"Não podemos criar uma miragem de que o IVA Zero significa baixar preços"
31-03-2023 - 17:38
 • Marina Pimentel

O arroz e o azeite são dois exemplos de como razões de mercado podem fazer subir os preços apesar da medida aplicada a 44 bens alimentares essenciais.

A descida dos preços dos bens alimentares essenciais na sequência da baixa do IVA para 0% é uma aposta do Governo na qual ninguém parece acreditar, incluindo Eduardo Oliveira e Sousa, presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), que adverte que o IVA Zero não significa baixar preços.

O representante da CAP, uma das duas entidades que assinou o acordo com o Governo, em nome dos produtores, explica no programa Em Nome da Lei que pode haver ainda custos de produção e fatores de mercado a determinarem a manutenção ou até a subida dos preços.

"Não podemos criar uma miragem de que o IVA 0% significa baixar preços, significa apenas gastar menos dinheiro que corresponde ao IVA. Se o preço aumentar, por outras razões, como seja haver ainda custos de produção ou haver mercado que puxe para cima o valor dos produtos, esse produtos vão chegar ao supermercado eventualmente mais caros do que na semana anterior, mas aliviados do valor do IVA.”

O arroz e o azeite são dois exemplos de como razões de mercado podem fazer subir os preços apesar da medida, explica Eduardo Oliveira e Sousa. Não pode, por isso, esperar-se um efeito automático de descida dos preços em razão da supressão do IVA sobre a lista de 44 bens alimentares no cabaz composto pelo Governo.

O deputado do PS Ivan Gonçalves reconhece que não há certezas de que o acordo assinado com os produtores e distribuidores vá conduzir a uma descida dos preços dos produtos incluídos no cabaz. Mas diz que a expectativa do Governo e do PS é que ele seja cumprido pelas partes que o assinaram.

"Queremos não apenas uma baixa do IVA, mas, mediante um acordo com os setores da produção e distribuição, garantir que a diminuição do IVA se reflita nos preços dos produtos e que sejam as famílias a beneficiar desta baixa do IVA. Agora, se é uma medida em que existe total certeza de que se possa repercutir? Claro que não. É por isso também que estão a ser criados mecanismos de fiscalização.”

O PSD concorda com a medida, mas duvida da sua eficácia. Vai, por isso, abster-se na votação final global no Parlamento, na próxima quinta-feira. O deputado Duarte Pacheco explica que os social-democratas preferiam dar aos portugueses mais vulneráveis um vale para compras ou então implementar uma descida do IVA para a generalidade dos bens alimentares.

"Ou a descida do imposto abrangia todos os alimentos, como já foi aqui dito, baixa para o escalão imediatamente inferior. Não seria tudo IVA 0%. Ou então a outra alternativa, que o PSD propôs: a distribuição de um vale utilizável exclusivamente para a compra de bens alimentares. Isso é perfeitamente concretizável, há empresas que dão o cartão refeição e os trabalhadores sabem que se forem à farmácia não podem usá-lo. Se forem comprar CDs não passa, mas já passa para fazer compras no supermercado.”

Já o economista Pedro Brinca defende que os 500 milhões de euros que deixarão de entrar nos cofres do Estado por causa da eliminação do IVA nos 44 tipos de bens alimentares deveriam ser aplicados em ajudas diretas aos três milhões de portugueses que efetivamente precisam de mais ajuda.

"Se vamos realmente querer gastar 500 milhões de euros a ajudar quem precisa -- porque é isso que se faz no combate à inflação, ajudar quem precisa e não ajudar todos de forma indiscriminada -- o caminho é outro."


"O que estamos a fazer é ajudar todas as famílias e dessa forma a desequilibrar ainda mais o equilíbrio entre a oferta e a procura e possivelmente a agravar o problema da inflação e a termos de manter possivelmente taxas de juro mais altas no futuro", ressalta o economista.

"Portugal conta pouco para esta matemática. Mas se todos os países da Europa fizerem o mesmo, temos aqui um grande problema. As taxas de juro ficarão mais altas durante mais tempo e temos inflação. A inflação é o maior inimigo dos pobres. Temos de ter isto em mente. Agora, se pegássemos nesses 500 milhões de euros e os dividíssemos pelos 3 milhões de pessoas que politicamente consideramos que são as pessoas merecedoras de apoios sociais, estamos a falar de 167 euros per capita ou, se a distribuição for por um milhão de famílias, que representam os 3 milhões de pessoas, estamos a falar de uma verba de 500 euros por família.”

O especialista no combate à inflação considera que a medida anunciada pelo Governo é má. E não acredita que resulte. Pedro Brinca antecipa que grande parte do corte de IVA vai ser engolido pelas margens de lucro dos hiper e supermercados.

"Eu se estivesse na distribuição e vendesse, o que que é que eu ia fazer? Eu sei que amanhã tenho um acordo de cavalheiros que quero honrar, eu sou uma pessoa de palavra e quero honrar, então o que eu vou fazer é aumentar hoje, para daqui a um mês poder voltar ao preço que estava e poder dizer que cumpri o acordo. Um acordo que não tem nenhuma cláusula sancionatória. Qual é a penalidade de não cumprir este acordo?”

Foi a pergunta que colocámos à ASAE, que fará parte da comissão de acompanhamento da aplicação da medida de 0% de IVA sobre 44 tipos de bens alimentares. Em resposta às perguntas colocadas pelo programa Em Nome da Lei, a Autoridade de Segurança Alimentar (ASAE) adianta que “os supermercados que não cumpram a lei serão objeto de um processo crime por especulação”.

A ASAE garante ainda que” tem os meios necessários para continuar a fazer a fiscalização e inspeção ao setor alimentar que iniciou em janeiro de 2022”, embora adiante que, com as novas regras, “terá de avaliar mais 22 tipos de produtos, além daqueles cujos preços de venda ao público já fiscalizava”.

A Deco, que esteve na dianteira da proposta de IVA Zero para os bens alimentares, alerta agora para a necessidade de haver uma fiscalização efetiva por parte da ASAE. Caso contrário, o diferencial do imposto acabará nos bolsos dos grandes grupos económicos.

A jurista Natália Nunes acredita que “se houver uma redução no preço do leite, no preço do pão, haverá um impacto positivo para as famílias que nos procuram”. Mas por outro lado alerta que será necessária “uma verdadeira fiscalização dos preços ao longo da cadeia".

"É verdade que nós, nos últimos tempos, temos assistido a alguma atuação da ASAE que a nosso ver é positiva. Mas exige-se muito mais. E temos algumas dúvidas de que a ASAE tenha capacidade para desenvolver essa fiscalização.”

O programa Em Nome da Lei, da jornalista Marina Pimentel, é transmitido todos os sábados ao meio-dia na rádio Renascença e está sempre disponível nas plataformas de podcast.