O Papa Francisco apelou esta terça-feira ao respeito pela diversidade étnica, religiosa e cultural no Myanmar, durante o seu discurso à conselheira do Estado Aung Suu Kyi. Embora não tenha usado a palavra rohingya, lia-se nas entrelinhas a referência à tragédia que se tem abatido sobre o estado de Rakhine, onde um conflito entre a minoria muçulmana e o regime tem levado à fuga de centenas de milhares de refugiados.
Mas os rohingya estão longe de ser os únicos que reclamam contra o poder central no Myanmar, que é dominado ainda pelos generais. Conheça aqui os outros grupos que lutam pelos direitos das suas etnias, incluindo alguns de maioria cristã e até um que acredita representar uma das tribos perdidas de Israel.
Em plena visita do Papa ao país, o regime anunciou a realização de uma conferência das minorias étnicas, para tentar responder a algumas das reivindicações destes e outros grupos.
Exército de Salvação Rohingya
Luta pelos direitos dos muçulmanos rohingya, no estado de Rakhine. Diz-se que tem ligações à Al-Qaeda. Eles negam, mas os seus militantes fazem juramentos sobre o Alcorão e o grupo procura frequentemente pareceres e sentenças religiosas de clérigos muçulmanos.
Ao contrário de todos os outros grupos étnicos, o regime recusa aceitar que os rohingya pertencem à Birmânia, considerando-os migrantes do Bangladesh. Nos últimos anos centenas de milhares de membros desta minoria refugiaram-se do outro lado da fronteira. O Papa estará com um pequeno grupo quando visitar o Bangladesh, dentro de poucos dias.
Exército de Arracão
Luta pela autodeterminação do Arracão, outro nome do actual Rakhine, e do seu povo “multiétnico”. Não está aliado aos rohingya, que considera “bárbaros bengalis”. Combate sobretudo no Estado de Kachin, junto de militantes desta etnia, mas também no Rakhine.
Exército de Independência de Kachin
Combate pela independência do Estado de Kachin e tem como aliados o Exército de Arracão e o grupo Frente Democrática dos Estudantes da Birmânia.
Muitos dos soldados que formaram este grupo pertenciam às forças armadas da Birmânia, mas saíram quando começou o regime militar, nos anos 60, que suspendeu a União da Birmânia e mudou o nome do país para Myanmar, consolidando o poder nas mãos da maioria birmanesa.
Os Kachin são uma variedade de grupos étnicos relacionados entre si, com as suas próprias tradições. Eram na maioria animistas ou budistas, mas nos últimos anos muitos converteram-se ao Cristianismo e agora cerca de dois terços são cristãos, na maioria protestantes.
Exército Nacional da Aliança Democrática do Myanmar
Grupo armado de inspiração comunista que combate sobretudo no Estado de Kokang, sendo conhecido também como Exército de Kokang. São cerca de 2000 militantes. Financiam-se em grande medida com o tráfico de droga.
Exército de Libertação Nacional Ta’ang
Grupo armado que luta pela libertação do Estado de Palaung. Conhecidos por destruir campos de papoilas para produção de ópio e refinarias de heroína. Luta também no Estado de Shan.
O povo Ta’ang, ou Paulang, é dos mais pobres do Myanmar e muitos são viciados em opiácitos, razão pela qual o grupo faz do combate à droga uma das suas prioridades. A esmagadora maioria dos Ta’ang são budistas, mas alguns são animistas.
Exército do Estado de Shan – Sul
É um dos maiores grupos armados que luta contra o regime do Myanmar. Estima-se que existem cerca de 4-6 milhões de pessoas de etnia shan. Na sua maioria são budistas.
Exército do Estado de Shan – Norte
Diferencia-se do Exército do Estado de Shan – Sul, pelo facto de adoptar uma atitude menos beligerante para com o exército birmanês, mas ainda assim recusaram desarmar, apesar de muitos dos seus membros se terem juntado à guarda fronteiriça do Governo, abandonando assim a insurreição.
Exército Karenni
Opera no Estado de Karen. Os karen, cerca de cinco milhões de pessoas, são um grupo interligado de diferentes grupos étnicos. A maioria dos karen são budistas, mas 15% são cristãos. Há ainda muitas influências animistas.
Há acusações de utilização de crianças soldado, embora o Exército Karenni diga que os que há voluntariaram-se para combater, porque os seus pais tinham sido assassinados pelo exército birmanês.
Durante a década de 90 um grupo especificamente cristão de karens combateu pela independência. O grupo, chamado “Exército de Deus da Montanha Sagrada” era liderado por duas crianças, os gémeos Johnny e Luther Htoo, que alegadamente conheciam a Bíblia de cor e fumavam compulsivamente. Renderam-se, juntamente com um pequeno grupo de seguidores, em 2001.
Os Karen e a sua repressão às mãos do regime militar do Myanmar foram retratados no filme "Rambo", de 2008, escrito por Sylvester Stallone, que desempenhou o papel do herói militar americano.
Exército Nacional Chin
Tem cerca de 10 mil membros. Não lutam pela independência, mas sim pelo estabelecimento de um estado federal.
Os chin eram animistas mas no século XIX os esforços de missionários protestantes levaram a que a maioria dos chin adoptasse o cristianismo, nomeadamente à Igreja baptista. Queixam-se de discriminação religiosa às mãos do Governo.
Exército de Libertação Nacional Mon
Luta pela autodeterminação do povo mon, do Estado de Mon. Os mon são na maioria budistas e terão mesmo sido responsáveis por espalhar o budismo ao resto do Myanmar. Alguns vivem também na Tailândia e a família real tailandesa é de ascendência mon.
Exército Budista Karen Democrático – Brigada 5
O grupo surgiu quando se recusou a seguir o resto do então Exército Budista Karen Democrático no desarmamento, e continuou a combater contra o exército birmanês. Assinou um cessar-fogo em 2011, mas rejeitou desarmar.
Exército do Estado Unido de Wa
Formado por militantes de etnia Wa, no Estado de Wa, que é na prática independente, embora reconheça oficialmente a soberania do Estado do Myanmar sobre o seu território. Na prática, este grupo armado, composto por 20 a 25 mil homens, já colaborou com as Forças Armadas da Birmânia para combater contra outros grupos separatistas que operam no país. Suspeita-se que o grupo esteja envolvido no tráfico de droga.
Exército Revolucionário Zomi
Um grupo que luta pelos direitos do povo Zomi, que está dividido entre a Índia, Myanmar e Bangladesh. A maior parte da sua acção decorre na Índia, mas também no Estado de Chin, no Myanmar. A maioria dos zomi são cristãos.
Exército Nacional Kuki
Os kuki são uma minoria étnica na Índia e na Birmânia. O Exército Nacional Kuki luta pelos direitos deste povo e tem a particularidade de ter na sua bandeira uma estrela de David, igual à da bandeira de Israel. Isso deve-se ao facto de alguns acreditarem que os kuki são de facto uma das tribos perdidas de Israel. Ao longo do século XX alguns kuki converteram-se ao judaísmo e alguns migraram mesmo para Israel, embora a maioria seja cristã.