A Associação Portuguesa de Direito da Insolvência e da Recuperação (APDIR) apela a uma maior abertura dos credores à renegociação das dívidas das famílias, especialmente antes de entrarem em incumprimento.
Na semana passada, o Ministério da Justiça revelou existir um aumento de 14,6% nos processos de insolvência em tribunal no segundo trimestre de 2022. Dos 2.038 casos, 81,3% correspondem a pedidos de particulares.
Em 2007, de acordo com a Direção-Geral da Política de Justiça (DGPJ), a proporção de particulares - ou seja, famílias - no total de processos de insolvência não atingia os 20%.
Em declarações à Renascença, Paulo Valério, presidente da APDIR, diz que o aumento do número de falências de famílias é uma consequência "natural" da atual situação económica.
"O aumento dos custos de vida das pessoas, dos créditos à habitação, o difícil acesso a bens essenciais, como a energia ou bens alimentares têm causado uma pressão enorme nas famílias. Naturalmente, acaba por ter um impacto na capacidade das famílias cumprirem com o pagamento das suas dívidas", explica.
Com as previsões negativas da economia a pairarem sobre os próximos meses, o dirigente não tem dúvidas de que será "inevitável" que mais famílias recorram à insolvência nos tempos que se avizinham.
"As pessoas vão sentir uma pressão cada vez maior naquilo que é o seu orçamento familiar e, no momento em que já não têm condições para honrar a generalidade dos compromissos e até começarem a sentir pressão da própria banca ao cobrar as prestações dos seus créditos, é natural que a muitas famílias não reste outra alternativa que não seja apresentar insolvência."
Neste sentido, o presidente da APDIR pede uma maior flexibilidade dos credores bancários na possibilidade de renegociação das dívidas das famílias.
De acordo com Paulo Valério, os bancos têm tido "lucros extraordinários ao longo dos últimos anos", apesar de "a economia estar a sofrer os efeitos da pandemia e da guerra", pelo que se torna necessário apelar à "responsabilidade social" dos credores.
"Para que, nesta fase, possam estar disponíveis para negociar e para evitar que muitas famílias recorram a uma solução de último recurso, como é a insolvência."
Segundo o dirigente, "o sistema bancário, neste momento, está numa situação relativamente confortável, porque teve muitos anos para corrigir problemas que tinha nos seus balanços". "Tem também muitas operações de crédito financiadas com garantias públicas, que impactam diretamente os bolsos dos contribuintes."
Logo, Paulo Valério considera que "talvez os bancos não estejam ainda com uma pressão suficiente, do ponto de vista do incumprimento, para encararem este problema como um problema deles e não só das famílias".
"Renegociar com as famílias é uma forma de receber uma parte dos seus créditos. Nem sempre o melhor caminho é a insolvência, porque há uma grande probabilidade de [os insolventes] não pagarem nenhuma das suas dívidas ao setor bancário", frisa.