da língua e só querem voltar. É por isso que a tensão sobre as cidades polacas é tão grande.
Na Polónia, ao longo do primeiro ano de guerra, as pessoas sempre me disseram "nós somos os próximos". Havia o medo de serem os próximos para Putin. Um ano depois, acha que isso faz algum sentido?
Não há que enganar: Putin calculou mal as coisas em muitas frentes. Foi informado de que a sociedade ucraniana iria ceder e que os ucranianos o iriam receber bem. Isso foi o que os seus especialistas lhe disseram. Ele estava absolutamente errado, porque os ucranianos estão a lutar com unhas e dentes. Depois pensou que nos poderia dividir, o Ocidente, a União Europeia, a aliança transatlântica. E perdeu de novo, porque permanecemos unidos e somos fortes. Mas ele conta que fiquemos fracos com o cansaço. Que ninguém se engane: se formos fracos com Putin, a Ucrânia será apenas o começo. Portanto, esta é realmente uma guerra que nos deve preocupar a todos.