O caso da morte da ciclista grávida, em Lisboa, gerou uma verdadeira onda de indignação. Patrizia Paradiso tinha 37 anos e não resistiu aos ferimentos decorrentes da colisão entre um automóvel e a bicicleta onde seguia, na Avenida da Índia. Estava grávida de cinco meses.
A zona não tinha ciclovia e há muito que os moradores pediam uma. Os amigos de Patrizia – uma italiana há 14 anos em Portugal – garantem que esta investigadora e professora auxiliar convidada do Instituto Superior Técnico era “daquelas pessoas com todos os cuidados do mundo” quando andava de bicicleta – algo de que sempre foi adepta.
Na sequência deste acontecimento, começaram a ser organizadas vigílias por todo o país para o próximo sábado, dia 3, em memória das vítimas da sinistralidade rodoviária.
A ação começou por ser anunciada para Lisboa, para a Avenida da Índia, mas acabou por alargar-se ao Porto, a Leiria e a Braga.
Bicicletas e carros. Que números temos?
De acordo com a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, morreram, em 2019, 26 ciclistas em acidentes e mais de 1.500 velocípedes estiveram envolvidos em colisões. Lisboa é o distrito do país com mais casos.
Bicicletas: veículos com regras
É preciso não esquecer que os velocípedes são equiparados a veículos e os ciclistas (apesar de estarem numa situação de maior fragilidade) equiparados a automobilistas.
Isto significa que quem vai ao volante do carro tem de respeitar a ocupação do espaço para uso das bicicletas, tal como os ciclistas têm de respeitar as regras do Código da Estrada para circularem em segurança.
Dito de outra forma, os ciclistas só podem circular na estrada, na berma, nas ciclovias (caso existam) ou nas faixas reservadas aos transportes. Não podem atravessar nas passadeiras nem ignorar os semáforos ou as regras da prioridade.
O capacete é obrigatório?
Não, embora o seu uso seja altamente recomendável, sobretudo para garantir a proteção dos ciclistas em caso de acidente. Tal como uso de óculos e de luvas, que também não é obrigatório.
Menores têm regras especiais
Os menores até 10 anos podem andar de bicicleta nos passeios, mas atenção: desde que não ponham em perigo ou perturbem os peões.
Três minutos de silêncio
A Federação Portuguesa de Cicloturismo e Utilizadores de Bicicleta (FPCUB) apelou nesta quinta-feira aos cidadãos que, no sábado, cumpram três minutos de silêncio em memória das vítimas da sinistralidade rodoviária e usem uma peça de roupa branca.
"Não podemos manter estes níveis de sinistralidade. Não devemos continuar a corrigir o mal que foi feito, mas sim prevenir que aconteça. Esta [Avenida da Índia] é uma infraestrutura como tantas outras no país: com um perfil que convida a velocidades elevadas, ainda que semaforizada, sem ciclovia dedicada aos utilizadores de bicicleta, pelo que deveria ter fiscalização permanente, assim como radares de controlo de velocidade", refere a FPCUB em comunicado.
Com o aumento de utilizadores de bicicletas no atual contexto de pandemia de Covid-19, a preocupação da Federação quanto "às condições de segurança em que os utilizadores se deslocam diariamente" tem-se tornando um ponto fulcral para as suas ações, lê-se na nota.
Segundo o comunicado, dos 54 "pontos negros" (troços de estrada com elevado número de acidentes) identificados em 2019, 22 (40%) são "recorrentes" e a quase totalidade dos locais situam-se nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto (85%), sendo que se registaram, no mesmo ano, 626 vítimas mortais em acidentes rodoviários, das quais "26 eram utilizadores de bicicleta e 134 eram peões [26% das vítimas mortais]".
Agir e consciencializar
A FPCUB vai solicitar audiências ao Governo, ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes, à Autoridade Nacional da Segurança Rodoviária e à Autoridade da Mobilidade e dos Transportes para "agir e fazer um apelo cívico a medidas concretas".
"A FPCUB defende, de imediato, a preparação e aprovação no parlamento de uma Lei da "Velocidade Regulada dos 30Km/h" aplicável a eixos da rede viária local e secundária acompanhada de uma política de "tolerância zero" em relação a comportamentos manifestamente perigosos ou agressivos, enquanto não se atingir o objetivo de zero atropelamentos e zero mortes", é referido no comunicado.
Além disso, a federação propõe que o Governo crie um Fundo de Segurança Rodoviária Municipal ou Intermunicipal/Metropolitano em que o orçamento corresponda ao custo económico e social da sinistralidade em Portugal (3.714 milhões de euros em 2019) de modo a intervir, em concreto, nos "pontos negros" recorrentes, primeiro nas áreas metropolitanas e nos municípios prioritários e, depois, alargado a todo o país.
"Mas, acima de tudo, necessitamos de consciencializar que a velocidade mata e que grande parte de nós, mesmo os que utilizamos a bicicleta, somos também utilizadores de carro ou mota, mas no final do dia, Todos Somos Peões", é acrescentado na nota.
A ação de consciencialização realiza-se no sábado pelas 11h30.