Moçambique/Cabo Delgado. “Tivemos que nos reinventar como Igreja”
29-11-2020 - 10:39
 • Henrique Cunha

Bispo de Pemba fala à Renascença das implicações dos ataques terroristas na região e recusa que os cristãos sejam o alvo.

“Nós tivemos que nos reinventar como Igreja, como missionários e missionárias”, diz D. Luiz Fernando Lisboa, bispo de Pemba, à Renascença.

Nesta entrevista, fala das consequências dos ataques terroristas e revela que, nos últimos três anos, tudo é feito “em função desta guerra, em função dos deslocados”. Lamenta ainda que a ajuda tenha chegado tão tarde.


Por agora não há sinais de abrandamento. Os ataques na região de Cabo Delgado prosseguem?

Os últimos ataques que aconteceram foram ao distrito de Muidumbe, onde várias aldeias foram atacadas, muitos lugares incendiados, pessoas foram mortas. Foi a aldeia de Muambula, onde está a missão de Nangololo, que é a segunda mais antiga da diocese de Pemba.

A igreja foi praticamente toda destruída, a casa dos padres foi queimada, a casa das irmãs, o ambulatório, a rádio comunitária, o centro de formação onde nós recebíamos toda a liderança para cursos e formações, parte da escola primária e parte da escola secundária, e então foi praticamente destruída a missão do sagrado Coração de Jesus em Nangololo.

Os ataques terroristas são seletivos? Quem são os alvos preferenciais dos islamitas? Os cristãos?

Não. Não, isso eu tenho dito desde o começo que não é verdade. Por exemplo, o distrito de Muidumbe, que foi atacado, tem uma presença muito forte de cristãos. Mas são cristãos e muçulmanos, igrejas cristãs e mesquitas... todos sofreram ataques.

Como descreve a atuação das autoridades moçambicanas?

O Governo tem feito todos os esforços enviando as forças de segurança e reforçando a presença das forças de defesa. E agora, depois de ter aceitado a ajuda internacional, parece que haverá reforço em vários sentidos pela União Europeia e por outras forças aqui da região. Quem sabe se com esse reforço se poderá conter essa guerra porque estamos numa situação em que a província não aguenta mais.

Acha que esse apoio internacional está a chegar tarde?

Ele é bem-vindo. Infelizmente, acho que demorou muito. Mas vamos dar graças a Deus porque veio. Penso que se tivesse vindo há mais tempo teríamos evitado muito mais sofrimento.

E das autoridades portuguesas também têm recebido apoio?

Eu soube nesta semana que o nosso Presidente conversou longamente com o primeiro-ministro de Portugal. Soube também que o Presidente Marcelo escreveu uma carta solidarizando-se com Moçambique.

E está agora mais otimista do que antes, face à intervenção da comunidade internacional no processo?

Estou sim. Nós nunca deixamos de estar otimistas e de manter a esperança.

Senhor bispo, a minha última pergunta é de carácter mais pessoal: como é ser bispo numa situação destas?

É estar a todo o momento rezando, pedindo a Deus, mas ao mesmo tempo agradecendo a Deus por Ele estar aqui, por Ele estar a sofrer junto com esse povo. Por ter permitido que tanta gente perceba o rosto sofrido de Cristo, no rosto destes irmãos que estão a sofrer.

Sente-se um verdadeiro pastor a cheirar as suas ovelhas?

Oh, pá! É uma obrigação, em primeiro lugar, do Pastor. E aqui, e nestes três anos nós estamos a conversar, a pensar, a rezar, a atuar o tempo todo em função desta guerra, em função dos deslocados.

Nós tivemos que nos reinventar como Igreja, como missionários e missionárias, e estamos todos voltados para esse povo que está a inundar as nossas paróquias, os nossos distritos, as nossas vidas.


A violência armada em Cabo Delgado, no Norte de Moçambique, está a provocar uma crise humanitária. Cerca de duas mil pessoas já morreram e 500 mil estão deslocadas, sem habitação nem alimentos, concentrando-se sobretudo na capital provincial, Pemba.

Cabo Delgado é a província moçambicana onde avança o maior investimento privado de África para exploração de gás natural. Está desde há três anos sob ataque de insurgentes, sendo que algumas das incursões passaram a ser reivindicadas pelo grupo 'jihadista' Estado Islâmico.