Eleições autárquicas 2017:
“Pizarro na rua, Moreira na candidatura”. O canto improvisado de Zirinha e São anima a noite na Avenida dos Aliados. Em frente à sede de candidatura de Rui Moreira são elas o centro das atenções, no compasso de espera entre as projecções e o discurso do vencedor.
“As meninas têm que comer ovos, eu já sou velha”, atira Zirinha, dirigindo-se a jovens apoiantes de Rui Moreira, indignada por não cantarem tão alto como ela. “São intelectuais, não sabem cantar”, confidencia-nos.
Zirinha mora na Sé e foi funcionária do pai de Rui Moreira. “Era bom patrão, é como filho”, conta. E como é o filho? “Uma jóia de pessoa”, responde, enquanto nos mostra como veio “toda artilhada” para a noite eleitoral, com duas garrafas de água presas às calças. “Parece que estou nos comandos!”
Com o incentivo “das intelectuais”, Zirinha e São retomam os cânticos, mas não por muito tempo. “Já chega, senão depois não tenho voz para ele.”
A ansiedade da espera
Recuemos ao início da noite. Antes das primeiras projecções o ambiente é de muita ansiedade na Avenida dos Aliados. As duas sedes de candidatura estão separadas por poucos metros. Cá fora, apoiantes dos dois candidatos misturam-se com os turistas que passam e espreitam, estupefactos.
À frente da sede de Rui Moreira, um grupo de jovens ensaia o hino de campanha. A cantoria é interrompida por alguém que passa com um rádio. As vozes do outro lado da telefonia não enganam: está a ouvir o relato do Sporting-Porto na Renascença.
A noite está agradável e, tanto de um lado como de outro, prefere-se esperar na rua. Estar dentro das sedes torna o ambiente mais tenso. Nos Aliados, todos parecem saber que não há vitórias antecipadas.
Álvaro, apoiante de Manuel Pizarro, está ansioso e pergunta se já temos resultados. Ainda não, respondemos, as urnas ainda não fecharam nos Açores. “Parece que [a vitória] vai ser ali para baixo”, atira, referindo-se à sede de Rui Moreira. “Mas eles [Moreira e Pizarro] depois têm de se entender, têm essa responsabilidade”.
Uma avenida de contrastes
Oito da noite, as televisões transmitem as projecções. Primeiro, os resultados de Lisboa. “Mostrem o Porto”, pede-se na sede de Rui Moreira. Desejo cumprido, começa a festa. Todas as previsões dão a vitória a Rui Moreira. Há abraços e lágrimas. Os mesmos jovens que antes estavam na rua a cantar estão agora em frente à televisão aos saltos.
Entre eles estão José Costa e Tiago Barbosa, ambos com 20 anos e militantes da Juventude Popular. Acompanharam Rui Moreira durante a campanha e, por isso, dizem, não estão surpreendidos com o resultado. “Sentíamos a energia nas ruas”, conta José. “Com fé na maioria absoluta”, os dois amigos recusam colocar outro cenário. Mas Tiago acrescenta: “Rui Moreira tem uma grande capacidade para construir pontes e não muros”.
Ambiente bem diferente, um pouco mais acima na Avenida. Na sede de Manuel Pizarro instala-se um silêncio constrangedor, interrompido apenas pelos “cliques” das máquinas dos fotógrafos.
Aqui não se esconde algum desapontamento. “Esperava mais”, confessa Graça Vaz, sem tirar os olhos da televisão. E agora? “Agora estamos cá para fazer uma oposição responsável”, responde. “O povo é soberano”, sentencia, entre suspiros.
Por esta altura, na sede de Pizarro contam-se quase tantos jornalistas como apoiantes. Alguns saíram logo depois das projecções, outros chegarão apenas na hora do discurso do candidato.
Maria Celeste entra na sala e senta-se na primeira fila. “Estava por aqui e vim ver o que se passava”, conta. Na carteira traz um porta-chaves da campanha de Manuel Pizarro e uma confiança inabalável na vitória, contra todos os números.
“Ele ainda vai ganhar”, responde, convicta, a outro apoiante que nota que as projecções de votos para Rui Moreira já baixaram. “Não vai ganhar, mas o outro vai baixar ainda mais”, diz-lhe o vizinho.
Troca de galhardetes entre velhos amigos
Mas Pizarro não ganhou e, pouco depois das 21h30, Rui Moreira canta vitória.
“São, anda”, chama Zirinha, entrando na sede de campanha e furando tudo e todos até ficar na primeira fila. Novamente, são elas as vozes de comando aos cânticos de apoio a Rui Moreira. Na sala, misturam-se pessoas de todas as idades e classes sociais, novos e velhos, da Ribeira à Foz, mas quase todos acompanham Zirinha e São.
Carlos Campos assiste a tudo, encostado à porta, com a cadela Lili ao colo. Nasceu no Brasil, mas vive no Porto há nove anos. Conta que conhece pessoalmente Rui Moreira e Manuel Pizarro e “não esperava de tanta diferença” de votos entre os dois.
“Acho que é uma pena terem-se separado, todos os amigos comentam isso”, confidencia. “Acho que os dois ainda têm muito para dar à cidade. São duas pessoas sensatas e inteligentes.” E lamenta: “a política faz destas coisas”.
Opinião semelhante tem David Ribeiro. “A coligação com o PS foi boa, os vereadores do PS fizeram um excelente trabalho, simplesmente tiveram que obedecer ao Largo do Rato”, diz o candidato à Assembleia Municipal, que também marca presença na sede de campanha.
A verdade é que os primeiros dias de Maio, que levaram à ruptura do acordo de coligação entre Rui Moreira e o PS, não saem da memória de ninguém, nem dos candidatos. No discurso de vitória, Rui Moreira deixa duras críticas ao Partido Socialista.
"O apoio que nos oferecia tinha um preço que o nosso movimento independente não quis pagar. Depois tentou, através da participação de membros do Governo, nacionalizar a campanha e esse foi um preço que a cidade não quis pagar", afirmou Moreira.
Pouco depois, Manuel Pizarro devolve os “galhardetes”. “Não esquecemos o que aconteceu a 6 de Maio, quando alguém, que não fomos nós, rompeu um acordo que estava estabelecido”, disse perante algumas dezenas de apoiantes que esperaram pelo seu discurso. Alguns com as lágrimas nos olhos, revêem-se nas palavras de Pizarro quando afirma que “o PS travou esta batalha eleitoral em condições terríveis”.
As palavras dão lugar aos abraços. Pizarro não se poupa ao contacto com os apoiantes. O mesmo tinha acontecido quando entrou na sede de campanha, cumprimentando todos os que estavam à porta. Grita-se “Pizarro” e ele responde com “PS”. Após duas ou três tentativas lá consegue impor a sua vontade e pôr toda a sala a cantar pelo partido.
Situação semelhante tinha acontecido minutos antes, uns metros abaixo. Quando os apoiantes gritavam por “Moreira”, ele respondia com “Porto”. Até que todos gritaram pelo nome da cidade da mesma forma que os adeptos do FC Porto gritam pela equipa no Estádio do Dragão.
Bandeiras e telemóveis no ar, ouve-se o hino de campanha. É altura de fechar a noite. À saída da sede, alguém afirma, com tom de alívio: “está feito”.