Em outubro passado, um movimento espontâneo de profissionais de enfermagem lançou a ideia de "greves cirúrgicas" (isto é, inviabilizando cirurgias programadas no Serviço Nacional de Saúde). Esses enfermeiros lançaram também o projeto de um "fundo solidário", para compensar os grevistas. O fundo receberia ajudas financeiras de quem quisesse apoiar a luta dos enfermeiros - é o método conhecido por “crowdfunding”. Dois sindicatos emitiram pré-avisos que deram corpo à greve: Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal e Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros.
Depois de temporariamente suspensa, esta greve voltou, porque as negociações dos enfermeiros com o governo não resultaram. O “fundo solidário” recolheu entretanto quantias significativas.
Muita gente que é democrata e defende o direito à greve criticou esta paralisação, sobretudo por causa dos enormes incómodos e riscos que este adiamento de cirurgias, adicional às listas de espera, provoca a inúmeros utentes do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Assim, paira na sociedade uma condenação das greves cirúrgicas, de teor sobretudo moral. Por isso há semanas que se fala na hipótese de o governo lançar mão de uma requisição civil e/ou de recorrer à via judicial.
Mas, como tantas vezes acontece, os juristas dividem-se quanto à legalidade de medidas dessas. A ministra da Saúde terá pedido um parecer jurídico ao Ministério Público sobre o caso.
Na sexta-feira, porém, o primeiro-ministro António Costa não manifestou quaisquer dúvidas. "Aquilo que é o exercício da atividade sindical, o que é o exercício legítimo do direito à greve", disse, não deve ser confundido "com práticas que não são greves cirúrgicas, mas sim greves selvagens, que visam simplesmente atentar contra a dignidade dos doentes, contra a função do SNS e que são absolutamente ilegais".
Costa disse ainda que o governo irá recorrer a todos os meios legais ao seu alcance “para impedir que haja a prática do recurso ilegal à greve e o abuso dos direitos que prejudica os doentes".
É estranho que tenham passado três meses durante os quais o primeiro-ministro praticamente se alheou deste drama - e agora foi totalmente assertivo. Se tem razão o primeiro-ministro que falou há três dias, porque se esperou tanto tempo para travar greves ilegais? Ter-se-ia evitado muito sofrimento se o governo tivesse – a tempo - estudado, ou mandado estudar, estas greves. Mas se A. Costa for desmentido, por exemplo, caso o Ministério Público ou os tribunais considerem legais as greves cirúrgicas, a autoridade do primeiro ministro fica seriamente abalada.