“Temos de aprender a habitar a terra de outra maneira”, defende o professor universitário Viriato Soromenho-Marques em entrevista à Renascença e agência Ecclesia.
No momento em que se assinalam os cinco anos da encíclica “Laudato Si”, o filósofo e ambientalista diz que a pandemia “resulta do facto de não termos respeitado o espaço existencial de outras espécies”.
Sugere que uma das lições da atual crise é que temos de fazer um esforço na procura de “uma economia completamente diferente”, como aponta a encíclica papal.
O professor universitário adverte que estamos perante “uma guerra pelo futuro, uma guerra pelos nossos filhos e netos”.
Viriato Soromenho-Marques deixa a interrogação: “será que é mais importante alimentarmos uma elite de super-ricos, que têm uma vida numa riqueza absolutamente pornográfica, obscena?” E de entre o conjunto de perguntas, sobressai ainda uma outra: “será que não temos capacidade moral e ética para dizer basta?”
O ambientalista admite que “toda a ação do Papa Francisco, que pela sua coragem, lealdade com a Humanidade, não apenas com os católicos, acaba por gerar muitos anticorpos dentro da própria Igreja Católica”, mas defende que “dizer que esta economia mata não é um insulto”.
Soromenho-Marques considera que a expressão utilizada pelo Papa “é uma simples fotografia de uma economia que transforma complexidade em simplificação, que transforma uma atmosfera saudável numa atmosfera que está a alterar o clima, que substitui a plenitude da diversidade biológica por paisagens completamente uniformes, que destrói a diversidade das florestas por monoculturas de produção, que depois provocam incêndios. E que, depois, no fundo, leva tantos milhões de seres humanos a viver na pobreza e no lixo”.
Saída da pandemia deve "incentivar resposta à crise ambiental”
O catedrático diz que “estamos a habitar a terra como se ela nos pertencesse” e afirma que “o problema é o da organização coletiva, da governação”, que é também um dos temas centrais da “Laudato Si”.
“O que está mal aqui é a forma como nós estamos a habitar a Terra. Nós estamos a habitar a terra como se ela nos pertencesse. Mais, nós habitamos a terra como não habitamos as nossas casas: que eu saiba, nas nossas casas, não partimos as portas, destruímos a mobília, deixamos os resíduos ficar nos sítios onde dormimos ou onde comemos. E nós estamos a fazer isso, na Terra. O problema é o da organização coletiva, da governação, que é um dos temas centrais da ‘Laudato Si’. Como é que nós vamos governar esta casa comum”, refere o ambientalista.
Neste contexto, alerta que “será do interesse de todos e de cada um que a saída da pandemia incentive a resposta à crise ambiental e climática”.
O ambientalista defende que “o que está em causa é a própria imagem de nós mesmo como seres humanos” e pergunta se seremos capazes “de reinventar a forma como fazemos a nossa economia, e como habitamos o nosso planeta”.
Viriato Soromenho-Marques pede “coragem para este desafio”, pois está em causa o futuro de gerações.
“Quando os hospitais fecham é a crença numa sociedade civilizada que está em causa”
Num breve olhar sobre as consequências da pandemia, recorda que nem todos foram capazes de reagir atempadamente à crise, e reconhece que “na Europa todos chegamos tarde” embora “alguns países tenham sido capazes de antecipar para evitar remediar”.
“O custo da remediação é um custo muitíssimo elevado, como estamos a ver nos EUA, no Brasil, em que não é só o número de vítimas, é a própria noção do Estado funcional, um Estado que respeito os seus cidadãos, que os defende, que está em causa.”
“Quando os hospitais fecham, como está a acontecer no Brasil porque já não conseguem dar resposta, é a crença numa sociedade civilizada que está em causa”, sublinha Viriato Soromenho-Marques, que formula a vontade de que se aprenda “com esta situação” para “mobilizar as nossas energias para fazer uma longa guerra pela vida, uma longa guerra pelo melhor de nós”.
Viriato Soromenho-Marques defende que “a pandemia criou um quadro de transição” e lembra que, “neste momento, cada indivíduo tem uma responsabilidade especial”, porque “o que é mais difícil – e isto é um desafio moral -, porque exige uma grande autoconsciência, não são as guerras contra os outros, são as guerras que travamos dentro de nós próprios: entre o melhor de nós, que muitas vezes vive esmagado, a melhor voz de nós e a pior voz de nós”.
“Neste momento, coletivamente, temos a pior voz de nós, que está a bloquear o futuro. Temos de deixar que a nossa melhor voz seja poderosa, tenha músculo suficiente para travar esta guerra que vai demorar muitos anos e da qual só podemos sair vitoriosos”, conclui o ambientalista.