Violência e má qualidade de ensino no Brasil trazem vaga de estudantes para Portugal
27-09-2018 - 09:00

Muitos vêm pela segurança, outros pela qualidade do ensino, mas quase todos vêm para ficar. Há uma vaga de estudantes brasileiros a vir para Portugal. Podem pagar propinas na casa dos 7 mil euros e, apesar dos preços elevados das propinas, o ensino, para eles, compensa.

É o início de um novo ano letivo nas universidades portuguesas e há uma cor que salta à vista: o amarelo da camisola do Brasil.

A Direção Geral do Ensino Superior (DGES) prevê que tenham entrado mais 22% de estudantes internacionais relativamente ao ano letivo anterior, com os alunos vindos do Brasil a formarem o maior contingente estrangeiro no país.

Dos 5.540 alunos internacionais que a DGES estima que tenham entrado, a maioria é do Brasil, embora não haja ainda um número exato apurado. Estes 5.540 alunos estão em Portugal ao abrigo do Estatuto de Estudante Internacional (EEI), que acolhe alunos que não tenham nacionalidade portuguesa, que sejam oriundos de um país da União Europeia e que não tenham vindo estudar através de programas como o Erasmus.

Estes estudantes pagam mais do que os portugueses em propinas. O curso mais caro - o Mestrado Integrado em Medicina Dentária, em Lisboa - é de 12.500 euros, mas o investimento compensa para "fugir um bocado da violência e fugir um bocado da estrutura".

Portugal como um porto seguro para a carteira e para a carreira

Luís Henrique é “caloiro” de Geografia com "minor" em História. Está com mais dois compatriotas brasileiros, um deles usa a camisola da seleção de futebol. Luís diz que a qualidade do ensino foi o principal fator para escolher Portugal e o Porto, mas o receio pela segurança deu também o empurrão para sair do seu país.

“A segurança é um requisito muito importante, principalmente para mim, que sou do Rio de Janeiro. Lá, a situação está muito difícil, muita gente morrendo”, lamenta o estudante. Luís acredita que não é o único a optar com base no critério da violência e da insegurança, afirmando que “o pessoal sabe que aqui, em Portugal, a segurança é bem melhor”.

No dia 13 de setembro, o reitor da UPorto deu as boas-vindas aos novos estudantes. Na plateia de cerca de cinco mil estudantes, encontramos vários alunos de Erasmus, mas poucos jovens ao abrigo do EEI que não falem com português com sotaque.

O sentimento é partilhado e há uma expressão que se repete nas palavras destes brasileiros. “Aqui podemos andar com o telemóvel na rua”, dizem em grupos de Facebook.

Vítor Gomes, estudante de Economia, mostra entusiasmo perante o contraste entre os países. “A segurança é um choque muito grande para a gente. Não é costume andar com o telefone pela rua, no Brasil. A gente chega aqui e, no primeiro momento em que está andando na rua, com telefone, à noite, na rua, e não sente medo, é muito confortável”, assume.

Vítor, também ele com a camisola do Brasil, é acompanhado pela compatriota Mariana Fernandes. As razões da viagem para Portugal são diferentes no caso da estudante do Mestrado em História da Arte, Património e Cultura Visual.

“Vim por causa do acervo histórico, por causa da valorização do património que tem aqui”, conta entusiasmada, ao mesmo tempo que acusa o Governo brasileiro de falta de investimento na cultura. “A valorização do património ainda é muito escassa lá. Não tem objetos de estudo, não tem ambiente de estudo favorável, não tenho museus para pesquisar tanto quanto teria aqui”.

A decisão de vir para Portugal já estava tomada antes, mas o incêndio ocorrido no Museu Nacional do Rio de Janeiro, no início de setembro, é, para Mariana, o espelho da realidade cultural no Brasil. “Os pesquisadores do Brasil esforçam-se muito, mas não têm verba”, atira, enquanto se queixa da atual crise política: “Por causa dessa crise, muitas verbas foram cortadas, inclusive na cultura e no património. Então, não havia verba para manter aquele museu.”

Uma estrutura pouco amiga do estudante

Tanto a estrutura política como a qualidade do ensino superior no Brasil estão a afastar estes jovens do seu país. Natiele Christolofeti, 19 anos, veio morar para Portugal com o irmão, de 11. Entrou na UMinho no curso de Gestão; o irmão vai entrar no ensino básico.

Natiele queixa-se do ensino público no seu país, uma crítica também partilhada por mais estudantes. “O serviço público aqui é, no geral, mil anos luz à frente do Brasil, infelizmente”, confessa.

No Brasil, as universidades públicas são gratuitas, mas o acesso é muito limitado. Segundo dados do Ministério da Educação brasileiro, em 2017, as universidades públicas abriram cerca de 600 mil novas vagas. Candidataram-se quase oito milhões de alunos e apenas entraram 589 mil. Já as universidades privadas, disponibilizaram mais de sete milhões de vagas e nelas ingressaram mais de dois milhões de novos alunos.

É uma realidade bem diferente da portuguesa, já que 89% dos alunos que se candidataram na 1.ª fase do Concurso Nacional de Acesso arranjaram uma colocação. O reitor da UMinho, Rui Vieira de Castro, confirmou que, este ano, se juntaram 180 alunos aos que já se encontravam em Portugal.

A alternativa são as universidades privadas, mas, mesmo com uma maior facilidade de acesso, o peso na carteira e qualidade de ensino afastam os estudantes brasileiros do Ensino Superior. “As universidades pagas acabam por ter maior facilidade para entrar”, admite Natiele.

Assim, entre um ensino privado, no Brasil, e fazer a viagem e mudança para Portugal, muitos optam por emigrar para Portugal, onde, desde 2014, muitas universidades passaram a admitir o ENEM, o Exame Nacional do Ensino Médio, semelhante aos exames nacionais dos 11.º e 12.º anos portugueses.

Se for para gastar dinheiro, gaste-se em Portugal

Os estudantes brasileiros, não fazendo parte da União Europeia, ficam ao abrigo do EEI. Assim, como as universidades portuguesas não recebem financiamento público para utilizar na educação destes estudantes, vêm-se obrigadas a pedir propinas no valor total da educação para os seus cursos.

Em entrevista à Renascença, Joaquim Ramos de Carvalho, vice-reitor da UCoimbra, diz que o valor é justificável, pois “estes estudantes não podem utilizar o financiamento público para os seus estudos e, portanto, têm de pagar o custo total da sua formação”.

Em 2017, a Universidade de Coimbra teve uma receita com propinas de estudantes internacionais de cerca de 5,3 milhões de euros, valor que representou um crescimento de 86,3% relativamente a 2016, ano em que apenas receberam 2,8 milhões de euros. No total, as propinas de estudantes internacionais perfizeram cerca de 3,7% da receita total da UCoimbra (num total de 143 milhões de euros em 2017).

A tabela de preços varia muito de universidade para universidade. Natiele, na UMinho, vai pagar 4.500 euros no curso de Gestão - bem acima dos 1.037,20 euros que paga um estudante português na mesma instituição. Mas a aluna desvaloriza, porque vale a pena: “O custo-benefício é bem maior. No Brasil, se eu entrasse numa universidade privada, teria o mesmo custo ou, então, muito parecido.” Na UMinho, os custos em propinas podem ir até aos 6.500 euros, dependendo dos cursos.

Na Universidade de Lisboa, os valores são muito mais variáveis. Os custos para os estudantes ao abrigo do EEI podem ir dos três mil euros (se for, por exemplo, na Faculdade de Direito) até aos 12.500 (na Faculdade de Medicina Dentária e na Faculdade de Medicina Veterinária). Em Aveiro, pode-se pagar entre quatro mil e 5.500 euros.

Muitas universidades, ainda assim, cobram valores menores para estudantes que pertençam à Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). As universidades do Algarve, Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) e a Nova de Lisboa fazem descontos. A UPorto também pratica preços mais baixos dependendo das faculdades e do regime, parcial ou integral. Aqui, o preço mais baixo em regime integral para estudantes da CPLP é de 1.500 euros na Faculdade de Economia e o mais caro é de três mil euros.

Se para um estudante português estes preços pudessem ser razão para pensar duas vezes em ir para a universidade, para os brasileiros é motivação. Mariana Fernandes diz, alegremente, que “se comparar com o Brasil, se fosse para um mestrado, por exemplo, e se eu fosse morar para o Rio de Janeiro ou para São Paulo, seria praticamente o mesmo preço”. Leonardo Campete, um estudante de Ciências da Computação na UPorto, concorda e acrescenta que o ensino aqui “é muito mais barato do que o ensino particular no Brasil”, e a transição “vale a pena”.

Em Coimbra, a universidade não faz qualquer tipo de desconto para CPLP e o valor total é de sete mil euros para estudantes ao abrigo de EEI que frequentem uma licenciatura ou mestrado integrado.

Laura Beatrice tem 18 anos e chegou há três semanas a Coimbra para estudar Arquitetura. Diz que não pensou duas vezes em escolher a UCoimbra, muito pela tradição e pela cidade. Mas o valor da propina, para Laura, “fere o estatuto de igualdade firmado entre o Brasil e Portugal”.

No início do ano letivo, o reitor da UC, João Gabriel Silva, disse que “20% dos estudantes da Universidade de Coimbra são de origem internacional”, incluindo os alunos de mobilidade, como os Erasmus.

O vice-reitor considera que é fundamental que os estudantes internacionais “não tenham impacto no financiamento público disponível para os estudantes portugueses” e acrescenta que baixar o valor não está nos planos da UCoimbra, não só devido aos fundos do Estado para a UCoimbra, mas também porque “o estudante internacional gasta, por ano, entre 15 mil e 20 mil euros e reduzir mil euros na propina anual não é significativo na despesa global”.

De malas aviadas e sem bilhete de volta

A viagem de várias horas e várias centenas de euros entre Porto e Rio de Janeiro foi feita para ficar em Portugal. Para muitos brasileiros, a situação política, social e profissional no seu país é desmotivadora e o plano mais imediato é ficar por cá.

“Na minha opinião, o Brasil não melhora num cenário tão breve. É realmente triste dizer isto, mas imagino que, no meu tempo de vida, o Brasil não venha a ser um local bom”, lamenta Vítor Gomes. Ao seu lado, Mariana Fernandes baixa a cabeça e conclui: “Enquanto não houver investimento na educação, na segurança, na qualidade de vida a longo prazo, é muito complicado.”

Com a primeira volta das eleições presidenciais a 7 de outubro e um futuro incerto na presidência do Brasil, os emigrados em Portugal não vêm uma boa solução para qualquer um dos lados. Natiele junta-se às vozes de descontentamento e, em tom baixo, diz: "Não passa na minha cabeça voltar para o Brasil, só mesmo para visitar os familiares."

“Não estou com muitas esperanças que [o Brasil] mude em breve. Eu acho que vai demorar um pouco mais, é toda uma estrutura que precisa de ser mudada”, resume a estudante da UMinho.

Michel, outro novo aluno, segura um copo de cerveja, ao lado de Leonardo, e, tão cedo, não se imagina a voltar. “O Brasil é um país lindo, nós sempre torcemos pelo melhor. Eu espero que esteja melhor, mas, se não estiver, vou ter que optar pelas melhores oportunidades, onde o mundo me oferecer. E, neste momento, o Brasil não me oferece isso. Sinto dizer isso”, acaba por cofessar o estudante de Coritiba.

Uma rapariga que está com pressa, Marcela, também não vê um futuro político auspicioso para o Brasil. "Não tem perspetiva de futuro. A gente podia passar a faculdade lá e ia conseguir um trabalho, mas nunca ia ter uma perspetiva boa, de um futuro, porque é sempre muito incerto", diz a "caloira" de Línguas Aplicadas.

Concluiu e vai embora com uma frase pendurada no ar, como o futuro dos brasileiros. "Não sabemos o que vai acontecer". Esperam assim entre três a quatro anos nos seus cursos. Depois, logo se vê.