“Tinha pés maus para ballet”, começa por dizer Joana Gama à Renascença para explicar porque acabou a trocar a dança pelo piano. A pianista, que ficou conhecida por ter feito duas maratonas de várias horas a tocar Erik Satie, tem um novo disco que resulta da sua tese de doutoramento. “Travels in my Homeland” é um álbum que cruza as obras dos compositores portugueses Amílcar Vasques-Dias e Fernando Lopes-Graça com o universo literário de “Viagens na Minha Terra” de Almeida Garrett.
Em entrevista ao Ensaio Geral da Renascença, num programa que poderá ouvir esta sexta-feira depois das 23h, Joana Gama afirma que “este disco surge no seguimento do trabalho de doutoramento” que defendeu em 2017 na Universidade de Évora “sobre música contemporânea portuguesa para piano com relações com a cultura portuguesa”. Depois de vários recitais, a pianista nascida em Braga diz-nos que criou o reportório “que inclui o ciclo «Viagens na Minha Terra» de Fernando Lopes Graça e «Lume de Chão» de Amílcar Vasques-Dias, no fundo para dar uma visão de dois compositores do nosso país”.
Lopes Graça compôs por ocasião do “primeiro centenário de morte de Almeida Garrett” estas obras que Joana Gama agora interpreta. “No livro de Almeida Garrett temos uma pequena viagem de Lisboa a Santarém, no caso de Lopes Graça ele pega em dezanove melodias tradicionais portuguesas e faz uma adaptação para piano”. Quanto á obra de Amílcar Vasques-Dias, Joana Gama indica que o compositor pegou nas “memórias de infância que tinha no Minho, porque nasceu em Badim, em Monção e do seu presente no Alentejo, onde vive hoje”
A pianista que começou por fazer “ballet quando era pequenina, mas que depois como tinha pés maus para ballet” acabou por “esquecer a dança”, explica-nos contudo que “a dança acabou por vir ter” consigo passados uns anos, quando trabalhou com Tânia Carvalho com que fez o primeiro trabalho de artes performativas”. Joana Gama explica que “paralelamente aos concertos” tem mantido esse trabalho mais performativo
“Sinto-me abençoada” confessa a pianista que aguentou a maratona de 14 horas seguidas a tocar no palco do Grande Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian uma peça de Erik Satie. O feito já tinha tido outro exemplo semelhante em Viseu na iniciativa Jardins Efémeros onde também tocou horas a fio. “Não sabia como o meu corpo iria reagir”, recorda Joana Gama que explica: “Não sabia se passado uma hora iria ter de parar por alguma razão. Foi mesmo um salto no escuro”. Mas para a pianista esta prova atlética de música “fazia sentido” no seu percurso, porque queria “partilhar” aquela performance com o público.
A ideia de partilha é algo que a pianista repete no seu discurso constantemente. Joana Gama preocupou-se ao editar este seu novo disco, em também publicar as partituras das duas obras de Lopes Graça e Vasques-Dias com o Movimento Patrimonial da Música Portuguesa. Ajuda assim não só em fixar este legado, como permite que ele esteja assim acessível a outros músicos.
“É uma vida de constante descoberta” a que Joana Gama diz ter. “Os projetos em que vou estando envolvida surgem por vezes do acaso e das relações humanas e de trabalho que depois se tornam de cumplicidade e que fazem com que as coisas aconteçam de forma inesperada”.
A pianista explica-nos nesta conversa em estúdio que o novo disco “Travels in My Homeland” é o culminar de um trabalho com um reportório musical que está consigo há pelo menos 6 anos. Há para Joana Gama uma ideia de “amadurecer as peças em público” ao toca-las, uma ideia de que gosta em particular porque explica “nós temos uma vida muito frenética”, por isso gosta desta “lentidão”.
O disco “Travels in My Homeland” é agora editado pela Grand Piano e irá levar a música de origem portuguesa até à Holanda, onde será apresentado em concertos de 24 a 26 de maio.