Os trabalhadores da TAP manifestam-se hoje contra os violentos cortes nos empregos, nos vencimentos e nos aviões da empresa. Essas medidas de emagrecimento da companhia vêm tarde – se tivessem sido tomadas uns anos mais cedo, seriam certamente menos severas.
Em maio deste ano o ministro Pedro Nuno Santos disse que a dívida da TAP ascendia a 3,3 mil milhões de euros (contando com os contratos de “leasing”). No mês seguinte a Comissão Europeia (CE) aprovou o apoio do Estado português de 1.200 milhões de euros à TAP, para responder a "necessidades imediatas de liquidez". Mas com condições para o seu reembolso: a TAP terá de obter resultados operacionais positivos em 2023 e gerar retorno para pagar dívidas em 2025. O Orçamento do Estado para 2021 prevê ainda a injeção de mais 500 milhões de euros na TAP.
Há dias soube-se que nos primeiros nove meses deste ano a TAP registou 700 milhões de euros de prejuízo. Dir-se-á que, por causa da pandemia, que reduziu brutalmente o número de viagens aéreas, todas as companhias de aviação sofreram prejuízos. Só que os prejuízos da TAP não são apenas os de agora – vêm muito de trás.
A empresa só teve lucros estáveis quando tinha acesso privilegiado às então colónias. Depois disso, ou seja, depois de 1974, os anos com lucro passaram a ser exceções.
Ora ainda não se conhece o plano de reestruturação da TAP. Como será que uma TAP mais pequena dará lucros, nomeadamente aqueles que a CE exige? Podem avançar-se os números que se quiserem, mas fundamentá-los será extremamente difícil.
Desde logo, porque ninguém sabe quando a pandemia nos deixará em paz. E, mesmo depois disso, é altamente incerto quando voltarão os turistas a viajar de avião nas quantidades maciças anteriores à covid19. Acresce que a TAP no passado não conseguiu estabelecer uma ligação com outra companhia aérea de bandeira, apesar das tentativas feitas. Ligações que várias empresas europeias de aviação fizeram.
Claro que fechar uma companhia de bandeira como ainda é a TAP implica inúmeros inconvenientes, para os trabalhadores da empresa e para o país. Mas a perspetiva de a TAP se tornar em mais um monumental e prolongado sorvedouro de dinheiro dos contribuintes é aterradora. Aguardam-se explicações.
P.S. A propósito das posições contraditórias que Portugal tomou quanto a condicionar fundos europeus ao respeito pelo Estado de direito, que aqui comentei na coluna anterior, A. Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros, apresenta no jornal “Público” de ontem uma pretensa justificação, negando quaisquer contradições. O texto é ilustrado por uma foto do primeiro-ministro, mas nele não surge qualquer referência a A. Costa.
Não é por acaso: é porque não se pode negar que, a propósito de um encontro com o primeiro-ministro da Hungria, António Costa defendeu que se deveria separar a questão do Estado de direito da concessão de fundos europeus. No mesmo jornal de ontem lembra o eurodeputado Paulo Rangel: “Não há como iludir. Antes da cimeira de 17 de julho, ao lado de Orbán, o primeiro-ministro foi categórico: o Estado de direito não deve condicionar os fundos europeus”.