Arrancou esta quarta-feira na capital portuguesa a Lisbon Addictions, uma espécie de Web Summit dedicada aos comportamentos de dependência e vício a nível europeu. A manhã começou bem cedo, com um painel em que foram abordados os desafios que o mundo enfrenta hoje em dia com o consumo de canábis.
Sabemos que, desde fevereiro, é legal utilizar substâncias à base da planta de canábis para fins medicinais em Portugal, mas o foco nesta conferência foi o de tentar perceber se as vantagens superam as desvantagens. E quais são, então, as preocupações dos especialistas neste momento?
Por exemplo, em alguns estados norte-americanos há profissionais de saúde que recomendam a utilização de canábis sobretudo em grávidas, para que relaxem e ultrapassem sintomas como náuseas. Porém, nem todos concordam com a abordagem.
Para Marilyn Huestis, investigadora norte-americana que preside ao Instituto da Toxicologia Huestis & Smith, são medidas “inaceitáveis”, enquadradas em “muita ignorância” também por parte dos enfermeiros e médicos, tendo em conta que o consumo de canábis vai ter repercussões no feto e na sua futura vida. Um dos desafios é então combater o consumo de canábis durante a gravidez e o período de amamentação.
Olhando para outros casos práticos, falou-se também nas dificuldades que existem no meio laboral. Consumir canábis pode ser benéfico em termos de concentração e produtividade, mas são raros aqueles que questionam o impacto que este comportamento pode ter no futuro. Até porque, quando trabalhamos sob efeito de canábis, são mais as zonas do nosso cérebro que são ativadas, traduzindo-se num enorme esforço cognitivo, muitas vezes desnecessário.
Por esse motivo, Huestis questiona se não deveria haver um controlo no mercado de trabalho para perceber quem consome canábis ou não, alertando que, por exemplo, no Canadá, onde o consumo de canábis é legal desde o ano passado, esta medida é “urgente”.
Foi ainda lançada uma pergunta: por que razão é que, quando paramos o carro ao fim de semana depois de uma noitada, a primeira pergunta por parte das autoridades é se o condutor bebeu – e não se consumiu drogas?
Assim sendo, esta especialista diz que um dos desafios do futuro é desenvolver uma espécie de “balão”, como acontece no controlo de alcoolemia, mas direcionado para o controlo de consumo de produtos à base de canábis – algo que já está a ser testado, ainda que os resultados sejam precoces para já.
Pokémon nos hospitais? Sim
Houve outra conferência que foi particularmente interessante e concorrida e em que se falou da forma como os videojogos podem ajudar a melhorar a saúde da população.
A especialista e enfermeira espanhola Anna Sort lembrou que os videojogos ajudam a combater o stress e que, nesse sentido, já colocou a hipótese de em Espanha, nos hospitais, jogar-se algo como o "Pokémon Go".
Muitos nos lembramos da febre deste jogo, que levou pessoas para a rua com o objetivo de apanharem pokemons. E esta especialista defende que jogos como este ajudam a criar “autonomia” e “sentido de pertença”. Foi também através de aplicações, diz, que fez com que alguns utentes “ficassem mais interessados em descobrir mais sobre as suas patologias”.
Além disso, ficou ainda um alerta quanto à questão dos videojogos: os pais não devem apenas condenar os filhos que passam muito tempo a jogar; devem, sim, lutar contra o isolamento e instalar, por exemplo, a consola que costuma estar no quarto… na sala – integrando assim a criança no meio familiar. Esta será também uma boa forma de os pais estarem atentos ao tempo que os filhos passam a jogar.
Já Heleen Riper, Professora de Saúde Mental no Departamento de Psicologia Clínica da Universidade VU de Amesterdão, defendeu também que devem existir mais aplicações móveis que sejam preventivas. Por exemplo: alguém que faz uma pausa no trabalho para ir fumar tem agora a possibilidade de ter uma aplicação que alerta, através de notificações, para o comportamento nocivo.
Até porque, diz, “os telemóveis, que nasceram como um simples meio de comunicação, tornaram-se num instrumento indispensável no tratamento das dependências, não apenas como uma ferramenta de intervenção num estado inicial da doença, mas também como instrumento de recolha de dados para apoio aos profissionais de saúde no reconhecimento de comportamentos aditivos”.
Além disso, frisou, as aplicações podem ter um papel “importantíssimo” para os médicos, tendo em conta, por exemplo, que num caso de depressão podem monitorizar o paciente de uma forma indireta e não presencialmente.
“Jogos de azar” têm cada vez mais adictos
Outra conferência abordou as novas drogas e o desafio que é lutar contra o aparecimento de novas substâncias psicoativas que entram no mercado.
Um país que serviu como bom exemplo foi a Noruega, onde há já 17 anos existe um sistema nacional de alerta que, através do cruzamento de dados de relatórios da polícia, de análises de sangue, das taxas de venda do álcool e de linhas de apoio, permite identificar padrões de consumo.
Uma conferência, já perto do final, debruçou-se sobre novos perfis clínicos que estão a ser detetados na Europa por dependência dos chamados “jogos de azar”, ou seja, jogos de apostas online – como é o caso das apostas desportivas.
O que está a acontecer em Portugal é o mesmo que acontece em países ocidentais que apresentam um aumento do número de jogadores tanto a nível "online" como "offline". Certo é que, em Portugal, 0,6% dos adultos já têm problemas de jogo e estão já identificados os dois tipos de jogadores.
O perfil do jogador "online" é do sexo masculino, com cerca de 30 anos, normalmente com formação superior nas áreas de engenharias e matemáticas, quase sempre com emprego e com problemas de stress e ansiedade.
Do lado oposto, temos o jogador offline, que já é mais velho, na casa dos 40, que tem menos habilitações literárias e maior dificuldade em pedir ajuda. É aqui que surge o maior desafio: como detetar casos nessas pessoas?
O psicólogo especializado em adição ao jogo e responsável pelo Instituto de Apoio ao Jogador, Pedro Hubert, considera que “os gabinetes de saúde pública devem fazer mais, sensibilizando a população para os comportamentos e os fatores de risco”.