A Deloitte acabou de publicar o Corruption and Fraud Survey 2023 que dá a visão dos líderes empresariais portugueses sobre a ocorrência e causas dos fenómenos de fraude e corrupção, no contexto empresarial, e esclarece os mecanismos que estão a ser adotados para mitigar estes riscos. Foram sondadas 137 grandes empresas e PMEs, abrangendo os setores industrial, financeiro, dos bem de consumo, tecnológico e outros.
Os resultados indicam que mais de metade dos inquiridos considera ter havido um aumento ligeiro ou significativo dos casos de fraude, durante o último ano. Só 9% refere que o número de casos diminuiu. Apesar do reconhecimento de que o fenómeno aumentou, apenas 23% dos inquiridos afirma que a sua empresa experimentou algum tipo de fraude ou conduta imprópria, nos últimos dois anos. As ocorrências mais frequentes são os crimes cibernéticos e fraudes tecnológicas (35%), os desvios de fundos e a apropriação indevida de ativos (17%) e o crime financeiro (14%).
Os dados obtidos também permitem caracterizar a perceção dos responsáveis empresariais sobre os riscos de fraude e infrações conexas, que as empresas enfrentam. Os principais são os conflitos de interesses não manifestados (63%), os recebimentos ou ofertas indevidos de vantagens (45%), o abuso de poder (23%), o tráfico de influências (23%), os pagamentos para facilitação de processos (20%), e a lavagem de dinheiro e branqueamento de capitais (12%).
Na perceção dos inquiridos, as principais causas da ocorrência de fraudes nas empresas portuguesas são a ineficiência dos sistemas de controlo (46%), a falta de valores éticos (32%) e a pressão para a obtenção de resultados (11%). Quase metade das empresas identificam os mecanismos de controlo e a escassez de recursos como os principais riscos na mitigação da ocorrência de fraudes.
A perceção de que a fraude e a corrupção têm aumentado nas empresas portuguesas, apesar do investimento que muitas estão a fazer na aplicação do Regime Geral de Prevenção da Corrupção, pode significar que há mais casos, mas também pode querer dizer que se está mais atento à sua ocorrência e à necessidade de os controlar. De qualquer modo, 16% dos inquiridos afirma ter perdido receita nos últimos dois anos em resultado de eventos de fraude e corrupção. Note-se, contudo, que os prejuízos da corrupção no meio empresarial vão muito além do plano financeiro. A corrupção destrói as regras de mercado e da sã concorrência, quebra a confiança nas relações negociais com os parceiros, condiciona as decisões de investimento, arruína a reputação das empresas e as carreiras dos profissionais e, em muitos casos, leva à destruição do negócio.
O quadro traçado pelo estudo da Deloitte não pode ser isolado da situação geral do país. Dos casos que têm vindo a público nos últimos anos e da crise política atual. Os riscos de corrupção que existem nas empresas privadas são os mesmos que ocorrem na gestão pública e que agora estão sob investigação da justiça: os conflitos de interesses, o tráfico de influências, o compadrio, o recebimento indevido de vantagens e o abuso de poder. Só que, na esfera política, o seu impacto atinge a credibilidade das instituições, a legitimidade moral dos líderes, as bases da democracia representativa e o próprio estado de direito. Os indícios de corrupção, o uso da mentira, a manipulação da comunicação e, sobretudo, os conflitos institucionais a que estamos a assistir, mesmo antes de a ajustiça se pronunciar sobre os eventuais responsáveis, são um tapete vermelho para o radicalismo e uma via rápida para a polarização social.
O poder destrutivo da corrupção na esfera política agrava-se ainda com sucessão de atitudes e declarações dos atores políticos, na sequência da intervenção da justiça. É o que está a suceder com as críticas de vários responsáveis à investigação judicial que levou à demissão do governo. As críticas estão a vir de governantes e deputados, uns no ativo, outros que já desempenharam funções oficiais, que tiveram nas mãos o poder de alterar o quadro legal de que se queixam, nada tendo feito. Só agora despertaram para problemas que afetam há muito a generalidade dos cidadãos. Sabe-se que a justiça necessita de reformas e de meios que reduzam a sua morosidade, criem mecanismos que aumentem a transparência, que finalmente se resolva a questão do segredo de justiça, que se reveja o garantismo que leva os processos à prescrição, mas nunca se conseguiu o consenso político necessário.
Os responsáveis que hoje contestam as disfunções da justiça estão no papel paradoxal de vítimas e de responsáveis. Só têm que se queixar de si mesmos. Entretanto, os problemas que não souberam ou não quiseram resolver são trazidos pelos próprios à praça pública, favorecendo o descrédito da função judicial e lançando a suspeição sobre a separação de poderes. São, por isso, duplamente responsáveis: pelas reformas que não fizeram e pelo alarme público que provocam. As suas intervenções estão também a contribuir para a perceção negativa das instituições, da atividade política e da democracia representativa. É mais uma prova de que a corrupção, ou a simples suspeita, tendem a desencadear sequências de reações incontroláveis que ainda contribuem mais para minar a confiança social e o prestígio das lideranças.
Segundo o estudo da Deloitte mais de 90% das empresas que responderam estão a promover uma abordagem de tolerância zero à corrupção. Estão a investir em mecanismos de big data e em ferramentas de inteligência artificial generativa para identificar padrões e comportamentos suspeitos, e simular cenários hipotéticos. Muitas estão a reforçar a formação, a liderança pelo exemplo, a recorrer a auditorias internas e externas, e a avaliar periodicamente os riscos de corrupção, designadamente a existência de conflitos de interesses. Outras estão a implementar as normas ISSO 37001:2016 e 37002:20021, para garantir que têm práticas éticas nos negócios.
É o momento de os partidos políticos e dos órgãos do estado seguirem o exemplo do esforço que está a ser feito no setor privado. As eleições que vão ocorrer em março devem ser uma oportunidade para se dar um passo no sentido de promover uma cultura de transparência e integridade, na atividade política e na administração pública. É da maior importância que todos os partidos políticos que se candidatarem nas próximas eleições incluam nos seus programas propostas de planos de combate à corrupção, e de promoção da transparência e integridade, no exercício de funções públicas. Não se trata de fazer da corrupção o tema da campanha nem de encontrar soluções no calor dos acontecimentos. É aproveitar a oportunidade para se comparar propostas e vincular o futuro governo a compromissos de ação que ficarão sob o escrutínio da opinião pública. Quem receia aceitar o desafio?
Luís Caeiro, professor na Católica Lisbon School of Business & Economics
Este espaço de opinião é uma colaboração entre a Renascença e a Católica Lisbon School of Business and Economics