O 42º encontro europeu de Taizé (também chamado “encontro de inverno” ou “peregrinação de confiança sobre a Terra”) está a decorrer em Breslávia (em polaco Wroclav) até 1 de janeiro. É a terceira vez que é organizado naquela cidade: o primeiro foi em 1989, menos de dois meses depois da queda do muro de Berlim, ainda o país estava sob regime comunista, o segundo teve lugar em 1995, e o terceiro agora, em 2019.
Ao todo, e até hoje, já foram cinco os encontros que a comunidade monástica sedeada em França (e que reúne católicos e protestantes) realizou na Polónia, contando com os que decorreram em Varsóvia (1999) e em Poznan (2009).
O jornalista Marcin Zatyka é correspondente em Lisboa da agência de notícias da Polónia, já participou em inúmeros encontros e foi Taizé que o trouxe até Portugal, onde constituiu família. Em entrevista à Renascença fala desta experiência que “muda a vida”, pela espiritualidade, partilha e frugalidade. Conta como João Paulo II se inspirou nos encontros da comunidade ecuménica para criar as Jornadas Mundiais da Juventude, e não tem dúvidas de que no atual contexto de desvalorização da fé e de emergência climática, as propostas de Taizé de respeito pela natureza e de “viver com pouco” são mais atuais do que nunca.
Que importância tem este encontro europeu de Taizé decorrer na Polónia, e de novo em Breslávia? A primeira vez que aí teve lugar, em 1989, ainda vigorava o regime comunista.
Exatamente. Ainda há pouco tempo falei sobre isso com o irmão Alois, da comunidade de Taizé. De facto, em momentos decisivos aconteceram encontros em Breslávia. Nesse primeiro já havia um Governo praticamente democrático na Polónia, depois das primeiras eleições livres de junho de 1989, tinham começado a desmantelar o muro de Berlim e chegaram milhares de jovens da Europa Ocidental. Eu e outros colegas polacos, jornalistas de outras redações, recuperámos antigos relatos da televisão polaca, ainda comunista, sobre a preparação do encontro. Nem sabiam dizer o nome da comunidade francesa! Disseram que ia ser uma reunião de alguns estrangeiros, portanto não explicaram o que significava o encontro para os jovens cristãos que se iam reunir.
Podemos diz que o encontro de 1989 foi uma reunião de dois mundos, ainda com a cortina de ferro, embora já a cair, onde os cidadãos polacos tiveram a possibilidade de encontrar outros jovens cristãos do outro lado da Europa.
Depois em meados dos anos 90, quando a Polónia já assumia uma postura pró-europeia, tivemos outro encontro em Breslávia, organizado em pleno inverno, fazia muito, muito frio. Lembro-me de a temperatura ter chegado quase a 30 graus negativos! Mas, houve grande calor humano, e todos os participantes foram acolhidos pelas famílias na cidade.
Esse segundo encontro foi em 1995. Este agora, em 2019, que importância é que tem?
É outra geração.
E outro contexto político e social?
Político, social e especialmente tecnológico, porque hoje temos uma geração que tem muitas distrações, mas também tem uma grande procura e uma grande necessidade de silêncio. Porque todos temos um espaço interior que está muitas vezes vazio, ou preenchido com outras coisas fúteis. Nestes encontros há uma tentativa de preencher esse vazio.
Estes encontros de inverno não têm as mesmas características dos que decorrem mesmo na comunidade ecuménica de Taizé, em França, mas também são um desafio especial, que é no fundo convidar os jovens a passarem o ano a rezar. Isto pode não ser muito apelativo…
Não, e por isso estão de parabéns os 150 portugueses que estão a participar! De facto, as condições meteorológicas no inverno podem ser muito surpreendentes e deslocarem-se para outra parte da Europa pode ser complicado. Mas, para estas pessoas este vai ser um tempo que vai dar frutos, senão for durante o encontro, será provavelmente depois.
A minha própria experiência diz-me que numa grande cidade haver um espaço de silêncio, de oração, de encontro com outros jovens e com outras famílias, faz criar laços, e que isso tem consequências. Os irmãos de Taizé são realistas e dizem que esta forma de retiro é um bocadinho artificial: estamos dentro de uma grande cidade, temos de nos deslocar para as orações, para refeições, para as famílias. Mas, estamos à procura de algo, uma oração, uma ideia, um silêncio, que nos dará alguma coisa positiva depois.
E é mostrar que é possível fazer isso numa grande cidade?
Por isso os irmãos dão como uma das propostas “procurar sinais de esperança”, chamam assim. Há sempre workshops, onde as pessoas fazem alguma coisa para as outras pessoas, obras caritativas, mostram como podemos melhorar a vida dos que nos rodeiam. E depois ao voltar para casa não continuarmos sós, não vivermos à margem das nossas comunidades, mas envolvermo-nos e fazermos algo.
Estes encontros têm essas várias dimensões, da oração, da partilha, os workshops. Tudo enriquece quem participa?
É uma experiência um pouco cansativa, mas depois quando as pessoas chegam a casa conseguem ver de maneira diferente a sua realidade. Nos encontros os jovens são acolhidos em famílias, às vezes em espaços de dois metros quadrados – os irmãos convencem as famílias a receberem as pessoas assim –, portanto em condições muito simples, mas é nesta simplicidade que começamos a descobrir que na nossa realidade temos muita coisa…
É uma experiência que muda a vida?
É olhar diferente para a nossa própria vida, e também para as outras pessoas, as outras culturas, as outras nacionalidades, que no fundo têm problemas muito semelhantes aos nossos, um dia-a-dia também muito parecido, mas isto enriquece de qualquer forma.
Este encontro está a decorrer na Polónia, que era tradicionalmente um dos países mais católicos da Europa. Qual é a atual situação em relação ao catolicismo?
É como no resto da Europa, vemos que os jovens pouco a pouco afastam-se da Igreja. Há igrejas cheias e podemos dizer que, comparando com o resto da Europa, ainda há um número de vocações bastante grande, mas um estudo recente mostra que a ‘profissão’ de padre, por exemplo, é cada vez mais vista de maneira menos favorável.
Os irmãos de Taizé tentam chegar a pessoas que estão afastadas da Igreja, é para isso que servem estes encontros europeus, porque Taizé, a comunidade, vive a sua própria vida em França, mas estes encontros servem não só os participantes, mas as próprias pessoas que os acolhem. Eu participei em vários encontros europeus, e uma vez fui acolhido em Milão por um senhor que não tinha nada a ver com a Igreja, era ex-comunista, mas durante anos mantivemos contacto, com uma correspondência muito interessante.
São amizades que se criam?
Exatamente, apesar de outras ideologias...
Outros modos de viver.
E de olhar para o mundo. Cada um de nós tem uma experiência diferente da vida.
No teu caso participaste em vários encontros em Taizé, mas também em encontros europeus e internacionais?
E intercontinentais. Lembro-me do encontro na Índia, que foi muito enriquecedor para mim. Por acaso fui lá com um grupo de amigos de Portugal, e foi uma realidade que me abriu os olhos para a pobreza mundial. Vivi perto do local onde trabalhava a Madre Teresa de Calcutá, um sítio de uma pobreza extrema, e depois de chegar a casa e ver muitas coisas positivas… Serviu para a vida!
Muitas vezes temos uma atitude crítica em relação ao que temos, e especialmente ao que não temos, mas há pessoas que têm muito menos e têm uma postura mais otimista do que nós, uma postura de silêncio interior, de coerência.
Muitas vezes ouvimos que os jovens estão revoltados, mas sempre foram. Hoje em dia os jovens procuram coerência, e Taizé é isso que oferece. Esta popularidade dos irmãos e da comunidade de Taizé sai desta convicção de coerência. Os irmãos vivem em condições bastante simples, mas todos os anos do que ganham com a venda dos seus discos de música, dos seus trabalhos manuais, de pintura, escultura, de talheres feitos de barro, dos livros, conseguem mandar uma parte para o mundo pobre. Uma vez mandaram toneladas de milho para a Coreia do Norte, numa altura de grande crise de fome naquele país.
Neste momento em que falamos tanto de alterações climáticas, o modo de vida simples e com pouco da comunidade de Taizé pode ser um bom exemplo?
Sim, exatamente, o viver com pouco. Tivemos recentemente a cimeira climática COP 25, em Madrid, e não há soluções porque os maiores países, os que poluem mais, não querem participar nas soluções globais nem políticas, e são especialmente países da Ásia, a Índia, a China, a Rússia. Esta atitude de viver com pouco, com coisas simples, é muito positiva para os jovens.
A Igreja Católica da Polónia esteve muita empenhada na organização deste encontro em Breslávia?
Muito empenhada. E são mais de 100 paróquias que estão a acolher pessoas, houve muito envolvimento dos párocos, e acredito que as famílias polacas que os estão a receber também vão receber algo destes jovens e vão ter possibilidade de partilhar. E também pode ser muito frutífero para os ucranianos que vivem em Breslávia.
São muitos?
Sim. Especialmente depois da guerra ter começado na Ucrânia, depois da invasão e ocupação da Crimeia pela Rússia, muitos ucranianos deslocaram-se para a Polónia, e neste momento há mais de um milhão de ucranianos a viver no país. Breslávia é uma das cidades onde os ucranianos têm as suas comunidades. Muitos estarão certamente a participar no encontro, o que cria uma oportunidade de rezar em conjunto, católicos e ortodoxos, e entenderem-se e tentarem conhecer-se melhor.
Para a Europa pode ser também um sinal positivo?
Já é um sinal positivo.
Estamos numa Europa em que a dimensão da fé e da religião é cada vez mais desprezada.
Sim, mas um sinal positivo por exemplo é que entre os 20 mil participantes neste encontro temos mil voluntários, o que significa que muitas pessoas não quiseram ficar à margem do encontro. Cheguei a falar com algumas pessoas da Câmara Municipal de Breslávia, e apesar de serem funcionários - que normalmente associamos àquele formalismo “sem alma” – participaram nas várias reuniões e envolveram-se muito.
O encontro está ainda a decorrer (termina dia 1 de janeiro). Aos jovens que tenham vontade de participar noutros anos, que mensagem é que deixas? Vale a pena arriscar?
Vale a pena, e preparem-se para o encontro em Lisboa, porque este encontro em Breslávia é uma preparação para as Jornadas Mundiais da Juventude (JMJ).
Há uma coisa interessante, de que poucas vezes se fala, mas as JMJ de facto têm a sua fonte nos encontros de Taizé. O primeiro foi em 1968 em Paris, e os encontros foram depois ganhando dimensão. Claro que nos anos 70 e 80 não foi possível convidar jovens do outro lado da ‘cortina de ferro’, mas o interessante foi que três dos encontros europeus dos anos 80 foram organizados em Roma, e o Papa João Paulo II, que era polaco, ficou tão entusiasmado que começou a organizar as Jornadas Mundiais da Juventude...
Foi aí que se inspirou?
Foi, portanto podemos dizer que uma coisa se encaixa na outra! Estes 150 portugueses, especialmente do Norte, do Porto, mas também de Lisboa, que participam no encontro de Breslávia podem inspirar-se para dinamizar depois as suas paróquias e fazer algo cá para as JMJ.