Morosidade, justiça para pobres e para ricos e falta de meios são os principais problemas do setor, apontados por todos os candidatos. Alinhados estiveram também nas críticas ao Presidente Marcelo que, em 2016, anunciou um pacto para a Justiça... que pouco foi implementado.
“Realmente, o pacto foi muito pouco aplicado”, reconhece o candidato a segundo mandato, face às críticas dos adversários. “Conseguiu ter o apoio de todos os parceiros judiciais, o que é muito difícil, mas depois os parceiros políticos não aplicaram muito esse pacto, naquilo que era mais fácil aplicar”.
Considerando que “houve melhoria do estatuto das magistraturas”, Marcelo concorda com os outros candidatos ao reconhecer que “não houve a melhoria do estatuto de outros protagonistas da justiça, funcionários judiciais, solicitadores, advogados com situação mais precária, a lentidão continua a ser um problema”.
O candidato mostrou-se depois defensor de “uma questão ultraminoritária: que é constitucional a criminalização do enriquecimento ilícito em determinados termos”.
“Há quem tenha já explicado que isso é constitucional, mas não é pacífico”.
Delação premiada
A maioria dos candidatos presentes no debate mostrou-se contra a figura da delação premiada. Foi João Ferreira, apoiado pelo PCP, que primeiro abordou o assunto.
"Vemos afirmarem-se conceções, do meu ponto de vista populistas, de matizes diversas” como as “que tendem a trazer para o ordenamento político-constitucional português instrumentos que lhe são estranhos. Vejo com preocupação alguém a defender a introdução da delação premiada no nosso sistema constitucional”, afirmou.
“Acho que isso não ajuda; acho que, ao contrário da ideia de certa forma algo demagógica e populista que se possa ter que serve para prender criminosos, serve mais para livrar e absolver criminosos do que propriamente para prender – desse ponto de vista temos experiências altamente preocupantes nos países onde há recurso a este instrumento”, continuou João Ferreira, considerando que “o nosso direito já tem mecanismos de direito premiário que são adequados”.
O candidato sublinhou depois que estas propostas “perigosas e que alimentam um populismo que não nos convém nesta altura não vieram da extrema-direita”.
Logo a seguir Ana Gomes e Marisa Matias assumiram-se contra a mesma ideia, com Ana Gomes a sublinhar que defende “que haja colaboração com controlo judicial, como está a haver entre Rui Pinto e as autoridades judiciais portuguesas”.
Ana Gomes chamou então Marisa Matias para “o seu barco”, dizendo que ambas concordam com o papel dos denunciantes.
“Conheces bem, Marisa, o papel ao nível europeu dos denunciantes no combate à criminalidade económica e financeira e designadamente aos esquemas de desvio de recursos dos Estados para os offshores”, afirmou, para concluir dizendo “são diferentes casos e situações”.
Marcelo Rebelo de Sousa também se manifestou contra a delação premiada. “Aí acompanho o que foi dito por todos”.
Corrupção
Ana Gomes introduziu o tema, que lhe é caro. “A questão da corrupção precisa de justiça. Tem de haver justiça exemplar para combater a corrupção. Além do que precisamos, a montante, que é transparência, prestação de contas pela governação e isso vai ser mais importante do que nunca, por exemplo, para a aplicação dos novos fundos europeus quando vierem”, afirmou.
“São mil milhões de euros por ano que as organizações internacionais, incluindo a OCDE, estimam que sejam desviados do erário público português para offshores, produto da corrupção, do roubo ao Estado, dos esquemas de privatização que desviam lucros que deviam ser do Estado para os privados”, apontou a candidata.
Marcelo Rebelo de Sousa concorda que as offshores é “um problema de fundo”, mas considera que o Governo, “e a maioria que o apoio na primeira legislatura”, tem estado empenhado em combatê-lo.
“Felizmente, tem havido, ao nível europeu com projeção interna em vária legislação, um aperto da malha e isso tem sido positivo”, afirmou.
“Mas depois há situações periódicas de apelo a que entidades em setores chave da economia portuguesa sejam objeto de transferência – não é para privados, é para privados através de fórmulas que não servem necessariamente a economia nacional em termos de transparência”, acrescentou, apontando casos como o da Caixa Geral de Depósitos (“uma batalha que foi ganha e importante para o país”), da TAP e da Galp, onde “o Estado ainda tem posição acionista”.
Tiago Mayan Gonçalves foi mais contundente e apontou as áreas em que o Presidente da República poderia ter intervindo para combater a corrupção e, na opinião do candidato apoiado pela Iniciativa Liberal, não o fez.
“Desde logo, a nomeação da procuradora-geral da República. Já ouvi várias versões sobre porque é que não nomeou Joana Marques Vidal, mas a verdade é que Joana Marques Vidal estava disponível para ser reconduzida, a lei não o impede e todos os agentes da justiça, o próprio Presidente e o próprio Governo, reconheciam a valia e a importância do trabalho de Joana Marques Vidal”, começou por dizer.
“Resultado: Joana Marques Vidal não foi reconduzida e, em fevereiro – e agora foi tentado outra vez – vemos uma diretiva da atual procuradora-geral determinando que as hierarquias, e até a senhora procuradora-geral, poderá impor ou proibir atos de investigação em inquéritos em curso. Esta diretiva, já ouvimos Joana Marques Vidal falar sobre ela, é absolutamente ilegal”, aponta.
Seguiu-se o caso do procurador europeu. “É muito relevante, porque é este órgão que, em primeira linha, investigará casos de corrupção ou desvio de fundos europeus. Em primeira linha. E o que vimos foi a candidata escolhida ser preterida em função da escolha do Governo e da senhora ministra da Justiça”.
“E ainda temos a ministra da Justiça como ministra e ainda temos esse procurador europeu como procurador europeu”, criticou.
Mayan Gonçalves aponta depois “as alterações à lei de contratação pública”, que “deveriam ter sido vetadas pelo senhor Presidente e não o foram” e que representam “um campo aberto para a corrupção”.
E, por fim, “as alterações às eleições das CCDR, aquele simulacro de democracia que se fez em que basicamente o grande centrão de interesses, PS e PSD, escolheram os presidentes”
“Porque é isto relevante neste contexto? Porque são estas entidades as que mais responsabilidades terão na gestão dos fundos europeus”, adiantou, concluindo que são “vários exemplos muito concretos” de matérias em que “estaria nas mãos do senhor Presidente intervir e em que não interveio”.
Quatro principais problemas
Difícil acesso de todos à justiça, situação profissional precária de muitos dos que trabalham no setor, falta de meios e morosidade foram os principais problemas apontados à Justiça em Portugal pelos candidatos presentes no debate (apenas André Ventura esteve ausente, alegando motivos de agenda).
João Ferreira foi o primeiro a elencar as dificuldades, começando pelo acesso à justiça. “A Constituição garante que todos os cidadãos devem poder aceder aos tribunais para defender os direitos que a Constituição lhes consagra”, mas “há um enorme número de portugueses que hoje não tem acesso à justiça, seja porque esta é cara, seja porque os meios de patrocínio judiciário que a Constituição define não funcionam, não respondem eficazmente, como deviam”.
Daqui surge “esta ideia que hoje prevalece – e que não é só uma ideia, é uma realidade – de que há uma justiça para pobres e para ricos”, defendeu.
O segundo problema apontado é a “valorização de quem trabalha na justiça. Não há uma valorização da justiça senão valorizarmos quem trabalha na justiça, os vários corpos”, afirmou o candidato apoiado pelo PCP, exemplificando depois com “a situação dos jovens advogados, altamente precários, com problemas de autonomia no desempenho das suas funções e sem proteção social adequada”.
João Ferreira voltou ao pacto da justiça “promovido pelo Presidente da República” para considerar que, em termos de “autonomia do poder judicial, há aspetos que acho problemáticos”.
O terceiro problema enumerado foi a falta de meios, “sobretudo no combate ao crime económico, que é altamente sofisticado e que carece de meios também sofisticados”.
Na opinião do candidato, “estamos muito longe da resposta necessária” para o “combate ao crime económico e à corrupção”.
A estes três problemas, Marisa Matias juntou mais um: a morosidade, algo que “mina a confiança que se tem no sistema”.
“As pessoas perceberem que, sobretudo em relação ao grande crime, a justiça não se decide”, defendeu.
Ana Gomes alinha na crítica. “O que veem no acesso à justiça são os ricos a manipularem a justiça, fazerem com que haja megaprocessos e outros esquemas para trabalhar para a prescrição dos crimes, isto é, para nunca serem julgados”.
E a cobrança de dívidas?
A questão é introduzida por Tiago Mayan Gonçalves que, várias vezes durante o debate, acusou os adversários de não se focarem no essencial.
“Naturalmente que as questões de justiça e política criminal são relevantes, mas o grande problema da justiça em Portugal é a justiça civil, o absoluto bloqueio na cobrança de dívidas, nas questões de incumprimento contratual”, aponta o candidato apoiado pela Iniciativa Liberal, considerando este “um dos grandes fatores para não haver investimento” no país.
“As empresas e os cidadãos estão bloqueados é pela jurisdição civil, não é pelos processos criminais”, sublinha.
Tiago Mayan volta ao pacto de justiça de 2016 para dizer que “o grande objetivo era esse desbloqueio, que nunca aconteceu”.
O candidato avança depois para a jurisdição administrativa e fiscal, onde é logo interrompido por Marcelo Rebelo de Sousa para afirmar sem reservas: “esse é que é o problema”.
“Mais do que a justiça civil, é realmente a administrativa e fiscal. Para os privados investirem, esse é um problema complicado. E para as pessoas no dia-a-dia”, concorda o atual Presidente e candidato a novo mandato.
“Quando falamos de jurisdição administrativa e fiscal estamos a falar de impostos”, reforça Tiago Mayan Gonçalves. “De um Estado que se arroga de cobrar milhares de euros quando um cidadão se atrasa um dia e que é o mesmo Estado que, depois, não paga a fornecedores a tempo e horas. E é por isso que estes assuntos se ligam”, conclui.
Vitorino Silva: ficção e realidade
“A Justiça pode ser cega, mas o povo não é cego”, afirmou o candidato Vitorino Silva quando lhe foi pedido para se pronunciar sobre o tema.
“O povo sabe o que é a ficção e o que é a realidade, o problema é que às vezes os problemas da justiça confundem a ficção com a realidade, sabendo o que é a ficção e o que é a realidade”, rematou.
Mas, antes, Vitorino Silva fez questão de elogiar as jornalistas que conduziram o debate: Eunice Lourenço (Renascença), Judith Menezes e Sousa (TSF) e Natália Carvalho (Antena 1).
“Antes que me esqueça, temos aqui três vozes femininas. As sociedades mais organizadas são femininas: as abelhas e as formigas. E fiquei aqui muito contente por ver aqui três mulheres, três vozes da rádio neste debate”, afirmou o candidato também conhecido como Tino de Rans.