O Presidente dos Estados Unidos tornou-se esta segunda-feira na mais recente figura mediática a emitir uma opinião sobre o caso de Charlie Gard, o bebé inglês que esteve no centro de uma disputa entre os seus pais e o hospital onde está a ser tratado. Através do Twitter, Donald Trump declarou que, se puderem, os Estados Unidos estão dispostos a ajudar.
Charlie tem cerca de 10 meses e é uma de apenas 16 crianças no mundo que sofre de uma desordem genética que afecta gravemente o seu desenvolvimento. A doença chama-se síndrome de depleção do ADN mitocondrial (MDDS, na sigla inglesa) e, segundo o hospital de Great Ormond Street, onde está a ser tratado, “o cérebro, músculos e capacidade respiratória do Charlie estão todos gravemente afectados."
Além disso, "o Charlie tem surdez congénita e uma desordem epiléptica grave. O seu coração, fígado e rins também foram afectados. O Charlie tem também fraqueza muscular progressiva e não pode mexer os braços nem respirar sem auxílio. As suas pálpebras não se mantêm abertas e os seus olhos apontam para direcções diferentes por causa da debilidade muscular”.
Perante este cenário, o hospital – conhecido por ser um centro de excelência pediátrica no Reino Unido – sugeriu aos pais que, não havendo qualquer tratamento que pudesse melhorar a qualidade de vida de Charlie, as máquinas de suporte de vida deviam ser desligadas e iniciados os cuidados paliativos.
Mas os pais discordaram. Queriam levar o bebé para os Estados Unidos para um tratamento experimental, tendo angariado dinheiro suficiente para o efeito.
“O clínico americano que está a oferecer-se para fazer o tratamento concorda que o tratamento experimental não reverterá os danos cerebrais que já ocorreram” e “toda a equipa britânica altamente experiente, todos os que deram segundas opiniões e o médico instruído pelos pais concordaram que mais tratamentos seriam fúteis, isto é, que daí não resultaria qualquer benefício efectivo”, diz o site do hospital britânico.
Quando os médicos e os pais de um doente menor discordam sobre o tratamento a dar ao doente, o caso deve ser resolvido em última instância pelos tribunais. Foi isso que aconteceu e ao longo dos meses, e após vários recursos, todos os tribunais deram razão aos médicos, incluindo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Num último e polémico desenvolvimento, o apelo dos pais para que pudessem levar Charlie para casa para passar o que se presumiam ser as suas últimas horas de vida foi também negado pelo hospital, levando os pais a publicar uma mensagem emocionada num site de apoio ao seu caso.
Vaticano comenta
Em Junho, a Pontifícia Academia para a Vida, o órgão do Vaticano que analisa questões de ética e bioética, publicou uma nota sobre o caso. Ao contrário do que muitos activistas esperavam, a academia não denunciou abertamente as decisões dos tribunais, mas, num tom de respeito pela dor dos pais, sugeriu que, embora seja sempre ilícito causar directamente a morte a alguém, por vezes, é necessário aceitar os limites da ciência.
Na nota, assinada pelo arcebispo Vincenzo Paglia, refere-se ainda a importância de respeitar a vontade dos pais, mas acrescenta-se que “também eles devem ser ajudados a compreender a dificuldade singular da sua situação e não deixados sozinhos para enfrentar as decisões dolorosas. Se houver interferência na relação entre o médico e o doente (ou os pais, no caso do Charlie), então tudo se torna mais difícil e a acção jurídica torna-se o último recurso, sempre com o risco de manipulação ideológica ou política, que é de se evitar sempre, ou de sensacionalismo mediático, que pode ser tristemente superficial”.
No domingo à noite, o Papa Francisco referiu-se directamente ao assunto. Numa nota lida pelo porta-voz do Vaticano Greg Burke, o Papa disse que “segue com afecto e comoção a situação de Charlie Gard e expressa a sua proximidade aos pais. Reza por eles, desejando que o seu desejo de acompanhar e cuidar do seu filho até ao final seja respeitado.”
Esta declaração surgiu dois dias depois de o Papa ter publicado um "tweet" em que diz: “Defender a vida humana, sobretudo quando se encontra ferida pela doença, é um dever de amor que Deus confia a todos”. Se dúvidas houvesse sobre o sentido desta mensagem publicada apenas na conta inglesa do Papa, foram dissipadas quando o mesmo Greg Burke a reencaminhou acompanhada de “#CharlieGard”.
Esta segunda-feira, o hospital Bambinu Gesù, de Roma, anunciou que está disposto a acolher o pequeno Charlie e cuidar dele "enquanto ele viver" e esta segunda-feira foi Donald Trump a dar a sua opinião, escrevendo no Twitter: “Se pudermos ajudar o pequeno #CharlieGard, tal como os nossos amigos no Reino Unido e o Papa, teríamos o maior gosto em fazê-lo”.
Tendo esgotado todos os recursos jurídicos, as máquinas de suporte de vida do bebé deveriam ter sido desligados na sexta-feira, o mesmo dia em que o Papa Francisco publicou a sua mensagem no Twitter. Não se sabe se isso foi feito ou não, mas no site do hospital lê-se que, nessa situação, “não haveria qualquer pressa para tomar acção imediata. As discussões e o planeamento destas situações costumam levar alguns dias”. Também, embora se espere que Charlie morra sem o suporte artificial de vida, não é certo que a sua morte seja imediata.
À luz da Igreja Católica, o caso de Charlie Gard é polémico por duas principais razões. Em primeiro lugar por saber até que ponto se deve insistir no tratamento médico em casos terminais. A Igreja Católica condena tanto a eutanásia, a morte deliberada e directa de uma pessoa, como a distanásia, o prolongamento excessivo dos tratamentos, por vezes sem esperança de cura ou até correndo o risco de agravar o sofrimento dos doentes.
Em segundo lugar, contudo, trata-se de saber até que ponto deve ser respeitada a autonomia dos pais para decidir o destino dos seus próprios filhos em situações clínicas, ou quem deve ser considerado o garante do melhor interesse das crianças nestas condições, se a equipa clínica ou os pais.
Lendo as várias mensagens do Vaticano, incluindo as do Papa, se parece ter sido exercida cautela quanto à primeira questão, na segunda a Igreja estará mais inclinada a respeitar a vontade dos progenitores em situações como estas.
[notícia corrigida - tribunais deram razão aos médicos e não aos pais]