Ex-conselheiro de segurança de Trump ​revela contactos com Rússia e implica genro de Trump
01-12-2017 - 22:41
 • José Alberto Lemos, em Nova Iorque

Aperta-se o cerco à Casa Branca. Michael Flynn, o general que foi conselheiro nacional de segurança durante três semanas, sabe de mais e pode comprometer o próprio presidente. Para já envolveu o genro de Trump, Jared Kushner.

No passado dia 14 de Fevereiro, Donald Trump reuniu na Casa Branca com o vice-presidente, com o ministro da Justiça e com o director do FBI. No final da reunião, Trump quis ficar a sós com o director do FBI e pressionou-o para deixar cair a investigação a Michael Flynn.

Flynn, que se tinha demitido das funções de conselheiro nacional de segurança na véspera, estava acusado pelo FBI de ter mentido sobre os contactos com o embaixador russo em Washington durante a fase de transição de poder entre a Administração Obama e a de Trump. A acusação fê-lo abandonar as funções que desempenhava na Casa Branca, mas desde essa altura até agora Flynn manteve a sua versão de que nada tinha feito de errado. Uma versão que durou dez meses.

O ex-conselheiro nacional de segurança admitiu agora ao investigador especial sobre o caso Trump/Rússia, que tinha, de facto, mentido ao FBI e dispôs-se a colaborar com a equipa liderada por Robert Mueller. Uma cooperação feita ao abrigo de uma disposição legal que permite a um arguido colaborar com a justiça, confessando o seu crime a troco de uma redução significativa da pena ou mesmo da absolvição. Algo bastante frequente no sistema judicial americano.

O facto de Flynn ter feito um acordo com o investigador especial justifica "a posteriori" a preocupação de Trump exprimida em Fevereiro. É que Flynn esteve sempre no pequeno círculo de decisões da equipa de Trump e sabe mais do que o Presidente gostaria hoje que ele soubesse. Muito mais.

Flynn admite mentiras

Para já admitiu que mentiu ao FBI sobre os contactos que teve, em Dezembro de 2016, com o embaixador russo em Washington, Sergei Kislyak. Durante esse período de transição, Flynn falou com o diplomata russo sobre dois assuntos delicados.

A 22 de Dezembro, pediu-lhe que a Rússia votasse contra uma resolução no Conselho de Segurança da ONU a condenar a expansão dos colonatos de Israel, que a administração Obama se preparava para aprovar. Flynn antecipava aqui a vontade de Trump em ter uma política mais favorável a Israel quando chegasse à Casa Branca.

A 29 de Dezembro, pediu-lhe que a Rússia não retaliasse às sanções aplicadas por Obama justamente por causa da interferência de Moscovo na campanha. Obama expulsara 35 funcionários e fechara instalações utilizadas por russos próximo de Washington. Flynn antecipava aqui a vontade de Trump em ter uma relação melhor com Moscovo quando chegasse à Casa Branca. O pedido parece ter resultado porque o embaixador russo comunicou pouco depois que o Kremlin tinha decidido não responder às sanções de Obama.

Ao mentir ao FBI sobre o conteúdo destes contactos, Flynn ficou numa posição vulnerável, porque as suas conversas com o diplomata tinham sido ouvidas pelo FBI, que recorrentemente fazia escutas ao embaixador de Moscovo. O investigador especial acusou-o de ter feito “declarações falsas e fraudulentas” de forma “consciente e intencional”, o que o expunha a uma pena que pode atingir os cinco anos de cadeia.

Por isso, Flynn preferiu declarar-se esta sexta-feira num tribunal de Washington culpado de um crime federal — mentir ao FBI — e garantir a sua cooperação com as autoridades para que a investigação sobre a eventual conspiração entre a campanha de Trump e a Rússia vá até às últimas consequências.

E quais podem ser essas consequências? As mais preocupantes para a administração Trump, porque Flynn esteve em quase todas as decisões importantes tomadas pela liderança da campanha, da equipa de transição e mesmo da administração nas primeiras semanas de Casa Branca. Uma equipa que incluía o vice-presidente Mike Pence, o então senador Jeff Sessions, o genro e conselheiro Jared Kushner, o estratega Steve Bannon, além do próprio presidente. Ele integrava o núcleo duro de Trump.

Como habitualmente, a Casa Branca começou por desvalorizar o assunto. Uma primeira reacção, assinada por um advogado da presidência, Ty Cobb, diz que as declarações de Flynn só o comprometem a ele. “Nada nesta admissão de culpa e acusação implica alguém que não o sr. Flynn”, afirma, para concluir que este desenvolvimento mostra que o investigador especial está a abrir caminho para uma “conclusão rápida e razoável”.

Família de Trump em xeque?

É uma reacção que toma os desejos pela realidade. Nenhuma das suas afirmações é verdadeira. Primeiro, a investigação não está a caminho de uma conclusão rápida, havendo ainda muito para aprofundar e muita gente para interrogar. Segundo, Flynn terá já implicado no caso dos contactos com o embaixador russo o genro de Trump, Jared Kushner. Isto porque ele declarou ao juiz que pediu instruções antes de falar com o diplomata e comunicou o resultado dos contactos a um “alto membro” da equipa de transição de Trump. E esse membro é Jared Kushner, segundo os media americanos.

O genro do presidente, casado com a sua filha Ivanka, que também desempenha funções na Casa Branca, tem a seu cargo várias pastas — desde o conflito israelo-palestiniano até à inovação tecnológica, passando pela reestruturação da Casa Branca — o que parece um excesso de responsabilidades para alguém com apenas 36 anos e sem qualquer experiência política. Mas sobretudo Jared Kushner tornou-se o mais próximo conselheiro do presidente, certamente porque Trump confia mais em qualquer membro da família do que em “estranhos”.

A sua implicação neste caso pode, por isso, ter um impacto muito maior do que qualquer outro na Casa Branca. A estratégia de Trump em relação a qualquer elemento comprometedor que surgiu no caso da Rússia tem sido a de desvalorizar o assunto, desvalorizando o(s) seu(s) protagonista(s). Assim fez com três antigos colaboradores da campanha quando eles foram incriminados recentemente e assim parece querer fazer com Michael Flynn, ao dizer que as suas afirmações só o implicam a ele.

Mas, se neste caso a alegação tem pouca credibilidade porque estamos perante não apenas um colaborador da campanha eleitoral mas alguém que pertenceu à própria administração, no caso de Kushner o argumento é inviável. E não apenas porque Kushner é seu genro, mas porque participou em todas as decisões importantes da campanha e foi ele que deu indicações a Flynn para falar com o embaixador russo.

Aliás, há pouco mais de uma semana, Kushner foi interrogado pela equipa de Mueller, o que demonstra que ele está também no centro desta investigação. E é sabido que participou também na reunião que, no verão do ano passado, o filho mais velho de Trump teve com uma advogada ligada ao Kremlin que supostamente teria informações muito comprometedoras para Hillary Clinton.

As suspeitas de que houve conspiração entre a campanha de Trump e a Rússia avolumam-se à medida que as investigações de Robert Mueller avançam. E aperta-se o cerco à Casa Branca, onde já nem a família de Trump parece escapar.