​O poder de Trump
18-11-2016 - 06:53

Uma característica importante do sistema político americano é a separação de poderes.

Tanto a imprensa americana como a imprensa portuguesa deram eco à surpresa da eleição de Trump, bem como a ameaça que isso representa.

Têm razão, mas nem sempre pelos motivos certos. A ideia de que "Trump utilizará o seu poder para destruir a sociedade americana" é no mínimo exagerada. Mesmo que o quisesse, não teria poder para o fazer.

Uma característica importante do sistema político americano é a separação de poderes. Em muitos países, incluindo Portugal, a separação de poderes existe em teoria, mas na prática é frequentemente ténue. Por exemplo, durante os governos de José Sócrates, entre disciplina parlamentar e um certo controle dos reguladores e grandes empresas, vivemos o regime mais próximo do "Rei Sol" desde Salazar.

Nos Estados Unidos, a separação entre poderes é mais séria e sólida. Mesmo com o Congresso dominado pelo Partido Republicano, Trump está longe do "cheque em branco" que um partido maioritário teria em Portugal. Há muitos Representantes e Senadores republicanos que não partilham a visão e plataforma Trumpistas (se é que a palavra existe).

Para conseguir passar novas leis, o novo presidente precisa de um apoio de que não dispõe automaticamente, pelo que terá de negociar e procurar soluções de compromisso.

Quanto ao poder judicial, é verdade que os juízes dos tribunais mais importantes, incluindo o Supremo Tribunal, são nomeados pelo presidente. No entanto, as nomeações são revistas pelo Senado. Mais uma vez, estamos muito longe de um "cheque em branco". (Por outro lado, duvido que Trump venha a nomear mais do que 1 ou 2 novos juízes.)

O que me preocupa mais não é o poder formal do presidente-eleito. O que me preocupa mais é o ambiente de atitudes racistas que a campanha e a figura de Trump alimentam. Penso concretamente nos mais novos, começando com as crianças que, pela sua idade e inexperiência, são facilmente influenciáveis. Não acredito que Trump seja racista, mas creio que a sua campanha — e, de forma mais geral, a sua atitude — contribuem para a impressão de que a supremacia da raça branca é condição necessária para o "Make America Great Again".

Nos últimos dias registou-se um número invulgarmente elevado de queixas de ataque (verbal ou físico) baseados em atitudes racistas (o maior número desde o 11 de Setembro). É possível que isto seja um fenómeno de "over-reporting" (o número de casos é o mesmo que era antes, mas o número de queixas aumentou). Também é possível que isto seja somente um fenómeno passageiro.

É possível que seja um falso alarme — mas é algo que me preocupa.