Trump sabe que perdeu – mas continua a proclamar que a eleição de Biden foi “roubada”. Porque lhe interessa que os seus apoiantes, que acreditam em tudo o que ele diz, considerem Biden um presidente eleito graças a fraudes, tirando-lhe legitimidade. Muito depende do que será o partido republicano pós-Trump.
Passam duas semanas desde as eleições presidenciais americanas. Trump continua a não reconhecer claramente a derrota, insistindo na alegação de fraude eleitoral. Entretanto, toma medidas inéditas para um presidente derrotado, como demitir altos funcionários, incluindo o ministro da Defesa e militares de topo. Contra a tradição, não permite que Biden tenha acesso à informação diária dos serviços secretos; aliás, o próprio Trump frequentemente não lê essa informação – porque não gosta de ler documentos e acha que sabe tudo.
As acusações de fraude eleitoral são cada vez mais inverosímeis. As autoridades eleitorais federais consideraram estas eleições as mais seguras da história dos EUA. Até a China já felicitou Biden. Mas Trump prossegue com processos nos tribunais estaduais, embora seja praticamente impossível que se detete uma irregularidade de tal dimensão que anule a diferença de membros do colégio eleitoral favoráveis a Biden (306 contra 232).
Trump sabe que perdeu – mas proclama sem cessar que a eleição de Biden foi “roubada”. Há quem atribua essa teimosia ao feitio de Trump, que sempre evitou reconhecer uma derrota. E sabe-se que este mentiroso compulsivo não se incomoda ao ser desmentido pelos factos – aconteceu logo no início do seu mandato, quando proclamou que a sua cerimónia de posse tinha congregado mais gente do que qualquer outra. Logo as televisões mostraram imagens que o desmentiam frontalmente. Esta falta de verdade desprestigia a democracia americana, mas isso pouco importa ao homem que ainda ocupa a Casa Branca.
Porque mantém Trump a mentira? Porque lhe interessa que a maioria dos seus apoiantes, que acreditam em tudo o que ele diz, por mais absurdo que seja, considerem Biden um presidente eleito graças a fraudes, tirando-lhe legitimidade. No sábado muitos desses apoiantes vieram para as ruas gritar contra o “roubo eleitoral”, o que muito agradou a Trump.
Quer isto dizer que Trump se irá manter na política, acirrando o ódio e contrariando os esforços de Biden para combater a divisão dos americanos e instaurar um clima mais pacificado na relação entre republicanos e democráticos. Já se diz que Trump pretende criar um canal de televisão, uma vez que a Fox News o desiludiu ao noticiar a vitória de Biden (se não o fizesse, perderia toda a credibilidade).
Será o objetivo de Trump preparar uma recandidatura eleitoral daqui a quatro anos ou apenas atrapalhar o mais possível a administração Biden? Aqui entra o partido republicano. Este partido encontra-se sem ideologia e totalmente dominado por uma acéfala adesão a Trump. Este exerce o seu domínio ameaçando os republicanos de não fazerem parte dos seus próximos numa eventual recandidatura, caso se demarquem da fantasia da “eleição roubada”.
O que irá fazer o partido republicano, depois da derrota de Trump, é a grande dúvida que paira sobre a política americana nos próximos anos. Quer voltar a ser um partido decente ou manter-se uma simples marioneta nas mãos de Trump?