Paulo Portas tem muitas vidas. Inclusive dentro do CDS. São quase 16 anos de liderança do partido, que começaram em 1998 e só conheceram uma breve interrupção que foi a presidência de José Ribeiro e Castro depois das legislativas de 2005.
Antes de 1998, ainda houve o Portas jornalista e polémico, que fazia política no jornal “O Independente” e o Portas da intriga e da conjura na liderança de Manuel Monteiro. Mas, só no que diz respeito a estes anos de liderança, é possível identificar pelo menos três Portas, diferentes na forma, na pose e até no pensamento.
Portas I – O Paulinho das Feiras
Depois de conquistar a liderança do CDS, Paulo Portas teve de lutar contra a oposição interna e contra as sondagens que lhe davam pouco mais que nada. Logo em 1998, começou a calcorrear o país na campanha para o referendo à regionalização. Fez e desfez uma alternativa democrática com Marcelo Rebelo de Sousa e encontrou nas feiras o terreno que lhe permitiu mostrar que existia nas europeias e nas legislativas de 1999.
Num partido que não tinha estrutura consolidada no território, as campanhas de Portas serviam-se do roteiro e dos calendários das feiras e mercados para o colocar no meio do povo e a conquistar voto a voto, em nichos de eleitorado: como os agricultores e os pensionistas. E com um discurso ainda vagamente antieuropeísta e contra o rendimento mínimo. Negociou um Orçamento do Estado com António Guterres em função desses nichos, mas depois foi traído pelo seu deputado Daniel Campelo que cobrou menos por OE.
Foram tempos de um liderança truculenta e irrequieta, mas que também tentava chegar ao poder e mostrar o que conseguiria se lhe dessem mais poder. Na noite das autárquicas de 2001, com um resultado desastroso – ele que tinha feito campanha em Lisboa a dizer “Eu fico” – esteve à beira de se demitir. Mas a demissão de António Guterres salvou-o na última hora da noite e deu-lhe uma nova vida.
Portas II – O soldadinho
Tinha estado à beira do abismo na noite das autárquicas, mas passados quatro meses era ministro. E da Defesa. Foram os tempos da aliança com Durão Barroso, dois quase derrotados doutras batalhas que, finalmente, chegavam ao poder. Paulo Portas assumiu o papel de soldadinho bem comportado, inchado, solene, “grávido” de sentido de Estado.
Com o caso Moderna constantemente a morder-lhe os calcanhares, era um Portas que tinha perdido a graça, que facilmente se irritava com quem pusesse em causa o seu poder. A partida de Durão para Bruxelas obriga-o a fazer Governo com Santana Lopes e quatro meses foram suficientes para fazer cair o executivo e ruir a coligação. Vai a votos sozinho, em Fevereiro de 2005, e demite-se na noite da maioria absoluta de José Sócrates.
Portas III – O revogado irrevogável
Depois de um interregno de dois anos – em que o CDS foi liderado por Ribeiro e Castro, que, em pleno congresso, "roubou" a Telmo Correia a sucessão pré-definida – Paulo Portas volta à liderança de um partido que parecia órfão. E recomeça a reconquista de eleitorado e de caminho para voltar ao Governo.
Brilhante no Parlamento, Paulo Portas tornou-se no principal rosto da oposição do seu querido “arco da governabilidade” a José Sócrates. Enquanto o PSD ia queimando líderes – Marques Mendes, Luís Filipe Menezes, Manuela Ferreira Leite –, Portas ia fazendo o seu caminho, beneficiando até de o último desses líderes – Pedro Passos Coelho – também não ser deputado. E, quando chegou o momento de dar a estocada final a José Sócrates, também ele votou contra o PEC IV. E, quando foi preciso confortar a troika, o Portas que já tinha sido tão contra as imposições de Maastricht, aceitou o memorando de Bruxelas.
Em Junho de 2011 volta ao Governo, finalmente no cargo de ministros dos Negócios Estrangeiros, mas não é “número dois” e isso incomoda-o. Ainda mais quando o primeiro-ministro o deixa bem claro. Tenta ser o polícia bom da política de austeridade, mas Vítor Gaspar é quem manda. E quando o ministro das Finanças vai embora, Portas também vai embora porque não concorda com a escolha de Maria Luís Albuquerque.
A demissão “irrevogável” agitou o Verão de 2013 e foi revogada. Portas subiu a número dois, vice-primeiro-ministro que vendia o país por esse mundo fora e tornou-se mais serena e desapegada a sua relação com o poder. E Paulo e Maria Luís tornaram-se bons companheiros de Governo, tantas vezes sorridentes em cerimónias oficiais.
Conseguiu fazer parte de um Governo de coligação que chegou ao fim da legislatura, a coligação foi a votos como tal e venceu, mas perdeu a maioria e António Costa construiu a maioria que parecia impossível e que Paulo Portas marcou com o ferrete de “geringonça”.
Fechou-se o ciclo. Foi líder na oposição e no Governo, novamente na oposição e novamente no Governo. Foi líder de um partido de um homem só, mas deixa várias possibilidades de sucessores a si próprio: Assunção Cristas, Mota Soares, Nuno Melo.
Será difícil seja para quem for o seu sucessor, até porque Paulo Portas deixa pela segunda vez a liderança do CDS, mas não deixará a política. Só falta saber em que formato vai continuar.