Foi durante um almoço de trabalho com Carlos Monjardino, no âmbito da preparação de mudanças ao regime jurídico das Fundações, que Rui Pereira, o então secretário de Estado da Administração Interna, foi informado dos ataques de 11 de Setembro contra as Torres Gémeas, em Nova Iorque.
Lembra-se da incredibilidade com que viu as imagens e, mesmo tendo sido diretor do Serviço de Informações e Segurança (SIS) nos três anos anteriores, foi com surpresa que percebeu a dimensão do atentado.
Vinte anos depois, em entrevista à Renascença, destaca a forma como aquele dia mudou a história e lamenta que o erro agora cometido pelos Estados Unidos na retirada do Afeganistão possa ser um incentivo para o regresso da ameaça terrorista.
Que impacto imediato tiveram nos sistemas de segurança os atentados de 11 de Setembro de 2001?
A compreensão de que aquela ameaça era uma ameaça nova e global, foi uma compreensão praticamente imediata. Já tinha havido antecedentes daquele tipo de terrorismo, mas nunca com aquela dimensão. O 11 de Setembro colocou um problema novo. A partir dai, as expressões “guerra ao terrorismo” ou “direito penal do inimigo” ganharam um novo significado muito mais efetivo.
Antes de entrar para o Governo, tinha sido diretor do SIS precisamente nos três anos anteriores ao atentado. Que tipo de indícios tinham os serviços secretos ocidentais de que poderia acontecer algo como o 11 de Setembro?
Os atentados terroristas que se tinham verificado em África já pronunciavam algo de novo em matéria de terrorismo, mas eu mentiria se dissesse que estava à espera de atentados com a dimensão dos que vimos em Nova Iorque. E penso que ninguém estava. Até a própria organização terrorista [Al-Qaeda] não esperaria um efeito tão dantesco do seu atentado. Suponho que ficou surpreendida com a dimensão das consequências.
O terrorismo passou a ser definitivamente um problema muito sério.
Há quem diga que o século se iniciou com o 11 de Setembro. Eu não sei se o século não nos trará outras novidades, e já trouxe a pandemia e as alterações climáticas, é ainda muito cedo para balanços, mas seja o que for que aconteça os atentados do 11 de Setembro marcaram algo de novo que é o surgimento de um novo ator na cena internacional. A transformação do terrorismo num ator da cena internacional.
Com implicações na vida, tal como a conhecíamos até aí.
Antes do 11 de Setembro, em Portugal e na Europa, estávamos ébrios de liberdade, no bom sentido. Um espaço de Estados soberanos, sem fronteiras, com moeda única, com liberdade de deslocação de acordo com a matriz liberal e democrática europeia é quase uma utopia.
Isso foi posto subitamente em causa com o 11 de Setembro. E posto em causa nas pequenas rotinas. Viagens em que passávamos de país para país sem nenhuma preocupação, passaram a ser viagens com outras regras. Desde a comida nos aviões sem talhares, até às revistas mais apertadas e o descalçar dos sapatos nos aeroportos. Parece que são pequenos pormenores, mas são muito expressivos de uma nova cultura de segurança.
Uma nova cultura de segurança que passou pela adaptação de muitas leis.
Sim. Compreendeu-se que era necessário em matéria de Direito Penal criar esquemas mais eficazes e severos de prevenção e repressão do fenómeno terrorista. Em Portugal, por exemplo, foi aprovada em 2003 uma nova lei antiterrorista que teve por base uma decisão quadro da União Europeia aprovada em 2002, na sequência dos atentados de Nova Iorque.
O sentido dessa lei foi punir de forma mais severa crimes de terrorismo, prever o terrorismo internacional, prever o financiamento, a punição de atos preparatórios, prever também a responsabilidade de pessoas coletivas. E também esquemas processuais como ações encobertas, e medidas mais intrusivas.
Quis o calendário ou o destino que estejamos a assinalar os 20 anos do 11 de Setembro ao mesmo tempo que acompanhamos com preocupação a chegada dos talibãs ao poder no Afeganistão. Não estamos de alguma forma a regressar à origem da ameaça?
Deixar pessoas que acreditaram no ideal democrático e dos direitos humanos à sua sorte, entregues a um Estado em que não há o mínimo respeito por esses direitos, é extraordinariamente perigoso. Eu não auguro nada de bom a curto prazo para o Afeganistão, e junto-me aquele vasto coro de críticas à forma e ao tempo da retirada.
Mas eu perguntava-lhe pela ameaça. Essa nova realidade do Afeganistão, é um risco? Até que ponto muda os níveis de ameaça?
O que aconteceu no Afeganistão não deixará de ser interpretado por todos aqueles que estão afeiçoados a um ideal fundamentalista com tendência para o terrorismo, como uma vitória. E, portanto, só isso é um estímulo enorme para o recrudescer da atividade terrorista.
Por outro lado, eu espero para ver se as pretensas promessas que foram feitas aos norte-americanos de que o novo regime talibã não apoiará o terrorismo são promessas para levar a sério. Eu não confiaria, porque tudo o que está na essência daquele Estado aponta para não haver nenhum freio moral no homicídio de infiéis, de mulheres que não sigam a lei islâmica, e por aí fora.
Rui Pereira foi diretor do SIS e secretário de estado da Administração Interna no 11 de Setembro de 2001. Mais tarde ocupou o cargo de ministro da Administração Interna. É fundador do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo.