Soube-se, há dias, que seis jornalistas portugueses se demitiram da televisão de Macau (TDM). A direção da TDM dera novas instruções aos seus jornalistas, entre as quais a proibição de fazer notícias contra o governo de Pequim e o governo de Macau (de facto controlado por Pequim). Vai repetir-se em Macau o que está a acontecer em Hong Kong, apesar de os acordos de transferência para a China da soberania sobre ambos os territórios, Hong Kong e Macau, preverem um período de cinquenta anos, até 2047 e 2049 respetivamente, durante o qual iria vigorar que o princípio “um país, dois sistemas”? Ora esse princípio foi claramente ultrapassado unilateralmente em Hong Kong e, como seria de prever, nunca vigorou a sério em Macau.
O grande problema será quando Pequim decidir absorver Taiwan, que considera território chinês, mas onde vigora uma autêntica democracia. Têm-se multiplicado recentemente as provocações chinesas sobre Taiwan, cuja democracia é defendida pelos EUA. Por isso não é de excluir um futuro e perigosíssimo conflito militar entre a China e os EUA por causa desta ilha de 24 milhões de habitantes que rejeitam o regime totalitário de Pequim.
Entretanto, convém perceber por que motivo Macau é tão diferente de Hong Kong na defesa da democracia e na exigência do cumprimento dos acordos de transferência de soberania. Hong Kong era uma colónia britânica, adquirida em 1842 pela vitória militar do Reino Unido sobre a China, na chamada guerra do ópio”, que foi uma humilhação para os chineses.
Ao longo de décadas o sistema político democrático vigente no Reino Unido foi-se instalando em Hong Kong, que também se tornou um dos mais importantes centros financeiros do mundo. Compreende-se que, quando Pequim começou unilateralmente a limitar as liberdades cívicas e políticas em Hong Kong, contrariando os compromissos assumidos no acordo de transferência de soberania assinado com Londres, a maioria da população daquele território tenha reagido com sucessivas manifestações, duramente reprimidas pelas autoridades locais, que obedecem a Pequim.
O último governador britânico de Hong Kong, Chris Patten, foi incansável na luta pela manutenção, pelo menos durante os previstos 50 anos, da democracia no território. E agora C. Patten acusa frontalmente Pequim de ter violado o acordo de transferência.
Macau começou por ser ocupada pacificamente por navegadores portugueses no séc. XVI, trazendo alguma prosperidade à região. Só em 1887 a China reconheceu formalmente a soberania portuguesa sobre Macau.
Mas Portugal era um colonizador pobre. E entre 1926 e 1974 nem sequer tinha um regime democrático que quisesse transmitir às colónias. Por outro lado, a civilização chinesa considera-se a si mesma superior; em boa parte por isso a cultura portuguesa deixou escassas marcas naquele território, a começar pela língua: o português sempre foi ali falado apenas por uma pequena minoria. Compare-se com Goa, por exemplo.
Do ponto de vista económico Macau vive quase só do jogo e dos casinos. No que tem sucesso – ultrapassou há anos Las Vegas - mas é curto.
Nunca Macau gozou de autonomia política comparável com a de Hong Kong, quando os dois territórios eram colónias. O governador português de Macau foi quase sempre uma figura meramente simbólica. Desde meados do século passado quem verdadeiramente mandava em Macau era o partido comunista chinês, através de uma importante figura do mundo dos negócios residente no território.
Seria, assim, irrealista esperar que significativos protestos e manifestações locais surgissem agora, quando a liberdade de expressão foi escandalosamente limitada em Macau. Quanto ao Governo português, também seria ilusório pensar que daí viria uma condenação violenta quanto ao que se passa em Macau. O Governo português quer evitar problemas com a China, até para preservar algumas interessantes ligações que algumas instituições portuguesas estabeleceram com chineses. Por isso o ministro português dos Negócios Estrangeiros limitou-se a afirmar que “Portugal espera e conta que a China cumpra a Lei Básica de Macau”. Pode o ministro esperar sentado.