Regressemos a Robert Kagan e à sua análise da candidatura de Donald Trump pelo Partido Republicano.
Como assinalámos no texto anterior, Kagan considera a escolha de Trump uma rendição do partido ao populismo mais perigoso, onde detecta mesmo traços do fascismo que assolou a Europa nos anos 1930.
Mas já antes de ter escrito essa análise, o académico e famoso neoconservador tinha publicado um outro artigo no “Washington Post”, onde é colunista, em que chamava a Trump o “monstro Frankenstein” criado pelo Partido Republicano. “Trump não é nenhum acaso. Nem está a sequestrar o Partido Republicano ou o movimento conservador, se é que isso existe. Ele é uma criação do partido, o seu monstro Frankenstein, trazido à vida pelo partido, alimentado pelo partido e agora suficientemente fortalecido para destruir o seu criador”, escreveu Kagan.
E culpa o “obstrucionismo selvagem” a que o GOP (Grand Old Party) se dedicou nos últimos anos por ter ensinado aos eleitores republicanos que o governo, as instituições, as tradições políticas, as lideranças e os próprios partidos eram coisas para demolir, ignorar, insultar, ridicularizar. Dá como exemplos desse obstrucionismo as ameaças de bloqueio orçamental (shut down) por causa de divergências políticas ou legislativas, os apelos à anulação de decisões do Supremo Tribunal, o classificar como uma traição qualquer compromisso com os democratas, os golpes contra quaisquer dirigentes que não alinhassem no espírito de demolição total, entre outros.
Este espírito de intolerância, de fanatismo, criado entre os republicanos traduziu-se no ataque aos imigrantes, que obrigou Mitt Romney, candidato à Casa Branca em 2012, a “vender a alma” e a falar de “autodeportação”. Ou na oposição a qualquer plano para resolver o problema da imigração ilegal, que levou o senador Marco Rubio a “abandonar os seus princípios” e a deixar cair legislação sobre o assunto.
“Não foi Trump” que provocou tudo isto, assegura Kagan, mas sim os intelectuais e comentadores republicanos empenhados em desencadear paixões populistas para impedir qualquer compromisso legislativo com o presidente Obama. Trump limitou-se a aproveitar este ambiente de fúria, xenofobia e fanatismo. Um ambiente motivado também pelo “ódio” a Obama, um “síndrome perturbador tingido de racismo” que assumiu a forma de “inusitada paranoia”.
Uma síndrome que, segundo ele, impediu os republicanos de apresentarem estratégias alternativas plausíveis às de Obama para as crises do Médio Oriente, fazendo com que muitos dirigentes tenham antes caído numa “estúpida islamofobia” acompanhada de “suspeitas insinuações sobre as fidelidades do presidente”.
Robert Kagan tem sido crítico quanto à política externa de Obama, mas igualmente crítico quanto à forma como o Partido Republicano se lhe tem oposto, motivado mais pelo ódio ao presidente com quem recusam qualquer entendimento do que por atitudes racionais.
Apenas um exemplo: quando o acordo sobre o nuclear do Irão estava prestes a ser assinado com Teerão, no Verão do ano passado, os republicanos convidaram o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, a discursar no Congresso em Washington contra o acordo. Como tinham a maioria no Congresso, cederam o palco mais nobre do país a um primeiro-ministro estrangeiro para atacar violentamente a política externa do presidente americano.
Nessa altura, Kagan criticou a atitude republicana e lembrou que os democratas poderiam ter feito o mesmo em 2003 e convidar o presidente francês, Jacques Chirac, ou o chanceler alemão, Gerhard Schroeder, a discursar no Congresso contra a invasão do Iraque, que o presidente americano George W. Bush se preparava para levar a cabo. Os democratas controlavam então o Congresso e muitos deles também se opunham à intervenção militar no Iraque.
Neste primeiro artigo sobre Trump, Kagan já aludia à analogia histórica com a revolução francesa e a sua deriva bonapartista.
“Querem que acreditemos que os apoiantes de Trump estão zangados com a estagnação salarial. Não, eles estão zangados com todas as coisas que os republicanos lhes disseram para estarem zangados nestes sete anos e meio” e que Trump veio apenas aproveitar. “Ele é o Napoleão que colheu os frutos da revolução”, anota.
Muita gente se interrogou sobre a razão pela qual os dirigentes do partido não tentaram travar Trump mais cedo. Kagan tem uma resposta: “Mas como poderiam fazê-lo? Trump alimentou forças no partido que eles tinham ajudado a criar e que esperavam cavalgar até ao poder. Alguns dos dirigentes e comentadores republicanos que agora apelam a uma contra-revolução, há não muito tempo saudavam o seu contributo para o debate”.
Mesmo os seus rivais na corrida republicana, agora caídos no esquecimento, tiveram relutância em atacá-lo por receio de alienar os seus apoiantes. Em vez disso, atacaram-se mutuamente até saírem da corrida um a um, acusa o cientista político, exemplificando com o governador de New Jersey, Chris Christie, que se empenhou em atacar Marco Rubio e acabou como apoiante de Trump, ou com Jeb Bush, que gastou milhões e milhões contra quem? Não contra Trump.
E agora?, interroga-se Kagan. E responde taxativamente: “Para este antigo republicano, e talvez para outros, a única escolha será votar em Hillary Clinton. O partido não pode ser salvo, mas o país ainda pode”.