Os diretores das escolas de Lisboa estão preocupados com a gestão camarária no âmbito do processo de descentralização em curso. Em abril terminou o prazo de transferência de competências para as autarquias, entre as quais a Educação, mas na capital o processo de transição não está a correr bem, segundo vários relatos de diretores ouvidos pela Renascença.
Uma das principais queixas é a “paralisia da comissão de descentralização”.
”Pura e simplesmente, não reúne. A Câmara não a convoca e andamos nisto há meses, já passa de um ano ou mais em que a comissão de descentralização não tem o seu papel que devia ser preponderante na relação estratégica das escolas com o município e vice-versa”, diz Amílcar Santos, diretor do Agrupamento de Escolas das Laranjeiras.
Também João Jaime Pires, diretor do antigo Liceu Camões, diz que “a comunicação em termos de relação com o órgão executivo da Câmara Municipal de Lisboa não tem ocorrido com a regularidade que nós gostaríamos”.
“É nesse contexto que os diretores de Lisboa sentem que não existe, parece, uma prioridade na cidade, sabendo que outros concelhos – Cascais, Oeiras, Odivelas - têm uma dinâmica mais perto das escolas”, lamenta.
“O executivo da Câmara Municipal de Lisboa, pelo menos pela agenda que tenho visto na comunicação social, a educação não aparece. Aparece as trotinetes na Almirante Reis, aparece as ciclovias, aparece a redução de velocidade na cidade, aparece um conjunto de notícias na cidade, mas a educação ainda não vi em nenhum órgão de comunicação, não vi nenhuma informação a importância que a educação tem na cidade de Lisboa”, reforça o diretor de uma das escolas históricas da capital.
Questionado pela Renascença, o vereador da Educação da Câmara de Lisboa, Diogo Moura, garante que a educação é uma prioridade para o executivo e que as reuniões serão realizadas ainda este mês.
“Temos vindo a identificar os vários problemas e uma necessidade clara de clarificação por parte do Ministério da Educação. Temos agora previsto agendar uma reunião com os senhores diretores de agrupamento de escolas e escolas não agrupadas para lhes dar uma nota do ponto de situação destas mesmas intervenções junto do Ministério e através do delegado regional”, afirma o governante autárquico, assegurando que esse encontro vai realizar-se até ao fim deste mês.
Descentralização, mais um constrangimento
Outra voz junta-se ao coro de críticas. “Se me perguntar para identificar um conjunto de constrangimentos que tenhamos pela frente e que tenhamos de vencer, a questão da municipalização, a nível de um município com esta dimensão é um deles”, diz Júlio Santos, diretor do Agrupamento de Escolas do Restelo.
Este diretor consegue identificar problemas que advêm da falta de dinâmica entre a autarquia e os responsáveis escolares.
“Por exemplo, a nível de recursos humanos é responsabilidade da câmara fornecer pessoal não docente. Neste momento, falta-nos 13 funcionários. Havia aqui uma expectativa que quando um funcionário estava doente, a partir de um determinado tempo, era substituído e isso não está a ser assegurado”, explica.
Júlio Santos alude ainda à questão das verbas. “As escolas têm um funcionamento próprio: transferências para visitas de estudo não pode ser em junho; verbas para manutenção das escolas não pode ser a 28 de dezembro. Há aqui uma não coincidência muitas vezes entre as verbas que nos chegam não são suficientes e o tempo em que acontece a sua necessidade”, aponta.
Navegar à vista, sem visão estratégica
Não obstante as críticas, os diretores de escolas reconhecem que os funcionários da Câmara com quem trabalham fazem o que podem e empenham-se, na medida do que lhes é possível, na resolução dos problemas.
“Não temos nada contra os serviços da câmara, de modo geral. Os próprios responsáveis dos serviços, mesmo assim, tentam resolver problemas, desde os chefes de divisão e de departamento”, descreve Amílcar Santos, diretor do Agrupamento de Escolas das Laranjeiras.
O problema, acrescenta, é estarem “com uma navegação à vista, ponto a ponto, sem essa tal visão estratégica, sem essa tal construção de um documento orientador de relação que tem de se estabelecer rapidamente entre a câmara municipal e as escolas”.
Escolas com menos autonomia de gestão
Além de sentir falta de uma visão estratégica, Amílcar Santos diz ainda que, com a descentralização, a gestão das escolas tornou-se não só mais complicada, como retirou autonomia.
“As verbas ao serem geridas podem ser orientadas pelo próprio Agrupamento, no caso uma boa gestão e que haja às vezes até a superavit perto do fim do ano, para poderem suprir outras necessidades do serviço educativo. Neste momento a Câmara Municipal de Lisboa transfere só o necessário e suficiente e, portanto, o saldo de gestão, a existir, não é transferido para o agrupamento, fica com a câmara municipal”, explica, rematando que “anteriormente não era assim”.
Câmara garante rapidez na resolução dos problemas
O vereador Diogo Moura retoma as explicações sobre a necessidade de clarificar vários aspetos com o Ministério da Educação, o que não tem impedido que os problemas vão sendo resolvidos.
“Sempre que é sinalizado um problema por parte de um diretor de agrupamento, automaticamente o nosso departamento de educação resolve com a escola e nós temos resolvido com alguma celeridade”, descreve.
Diogo Moura acrescenta ainda que, “quando depende de uma inter-relação também com o Ministério da Educação também lhe devo dizer que temos tido também muita disponibilidade por parte do delegado regional e esse trabalho tripartido entre escolas, delegado regional e departamento de Educação tem acontecido”.
Precisamente no que diz respeito ao diálogo com o Ministério da Educação, o vereador explica que têm pedido uma atualização dos valores de referência em várias matérias, dado que os valores atuais são de 2018.
“A ação social escolar, assistentes operacionais, a questão dos valores das refeições escolares… Importa olharmos para a situação atual financeira e económica e perceber que há um aumento de custos e que esses aumentos de custos têm também que ter por parte do Ministério da Educação um aumento dos valores de referência”, diz.
O pedido de atualização está feito, mas até agora sem resposta. Diogo Moura diz que tiveram “um compromisso ainda no final do mandato do governo anterior de que essas atualizações seriam feitas a nível do Orçamento do Estado”, mas “a única atualização que vimos no Orçamento do Estado é o valor de manutenção das escolas, um valor transferido para a câmara e a câmara transfere aos diretores do agrupamento e são eles que fazem a gestão desse dinheiro”.
Trata-se de uma verba de 20 mil euros por escola que subiu para cerca de 30 mil euros, um valor que, segundo o vereador, é distribuído de igual forma para todas as escolas, independentemente da sua dimensão ou localização no país.
Diogo Moura assegura ainda que, à falta dessas atualizações, a autarquia de Lisboa tem assumido parte das despesas a mais.
“O ano passado nós gastámos mais quatro milhões de euros, colocados pela Câmara, em determinadas matérias”, revela.
Uma das rubricas em que o dinheiro é gasto é nas refeições escolares. “Há um valor base, mas quando a câmara lança um concurso, como estamos agora em procedimento concursal para as refeições escolares para o próximo ano letivo, o valor que a câmara lança como valor base é um valor superior daquele que nos é transferido pelo Ministério”.
“Mas nós assumimos isso porque queremos dar uma melhor qualidade à alimentação que damos aos nossos alunos nas escolas de Lisboa”, remata o governante.