Longe vai o tempo em que o episódio em torno da Caixa Geral de Depósitos e das mensagens para lá e para cá com António Domingues quase chamuscaram Mário Centeno e o arredavam do governo sem o próprio querer.
Agora, o ministro das Finanças já não esconde que não quer continuar no cargo e, no verão deste ano, começou a circular com frequência que poderia nem fazer um segundo mandato no governo ou que cumpriria as funções apenas por um período muito curto.
É sabido que a pasta é de alta rotação, especialmente desgastante e à Renascença é confirmado por fonte socialista que será "muito difícil" Centeno continuar. "Não fará novo Orçamento do Estado", acredita a mesma fonte.
As peças, de resto, começam a encaixar-se e o "somos todos Centeno" está em crise ou parece já ter tido melhores dias. O caso mais exemplar é o do próprio primeiro-ministro, nos últimos dias, a criticar a proposta do presidente do Eurogrupo para o orçamento da zona euro, considerando-a "mal desenhada".
Na rede social Twitter, António Costa bem tentou garantir "que não há qualquer divergência" entre ele e o ministro das Finanças (que também é presidente do Eurogrupo) e que o orçamento da zona euro "tem mobilizado ativamente" o governo português.
Não é por isso de estranhar que, muito objetivamente, a mesma fonte socialista garanta que Costa e Centeno "andam à cabeçada”.
O ministro das Finanças parece, aliás, estar a correr em duas pistas, ambas com um cargo europeu na meta. Por um lado, haverá a possibilidade de continuar como presidente do Eurogrupo e, sendo assim, terá de continuar a ser ministro das Finanças. Mas, por outro, Centeno gostaria de substituir Carlos Costa como governador do Banco de Portugal e, a partir daí, lançar-se numa nova maratona para o Banco Central Europeu.
Para ambas as corridas, precisa de apresentar boas contas e o Orçamento para 2020 com o primeiro excedente orçamental da democracia será mais uma linha no seu currículo, ainda que na oposição, nos antigos parceiros de “geringonça” e até no PS se questione a necessidade de ter um excedente em vez de reforçar os serviços públicos.
Centeno parece, curiosamente, ter agora um aliado em Marcelo Rebelo de Sousa, o Presidente da República que quase pediu a sua cabeça no caso António Domingues-CGD. Marcelo, ainda que defenda um reforço orçamental na Saúde, tem defendido a bondade de ter um Orçamento do Estado com excedente e, este fim-de-semana, até fez questão de vir desdramatizar as divergências públicas entre o primeiro-ministro e o ministro das Finanças em matéria de orçamento europeu.
Divergências na Função Pública e na Saúde
Outra fonte socialista faz notar à Renascença que a posição férrea do ministério das Finanças nas reuniões com os sindicatos "coloca em causa o que Costa disse sobre a valorização dos salários”.
Ou seja, o próprio discurso do primeiro-ministro, antes e mesmo depois da campanha eleitoral para as legislativas, não cola com a atitude, aparentemente, inflexível do secretário de Estado do Orçamento, João Leão, que garantiu aos sindicatos que não iria além do aumento de 0,3 por cento dos salários na função pública.
Aquela mesma fonte nota aqui "uma inversão" de discurso e salienta, sobretudo, que no Ministério das Finanças se está a adotar o tom de "que vem aí o diabo", vendo nisso uma "intenção deliberada" de "não querer olhar ao que o país já passou".
Ora, é de registar que o primeiro-ministro sempre fugiu dessa posição catastrofista das finanças públicas, anunciando, por várias vezes, "o fim da austeridade", deixando no ar a questão se tudo isto se trata da típica encenação do polícia bom (António Costa) e do polícia mau (Mário Centeno) ou de uma tremenda divergência de fundo entre ambos.
Certo é que o ministro das Finanças continua a controlar com mão de ferro os dinheiros públicos e isso ficou cristalino nas negociações dentro do governo para abrir os cordões à bolsa e dar de bandeja 800 milhões de euros para o Serviço Nacional de Saúde (SNS). Uma das fontes contactadas pela Renascença garante que "o dinheiro para a saúde teve de ser tirado a ferros”.
A expectativa agora é saber como é que Centeno vai resolver casos orçamentais delicados, por exemplo, o do Ministério da Administração Interna que precisa de dinheiro como de pão para a boca para responder às reivindicações das forças de segurança, tendo em conta que há uma nova manifestação da PSP e da GNR prevista para 21 de janeiro, com o Movimento Zero à espreita.
Apesar de os colegas de Governo continuarem a olhar para o ministro das Finanças como o controleiro dos dinheiros públicos, a verdade é que neste Governo Centeno, apesar de ter passado a ministro de Estado, desceu um lugar na hierarquia e perdeu tutelas. Entre elas a da Função Pública, que passou para Alexandra Leitão, a nova ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública.
A isto acresce o novo decreto sobre parcerias público-privadas, que retira das Finanças a primazia do controlo das PPP. Ainda mais recentemente, o próprio primeiro-ministro chamou a si o controlo da venda de imóveis do Estado, retirando a Centeno a decisão sobre o que fazer ao património imobiliário. E o ministro não terá gostado de perder poder de controlo.
Ver Centeno pelas costas
"Deixar a casa arrumada". É como uma das fontes socialistas define a atuação do ministro das Finanças. Manter mão de ferro até ao fim, "levar por diante a estratégia base de excedente orçamental", manter a popularidade em alta, sair em alta e "deixar a casa arrumada".
Ora, mas se Mário Centeno não quer ser ministro das Finanças, como parece ser cada vez mais claro, há quem queira (muito) o lugar.
Fernando Medina é um deles. Embora tenha dito na Renascença que se vê "a ser presidente da Câmara com imenso gosto" e que é o que gosta "de fazer", fontes garantem que o autarca de Lisboa "quer muito" ser ministro das finanças, mas que "Costa não está para aí virado".
Fazer desviar Fernando Medina da Câmara de Lisboa para a pasta das Finanças iria criar um problema na própria autarquia. A mesma fonte salienta que eleitoralmente a número dois de Medina é a vereadora da habitação, Paula Marques, do movimento Cidadãos Por Lisboa, ou seja, nem sequer é uma socialista.
Medina, formado em Economia pela Universidade do Porto, poderia sair, suspendendo ou renunciando ao mandato, mas a saída é vista nestes termos como um problema, sendo que João Paulo Saraiva o atual vice-presidente da câmara e o "homem que trata das contas" é, também ele, do movimento Cidadãos Por Lisboa, eleito nas listas do PS.
Fonte socialista lamenta a saída definitiva de Duarte Cordeiro da autarquia para assumir a secretaria de Estado dos Assuntos Parlamentares, referindo que "renunciou, quando podia ter suspendido" o mandato.
Há outro socialista que "quer muito" ser ministro, segundo a mesma fonte. Trata-se de Ricardo Mourinho Félix, o atual secretário de Estado Adjunto e das Finanças, homem de mão do próprio Centeno, é tido como tecnicamente muito preparado e com uma vantagem. É que, segundo nos é garantido, "Costa gosta dele" e isso é dado como "muito importante”.
Se Mário Centeno sair, de facto, do governo pode sempre regressar ao Banco de Portugal (BdP), visto que é lá quadro. Se sair a bem com António Costa pode até sonhar com o eventual cargo de governador do BdP, substituindo Carlos Costa. Se sair a mal com o primeiro-ministro, a imaginação é livre.