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Sofia Oliveira é enfermeira no Centro Hospitalar Universitário de Lausanne, na Suíça, há nove anos. É no Serviço de Urgências que se tem dedicado exclusivamente a doentes com Covid-19, onde vai assumindo tarefas de forma alternada: desde a triagem de pacientes, ao isolamento do doente e, dependendo do diagnóstico, decide, juntamente com um médico, se o doente segue para os quartos de medicina interna, para os cuidados intermédios ou para os cuidados intensivos.
À Renascença conta a dificuldade em abstrair-se do meio hospitalar nas poucas horas que passa em casa. Porque há episódios que são como algumas músicas, “ficam na cabeça” o dia inteiro, ou mesmo dias: desde os idosos que se veem desorientados e chamam por familiares, àqueles que ainda internados veem outros partir.
Este é o quarto de vários relatos na primeira pessoa de médicos e enfermeiros de toda a Europa, que nesta altura lutam contra um vírus que já matou cerca de 25 mil pessoas no mundo – numa lista em que Suíça ocupa o nono lugar com maior número de infetados: 12.311. Registando 207 vítimas mortais.
“Há nove anos a trabalhar neste hospital, há sete nas urgências, este tem sido o pior cenário com que me deparei até hoje. Há coisas que emocionalmente têm sido muito pesadas. Partilho uma história que envolve três gerações. Há uns dias, recebi um doente infetado com Covid-19, na casa dos 50 anos, que está neste momento nos cuidados intensivos. Quando chegou, disse-me que tinha perdido o pai há dois dias, também infetado com Covid-19 e que tinha o filho em casa também com sintomas e muito doente. Quando o isolámos numa chamada box, disse-me ‘foi precisamente aqui que o meu pai morreu’. Nunca se está preparado para isto. É claro que já vivi outras situações complicadas, somos casados com as urgências para o bem e para o mal, mas esta calamidade faz-me pensar nisto todos os dias. É como uma música que não nos sai da cabeça um dia inteiro.”
“Os casos têm aumentado imenso de um dia para o outro. Só no meu hospital, temos 35 pessoas nos cuidados intensivos e cerca de 140 hospitalizadas. Como é que temos conseguido gerir? Cedendo outros locais do hospital para que se transformem em unidades de cuidados intensivos. Não posso dizer que estamos perante uma catástrofe porque reagimos antecipadamente. No entanto, nem sempre conseguimos encontrar ventiladores para toda a gente. Colocámos medidas em prática como cancelar todas as cirurgias programadas e fazer apenas as urgentes, é uma forma de libertar ventiladores que existem no recobro e no bloco operatório. O problema é que as pessoas com coronavírus, estando em dificuldade respiratória, ou toleram com alguns litros de oxigénio ou então, se precisarem de estar entubadas e ventiladas, será muito complicado.”
“Do lado dos profissionais de saúde, o grande problema continua a ser a falta de material. Não temos as máscaras FFP3 (as que mais protegem e que devíamos usar), e as FFP2 (menos eficazes) só temos direito a usá-las em casos muito específicos como a entubação do doente. Num contacto direto com o doente usamos uma mera máscara cirúrgica que não nos protege de todo. E o nosso medo continua a ser que fiquemos todos infetados.”
“A juntar-se a isto, o cansaço. Todos os dias tenho de gerir os doentes, explicar às famílias que não pode haver visitas para que se evite o contágio e para que haja o mínimo de pessoas no hospital. Naturalmente, as pessoas ficam angustiadas. Os idosos que tenho já chegam extremamente desorientados porque evitam o mais possível vir para o hospital e aqui perdem o rumo, porque se veem num hospital sem receber visitas da família. E nós, por mais que tentemos, acontece como os nossos filhos, nem sempre conseguimos esconder que andamos stressados e nervosos.”
“Neste momento, todos os profissionais de saúde do hospital viram as suas férias canceladas. Vamos trabalhar mais 120, 150, 200 por cento. O que for necessário para poder cuidar destas pessoas. Estou cansada e sei que os próximos dias, as próximas semanas, vão ser piores. Ninguém está preparado para isto. Nenhum país, quer na Europa quer a nível mundial, está preparado. Mas temos de nos unir, trabalhar no mesmo sentido.”
“É claro que acho que quando vimos a situação em Itália, poderíamos ter agido logo. Na Suíça, só em meados de março [13 de março] é que fecharam escolas e as universidades. Os média aqui, numa fase inicial, colocaram as pessoas em pânico e não reforçaram a ideia de que era importante lavar as mãos e evitar os aglomerados de pessoas. Todos, mesmo todos, deveríamos ter agido antes, mas pensamos sempre que só acontece com os outros.”