André Costa Jorge, diretor do Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS) e coordenador da Plataforma de Apoio aos Refugiados (PAR), defende que o antigo avançado inglês Gary Lineker deu uma grande lição ao lembrar que “todos somos chamados a ser cidadãos conscientes e participativos e que não devemos deixar apenas para os políticos a tomada de decisão do que diz respeito a todos nós”.
Em declarações à Renascença, o dirigente da JRS entende que Lineker “colocou o dedo na ferida” ao criticar uma lei que, em seu entender, “viola gravemente o direito internacional”.
Gary Lineker chegou a ser afastado do programa “Match of the Day”da BBC depois de ter afirmado que as novas medidas para a política de migração “eram para lá de terríveis”. O antigo avançado equiparou-as mesmo “ao que era feito na Alemanha durante a década de 30”, aludindo ao regime Nazi.
André Costa Jorge considera “preocupante a reação exagerada” da BBC, que cancelou o comentário do antigo futebolista, e, ao mesmo tempo “surpreendente a onda de solidariedade que se gerou na defesa do antigo jogador que levou mesmo a BBC a rever a sua decisão de afastar o seu comentador”.
“A democracia nunca está assegurada, a democracia está sempre em construção e se nós queremos viver numa Europa livre e democrática temos que continuamente estar preocupados que o direito à livre expressão se efetiva e que não os interesses políticos por mais poderosos que sejam que devem calar a opinião e a liberdade das pessoas.”
O diretor da JRS até admite que a critica de Lineker possa ter sido “algo exagerada”, mas reconhece-lhe o mérito de “ter colocado o dedo na ferida”, pois estamos perante uma “proposta que “viola a convenção europeia dos direitos humanos”.
Costa Jorge afirma que “a lei afeta sobretudo pessoas oriundas de países como o Afeganistão, a Eritreia, a Síria e o Irão, onde a ausência de liberdade e o abuso de poder sobre os cidadãos destes países afetam gravemente a sua liberdade, e por isso viola o principio do Non-Refoulement, isto é, o princípio segundo o qual o afastamento das pessoas não pode ser efetuado para qualquer país onde o cidadão possa ser perseguido ou sofrer atos de tortura, como é o caso de deportar pessoas para o Ruanda, que é uma ideia inaceitável”.
“Migrar não é um crime”
Por outro lado, Costa Jorge afirma que “esta lei se dirige a pessoas migrantes e refugiados que na prática não têm acesso a vias legais e seguras para emigrar e obter proteção, e por isso é que recorrem às vias ilegais, e aos traficantes”. Recorrem a percursos de risco e por isso “acontecem as tragédias que temos visto” e depois, “ficamos todos muito escandalizados com a morte de pessoas e sobretudo de crianças no mar, mas ao mesmo tempo não existem as condições para as pessoas obterem de forma legal a proteção que precisam”.
Neste contexto, o coordenador da PAR diz que “os Estados, com esta postura, estão a tratar a migração e os migrantes como criminosos”, mas sublinha que “migrar não é um crime”.
“Migrar, mesmo de forma irregular, não é um crime, e as pessoas não podem ser tratadas como criminosas. Leis iníquas que, de alguma forma, criminalizam a mobilidade humana são um retrocesso civilizacional e num país como o Reino Unido, com um forte historial de migração e assistência humanitária, é de alguma forma contraditório que haja esta tendência para criminalizar as migrações."
O responsável lembra que "inclusivamente o primeiro-ministro inglês é, ele próprio, descendente de imigrantes, ele próprio é um migrante”. Por tudo isto, Costa Jorge tem a esperança de que “esta lei possa ser impedida de ser implementada pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos”.