A confiança do público no jornalismo já teve melhores dias. Um inquérito da Gallup, nos Estados Unidos, mostra que a confiança dos norte-americanos nos media bateu num mínimo histórico – apenas 11% dos inquiridos manifestam ter “bastante confiança” nas notícias na televisão.
Já o Digital News Report de 2022, do Instituto Reuters para Estudos de Jornalismo, o mais abrangente estudo sobre consumo de notícias, mostrou que apenas quatro em cada 10 pessoas (42%) confiam na maioria das notícias na maior parte do tempo.
A falta de confiança nas notícias mereceu, esta quarta-feira, a reflexão de um painel de jornalistas de dados na Web Summit, que decorre no Parques das Nações, em Lisboa.
A jornalista Julia Angwin, co-fundadora da plataforma sem fins lucrativos especializada em jornalismo de dados “The Markup”, diz ter encontrado no jornalismo de dados uma luz ao fundo do túnel para a falta de confiança das pessoas nos media.
“Se pudermos mostrar os dados que temos e como os analisamos podemos voltar a ter a confiança das pessoas”, considerou a jornalista, durante a conferência “How Data Reporting is Changing the News”, durante a Web Summit 2022.
Falta um “método científico no jornalismo”
Julia Angwin, que além de jornalista tem uma licenciatura em Matemática, considera que faz falta um “método científico no jornalismo” para libertar os jornalistas do “mito da objetividade”.
“O jornalismo podia aprender imenso com o método científico. Quando pensas no método científico, tens de arranjar uma hipótese. Na verdade, o que fazemos é provar que algo é real”, considera.
Da mesma forma, no jornalismo, o mais importante é escolher uma hipótese e procurar prová-la. “Escolher que história vais perseguir já é uma escolha. Chegamos a uma hipótese e procuramos analisar os dados”, diz a jornalista.
A jornalista do "The Markup" dá um exemplo de uma hipótese da qual partiu para uma investigação: “será que a Google está a dar preferência aos seus próprios produtos na pesquisa?”. Julia recorda que, em 2020, toda a gente tinha a teoria de que a Google fazia isto, mas ninguém tinha realmente medido os dados.
Partindo desta hipótese, a investigação do Markup provou que a Google dava a si mesma 41% do espaço na primeira página dos resultados de buscas.
No ano seguinte, a mesma publicação provou que a Amazon fazia o mesmo.
“A nossa função é apresentar a informação necessária para podermos ter essa discussão”, considera a jornalista de dados.
Julia lembra ainda a importância de incluir fontes e notas científicas importantes em artigos jornalísticos.
“Fazemos um artigo e outro separado só para nerds onde colocamos uma lista massiva de referências, notas e dados”, explica. “No primeiro dia essa notícia tem menos cliques, mas com o tempo, esses artigos têm mais tráfego.
Lei europeia que obriga tecnológicas a mais transparência é "gigante passo em frente"
Um dos grandes desafios do jornalismo de dados é a opacidade das grandes tecnológicas no que toca a acesso a dados. Julia Angwin revela que é particularmente difícil conseguir dados sobre o Facebook – por isso, quando trabalhava na ProPublica, passou um ano e meio a tentar convencer utilizadores a instalar uma extensão para o Chrome que analisava os seus perfis e mostrava as categorias de interesse a que estavam associados. Um projeto que custou um milhão de dólares.
A investigação conseguiu provar, entre outras coisas, que a plataforma permitia aos anunciantes imobiliários excluir utilizadores com base na sua raça.
Mas o panorama parece estar a mudar. Julia Angwin confessa-se entusiasmada com a Lei dos Mercados Digitais aprovada pelo Parlamento Europeu no último verão, que entrou em vigor esta semana. Esta lei vai obrigar as grandes tecnológicas a abrir as suas plataformas a investigadores.
A diretiva exclui jornalistas, mas é aberta a quem tenha afiliação académica.
“É um gigante passo em frente”, disse a jornalista. “A Meta tem sido muito resistente a abrir-se a investigadores externos”.
Ainda assim, deixa um desabafo: “quem me dera que fosse aberto a jornalistas”.
Alan Rusbridger, ex-editor do Guardian, trabalha no Conselho de Supervisão do Facebook, um órgão independente ao qual os utilizadores podem recorrer se discordarem das decisões sobre conteúdo no Facebook ou Instagram - uma espécie de "provedor do utilizador".
“Estamos numa posição privilegiada em que podemos pedir coisas, enviar questões”, disse o ex-jornalista na Web Summit, que ainda assim, confessa: “era melhor que eles fossem mais colaborativos”.