Eleito pelo círculo de Bragança pela primeira vez em 1987, Adão Silva lidera a bancada do PSD desde setembro de 2020. Em entrevista ao Hora da Verdade, deputado acusa o Governo de pouca clareza e transparência no negócio da venda de seis barragens de Trás-os-Montes à Engie.
Nesta entrevista, Adão Silva justifica com a transparência a proposta de obrigar os titulares de cargos políticos a declararem se pertencem à maçonaria ou outras associações. E defende uma lei que venha substituir os estados de emergência.
Quando terminarem os estados de emergência, acha que podem ser substituídos por uma lei de emergência sanitária?
Vem-se falando numa lei e vale a pena pensar em legislação para que, de alguma maneira, não sejam precisos estes exercícios tão extremos, tão intensos que envolvem o Parlamento, o Presidente, o Governo.
O PSD não conta apresentar nenhuma iniciativa?
Não temos isso equacionado, para já.
Na questão da venda das barragens e eventual fuga aos impostos, o PSD parece ter apanhado o comboio do BE. Quando deram conta deste problema?
Não desprezo o trabalho do BE, elogio o seu trabalho. Mas o seu a seu dono. Começaram a ouvir-se ecos do negócio no último trimestre de 2019. A 24 de Janeiro de 2020 escrevi um projeto de resolução, que foi aprovado, e que recomendava ao Governo que, se houvesse venda das barragens: ‘Tenham cuidado, há impostos a pagar’. No último trimestre de 2020, redigi uma proposta de alteração à proposta de Orçamento do Estado para 2021 que dizia que fosse constituído um fundo com os impostos advenientes da venda das barragens para o desenvolvimento de Trás-os-Montes. Primeiro foi reprovado, depois o BE corrigiu a sua posição, e foi aprovado.
É uma aliança PSD/BE…
Por isso elogio o Bloco, não tem problema nenhum, é a democracia a funcionar. Depois, nos últimos dois ou três meses a matéria ganhou efervescência e o BE entrou aí e bem.
Quando é que o PSD se apercebeu que não havia receitas de impostos para o fundo regional?
Nós estivemos sempre de boa-fé. Não nos passava pela cabeça que um negócio de 2,2 milhões de euros não pagasse impostos. É uma coisa completamente bizarra. Não é apenas o imposto de selo. É o IRC, é o IMT e os emolumentos. Tudo somado dá para cima de 450 milhões de euros.
Ainda será possível recuperar os tais impostos que não foram pagos?
Eu espero bem que sim. O ministro do Ambiente, não sei se articulado com o Ministério das Finanças [Mário Centeno], devia ter clarificado qual era o quadro em que a venda ou trespasse da concessão se iria movimentar. E ter dito que havia uma carga de impostos para pagar. Aparentemente não foi isso que aconteceu. Tudo foi feito num exercício mais ou menos turbulento, mais ou menos esdrúxulo, o sr. ministro meteu-se no seu labirinto e agora mete pena que, em vez de defender os contribuintes, ataque os cidadãos para dizer que a EDP não tem nada que pagar impostos. Calma lá! Quem tem de dizer são outras entidades. Espero que se pague ainda o que importa pagar, os portugueses, aliás, não perceberiam. Voltaríamos aquela máxima de que o Governo é fraco com os fortes em termos de impostos. E como eles não os pagam, é forte com os fracos, que somos nós que os pagamos.
Quem é que pode atuar? A Autoridade Tributária, os tribunais?
Desde logo a Autoridade Tributária. Era suposto para entrar na avaliação do negócio em junho de 2021, depois das declarações do primeiro-ministro na semana passada, parece que está a trabalhar nesta matéria. Há aqui muitas dúvidas: por exemplo, a Autoridade da Concorrência acompanhou bem o processo ou não? É que isto não foi uma passagem da EDP para a Engie, houve um labirinto de empresas feitas no momento e na oportunidade que se faziam e desfaziam, completamente bizarras.
Foram empresas só para facilitar este negócio?
Com certeza. Criava-se uma empresa com um trabalhador para administrar seis barragens que valiam 2,2 mil milhões de euros. Depois, a entidade reguladora da energia: será que acompanhou este processo adequadamente? Temos as maiores dúvidas. A entidade europeia da concorrência está a acompanhar? Temos as maiores dúvidas.
As suas dúvidas são também sobre se há indícios de crime?
Sim, temos essas dúvidas também. Soube-se ontem a que a APA deu pareceres negativos e depois aquilo foi convertido em pareceres positivos. Depois muito circunstancialmente é alterado o artigo 60.º do estatuto dos benefícios fiscais. Muito oportuno, alarga a possibilidade das isenções em operações. É uma sensação de que foi tudo muito rápido, muito atabalhoado, com a EDP e o seu potencial brutal de consultores a dizerem quais as regras do jogo e um ministro do Ambiente completamente passivo e recetivo, do tipo ‘quem manda aqui é a EDP’, e, obviamente, a EDP não é dona de Portugal.
É um negócio que exige um olhar por parte do Ministério Público?
Absolutamente. A sensação que há aqui é de uma opacidade, falta de transparência.
Tem noção se mais empresas usaram esta alteração legislativa ao artigo 60.º?
O ministro não respondeu a essa pergunta, mas isso é possível. A partir do momento em que alteram a lei é mesmo de perguntar: só não usa quem é burro. Se a EDP usou com este grau de impunidade até aqui, outros podem usar. Se o Estado não cobra impostos, afinal quem paga? Por isso, o PSD propôs a revogação do atual artigo 60.º.
Cada vez que alguma coisa corre mal, muda-se uma lei. Isso não dá uma sensação de instabilidade legislativa?
É verdade. A nossa proposta foi reprovada esta quarta-feira e esta quinta vamos fazer a avocação ao plenário. Queremos todas as posições clarificadas. Portanto, traz instabilidade, mas às vezes a instabilidade compensa. E aqui compensa, porque podemos ter aberto uma enorme cratera do ponto de vista do não pagamento de impostos em variadíssimas circunstâncias. O ministro das Finanças veio dizer ‘Uma coisa não tem nada a ver com a outra, não é fato feito à medida’, mas eu só digo: ‘Se não é, parece’.
Por que é que o PSD decidiu agora avançar com a proposta de obrigar os políticos a declararem a pertença à maçonaria, uma vez que o projeto do PAN já é de 2019?
O PAN, de facto, apresentou um projeto de lei que visava as sociedades secretas ou discretas, e mencionava a maçonaria e o Opus Dei. Achamos um erro fazer este tipo de exercício. As coisas têm que ser legisladas de forma geral e abstrata. O PSD avançou com alteração ao projeto de lei do PAN, abrangendo titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos, e todas as ligações associativas. Pensamos que numa democracia os cidadãos agradecem muito que haja transparência. Eu nunca fui, não sou e espero nunca vir a ser maçon. E se fosse, não teria problema em dizê-lo. Em muitos países, a pertença à maçonaria corresponde a um exercício de grande filantropia social de que as pessoas se orgulham. Em Portugal, esses beneméritos de muitas destas organizações afinal não querem dar a cara porquê? Se é uma coisa boa...
Sabe se há maçons ou membros do Opus Dei na direção da sua bancada?
Isso a mim não me interessa. Convivo bem com todos. Tenho amigos que declaradamente são maçons e outros Opus Dei. Sei-o porque mo disseram. E quem não o disse, para mim, é-me absolutamente irrelevante.