O que (não) dizem os programas eleitorais sobre a eutanásia
20-01-2022 - 19:29
 • Ricardo Vieira

A última legislatura ficou marcada por duas tentativas falhadas do Parlamento para aprovar a despenalização da morte medicamente assistida. Dois maiores partidos não dizem o que vão fazer após as legislativas de 30 de janeiro em matéria de eutanásia.

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Os dois maiores partidos de Portugal, PS e PSD, não clarificam nos seus programas eleitorais o que vão fazer em matéria de eutanásia após as legislativas de 30 de janeiro. E no Debate da Rádio desta quinta-feira, que contou com os líderes dos partidos com assento parlamentar, à exceção de Rui Rio e André Ventura, mostraram-se contra a realização de um referendo.

A última legislatura ficou marcada por duas tentativas falhadas do Parlamento para aprovar a despenalização da morte medicamente assistida, que foram ou chumbadas pelo Tribunal Constitucional ou vetadas pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

O tema deverá regressar à agenda da “nova” Assembleia da República que sairá das eleições do final do mês, mas os dois principais partidos, PS e PSD, não falam de eutanásia nos seus programas eleitorais.

PCP, Iniciativa Liberal e Chega também não abordam o tema nos seus cadernos de encargos para a próxima legislatura.

Já Bloco de Esquerda, CDS-PP, PAN e Livre deixam claro o que defendem sobre a eutanásia.

PS e PSD querem reforçar cuidados em fim de vida

Nas duas votações da despenalização da eutanásia, em 2020 e 2021, os dois partidos deram liberdade de voto aos deputados e nos seus programas eleitorais não tomam posição sobre o tema, mas defendem o reforço dos cuidados em fim de vida.

Em matéria de cuidados paliativos, o PS compromete-se com três medidas para os próximos quatro anos de legislatura:

- Alargar as respostas de internamento em hospitais de agudos, quer para adultos quer para idade pediátrica.

- Aumentar o número de camas de cuidados paliativos de baixa complexidade, na Rede Nacional de Cuidados Paliativos, em todas as regiões;

- Constituir Equipas Comunitárias de Suporte em Cuidados Paliativos em todos os Agrupamentos de Centros de Saúde, reforçando os recursos humanos das já existentes, investindo na sua formação específica e valorização profissional.

No plano dos cuidados continuados, o programa eleitoral do Partido Socialista promete, sem quantificar uma meta, aumentar o número de camas da rede geral “para assegurar a cobertura integral do país”.

Garantir a oferta das primeiras Unidades de Dia e Promoção de Autonomia da rede, constituir Equipas de Cuidados Continuados Integrados em todos os Agrupamentos de Centros de Saúde são outros dos objetivos.

Ainda no campo dos cuidados continuados, o PS tenciona aumentar as respostas no âmbito da saúde mental, entre respostas residenciais e unidades sócio-ocupacionais, bem como constituir Equipas de Apoio Domiciliário de Saúde Mental.

O PSD também diz no seu programa eleitoral que pretende “reforçar a rede de unidades de cuidados continuados e de cuidados paliativos”.

Os sociais-democratas querem assegurar “um número de camas ao nível da média europeia, de forma a garantir os cuidados de saúde prolongados necessários a doentes crónicos ou em fim de vida”.

O objetivo da medida passa, também, por diminuir o número de internamentos sociais nos hospitais de doentes agudos.

CDS quer “impedir a legalização da eutanásia”

O partido liderado por Francisco Rodrigues dos Santos é o único a inscrever no programa eleitoral o objetivo de “impedir a legalização da eutanásia”.

Simultaneamente, o CDS defende uma rede de cuidados paliativos “devidamente financiada e dotada e com cobertura nacional”.

Outra bandeira dos centristas é o “Vale Cuidador”, uma comparticipação atribuída às famílias que optam por cuidar dos idosos em casa, no valor que o Estado suportaria com lares, centros de dia e instituições de cuidados à terceira idade.

BE, PAN e Livre dizem “sim” à eutanásia

O Bloco de Esquerda (BE), o PAN e o Livre vão na próxima legislatura voltar à carga em relação à despenalização da morte assistida.

No seu programa eleitoral, o BE acusa o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, de ter sido uma “força de bloqueio à decisão da maioria do Parlamento e da opinião da maioria da sociedade portuguesa”, ao vetar por duas vezes a lei da eutanásia.

“O Bloco de Esquerda não esmorecerá diante desta persistente oposição de Belém à adoção de uma lei de respeito por todas as pessoas e assume o compromisso de completar o processo legislativo até à aprovação definitiva da lei”, refere o documento.

Além da aprovação da eutanásia, o partido de Catarina Martins defende o reforço das redes de cuidados continuados e de cuidados paliativos, “aumentando o número de camas públicas existentes no país e reforçando tipologias ainda inexistentes, como é o caso dos cuidados continuados de saúde mental”.

O Bloco quer mais verbas para programas de hospitalização domiciliária, “de forma a cobrir todo o território, diminuindo o risco de infeções adquiridas em contexto hospitalar e melhorando o conforto dos utentes”.

O partido sublinha que o Estado pode fazer mais em matéria de cuidados continuados, onde “só 2% da oferta é pública''. Em algumas tipologias, sublinha, “não há nenhuma resposta pública, mas sim uma parte comparticipada pelo Estado”.

O PAN garante que vai “pugnar pela possibilidade de realização da morte medicamente assistida, mediante critérios clínicos e psicológicos bem definidos”.

O partido liderado por Inês Sousa Real quer garantir a “possibilidade de decisão sobre a própria vida” dos portugueses “que se encontrem em situações de sofrimento intolerável depois de terem sido colocados à sua disposição todos os meios e abordagens terapêuticas indicadas para a situação particular de doença”.

Para o PAN, a decisão do doente tem de ser considerada quando este manifestar, “de forma consciente e esclarecida, a vontade de conformar a sua vida, de acordo com as suas próprias conceções, após esgotadas todas as possibilidades em saúde e garantidas todas as respostas de acompanhamento clínico possíveis na sua situação”.

Simultaneamente, o PAN defende que os cuidados de saúde continuados e paliativos “sejam uma prioridade e estejam disponíveis para todos”, com apoio psicológico aos doentes e famílias.

O Livre consagra no seu programa eleitoral a necessidade de “dignificar o fim de vida e possibilitar uma morte digna, através da despenalização e legislação da morte assistida”.

O Estado deve disponibilizar apoio médico e psicológico especializados, “para que sejam obrigatoriamente abordados do ponto de vista clínico todos os aspetos concorrentes para a decisão informada e consciente do doente”.

Também deve assegurar que que, “nas situações de sofrimento extremo físico e/ou psíquico, são prestados todos os cuidados possíveis do ponto de vista biológico, psicológico e social, garantindo um acompanhamento adequado e humano, incluindo a prestação de cuidados paliativos, nas situações de doença terminal e de fim de vida”.

O Livre defende, ainda, que “devem sempre ser salvaguardados os direitos e a liberdade de consciência de terceiros, nomeadamente dos familiares e dos profissionais de saúde”.

PCP, Chega e IL ignoram eutanásia

O programa eleitoral do Partido Comunista não faz referência a eutanásia, mas a bancada do PCP votou contra nas duas vezes em que a morte medicamente assistida esteve em debate no Parlamento.

A Iniciativa Liberal também ignora o tema nas 613 páginas do seu programa, mas defende uma rede de cuidados continuados e paliativos coordenada pelo Estado, “contratualizando diretamente com os diferentes prestadores e, se necessário garantir, a gestão via subsistemas”. Também prevê o financiamento da rede diretamente via Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), sem intervenção dos subsistemas.

O programa do Chega é pela “criação de uma Rede de Cuidados Paliativos e de Residências Geriátricas que procurem suprir as necessidades dos cidadãos mais idosos, garantindo a dignidade da sua vida até ao fim dos seus dias”.

Como votaram os partidos

A 5 de novembro de 2021, o Parlamento aprovou uma segunda versão da lei da eutanásia, após um primeiro veto do Presidente da República na sequência de questões levantadas pelo Tribunal Constitucional sobre o uso do termo “lesão definitiva e de gravidade extrema”, por ser demasiado indefinido.

O decreto foi aprovado com os votos a favor de 101 deputados do PS, 13 deputados do PSD, entre os quais o líder do partido Rui Rio, Bloco de Esquerda, Verdes, PAN, João Cotrim Figueiredo da Iniciativa Liberal e das duas deputadas não inscritas Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues.

Votaram contra a lei da eutanásia sete deputados do PS, 62 do PSD, as bancadas do PCP e do CDS e André Ventura do Chega.

Dois deputados do PS e três do PSD optaram pela abstenção.

Contas feitas, dos 230 deputados que compõem a Assembleia da República, estiveram presentes 227, dos quais 138 votaram a favor, 84 contra e cinco abstiveram-se.

O diploma haveria de ser novamente vetado por Marcelo Rebelo de Sousa, que apontou várias contradições ao diploma elaborado pelos deputados.

"Na mesma lei, e até no mesmo artigo, temos regras contraditórias. Dir-me-ão, isto é um problema jurídico? Não, é um problema político, de substância. Porque quem vai aplicar a lei precisa de ter um critério", sustentou Marcelo Rebelo de Sousa.