A escolha de Maria Clara Figueiredo para secretária de Estado Adjunta e da Justiça contraria o programa eleitoral da própria Aliança Democrática (AD) em matéria de incompatibilidades.
O programa eleitoral da AD diz textualmente, na página 70, que o Governo pretende “criar incompatibilidade para cargo público por exercício de prévias funções como magistrados judiciais e do Ministério Público nos três anos anteriores”.
A Renascença foi verificar há quanto tempo Maria Clara Figueiredo cessou funções e encontramos um acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de que foi relatora em finais de 2023.
Na página oficial do Governo lê-se que Maria Clara Figueiredo "foi juíza desembargadora no Tribunal da Relação". A Renascença apurou que exerceu em Évora e, também, funções como magistrada judicial.
Questionada pela Renascença, fonte do Governo garante que “não há nenhuma incompatibilidade na nomeação da secretária de Estado Adjunta e da Justiça com o programa eleitoral da AD".
"Ele distingue muito bem funções políticas de funções públicas. E só refere inibição para o magistrado quanto a cargos públicos e não políticos”, argumenta o executivo.
Governo dá “tiro no pé”
Em declarações à Renascença, o vice-presidente da Frente Cívica, João Paulo Batalha, sublinha que a nomeação agora para o Governo não é ilegal, porque a medida prevista no programa eleitoral ainda não foi tomada, mas é um “tiro no pé”.
Como é que olha para esta aparente contradição entre o programa da AD e a nomeação da secretária de Estado Adjunta e da Justiça? É certo que a medida ainda não foi tomada, mas havia um compromisso eleitoral.
Não há nenhuma ilegalidade, precisamente porque o compromisso eleitoral da AD, que era criar essa ilegalidade, ainda não foi cumprido. E não só ainda não foi cumprido, como já está a ser violado e, portanto, este é um compromisso eleitoral que não resiste sequer à tomada de posse do próprio Governo.
No plano ético é questionável? O programa eleitoral da AD previa esta regra, mas logo que toma posse a regra não é cumprida...
Claramente o Governo do PSD e CDS já está em discordância com o programa eleitoral do PSD/CDS. Há aqui um compromisso claro e indesmentível de criar uma incompatibilidade legal no exercício de cargos públicos por magistrados dos tribunais e do Ministério Público. E esse compromisso é bem-vindo porque nós temos assistido a muitos problemas de portas giratórias entre magistrados de carreira que exercem cargos públicos por nomeação governamental e depois voltam para a magistratura e, depois, voltam a exercer cargos públicos.
É o caso também da ministra Margarida Blasco, que fez boa parte da sua carreira em cargos de nomeação política. Isto cria problemas, nem que seja só à imagem, mas às vezes mais do que à imagem. Cria conflitos de interesses destes magistrados do exercício das suas funções porque vão fazendo, quase, carreiras paralelas de proximidade com o poder político.
Esta incompatibilidade, com que se comprometeu a AD no programa eleitoral, era muito bem-vinda. O que não é tão bem-vindo é ver a AD, nas nomeações para o Governo que vai implementar este programa, estar já a violar este compromisso. É, seguramente, um tiro no pé e é uma oportunidade perdida.
Se essa medida for avante, fica em causa o nome desta secretária de Estado?
Lá está, se esta medida for avante, evidentemente irão dizer – como é da boa técnica de legislação e aplicação de leis - que só se aplica para futuro. Mas é evidente que qualquer membro do Governo que estiver em funções com uma lei destas que, entretanto, entra em vigor tem autoridade diminuída.
Eu diria até que qualquer membro do governo nomeado em violação deste compromisso eleitoral também tem a sua autoridade política diminuída, porque a Secretária de Estado que vai tomar posse hoje corresponde a uma contradição flagrante com o programa eleitoral. E, portanto, há aqui um embaraço que mostra como muitas destas bondosas promessas eleitorais têm vida, infelizmente muito curta.
[notícia atualizada às 19h46 - com resposta do Governo]