A ministra da Cultura atribuiu este domingo em Belgais, Castelo Branco, a Medalha de Mérito Cultural à pianista Maria João Pires, destacando o seu “serviço de exceção” na divulgação cultural e a sua “entrega à música”.
"Esta medalha simboliza um compromisso do Governo com as artes e uma aproximação entre as políticas públicas para a Cultura e aqueles que, através do país e ao longo do tempo, prestaram um serviço de exceção na ação e divulgação cultural em Portugal", afirmou Graça Fonseca.
A governante, que falava durante a atribuição da Medalha de Mérito Cultural, no Centro Belgais para o Estudo das Artes, em Escalos de Baixo, explicou que foi com Maria João Pires que aprendeu não apenas a gostar, mas, fundamentalmente, "a serenar e a sonhar a vida ao som de música clássica".
"É, pois, com enorme sentimento de humildade e de gratidão que hoje aqui estou - como pessoa, mas também com um imenso orgulho por aqui representar o Governo português neste momento, tão simbólico como relevante, de reconhecimento e agradecimento pelo talento extraordinário e pela entrega à música", sustentou.
Graça Fonseca sublinhou que a entrega da distinção à pianista "é um privilégio maior" após o recital "De Budapeste ao Delta", do ciclo de concertos "O Fio de Danúbio", em Belgais.
"Este é verdadeiramente um espaço de cultura, no sentido mais amplo que a ideia consegue conter, com um cariz pedagógico e social a complementar este lugar da e para a música. E é este, também, o sentido abrangente que a ideia de cultura ganha na carreira, no trabalho e no exemplo de exceção de Maria João Pires, numa vida dedicada à música, que este espaço tão bem exemplifica", declarou.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, esteve também na cerimónia, mas não prestou declarações.
Segundo a ministra da Cultura, há um amplo sentido na atribuição desta medalha, ou seja, este reconhecimento é encarado como um “poder-dever, no sentido de que, sendo uma atribuição do Governo, ela não corresponde apenas ao mérito que pretende traduzir, mas também ao cumprimento de um imperativo de memória e de aproximação".
A governante realçou que cada nome que é homenageado eleva a cultura portuguesa, deixando, como Maria João Pires, um registo inapagável.
"É também um gesto de agradecimento do Governo português a Maria João Pires por uma vida dedicada à música, à sua interpretação, premiada e distinguida com o consenso tanto da comunidade artística como do público", concluiu.
Maria João Pires promete “tudo fazer” para merecer a Medalha de Mérito Cultural~
A pianista Maria João Pires afirmou hoje que não sabe se mereceu no passado a Medalha de Mérito Cultural, com que foi agora distinguida, mas prometeu tudo fazer para a merecer no futuro. "Quero agradecer esta medalha [Mérito Cultural], mas queria agradecer-lhe a medalha para o futuro. Eu não sei se a mereci no passado, mas vou fazer tudo o que posso para a merecer no futuro", afirmou a pianista portuguesa.
A pianista, visivelmente emocionada com a distinção, recordou que Belgais existe para fazer um trabalho útil e construtivo para a sociedade e para as novas gerações, como forma de usar e fazer arte, "para que o mundo seja melhor e as pessoas mais felizes". "Nós somos um laboratório em Belgais, na medida em que tudo o que fazemos é um pouco experimental e isso precisa muito, não do reconhecimento, mas de as pessoas acreditarem. A vossa presença foi essencial aqui e é muito importante para nós", concluiu.
Maria João Pires, de 74 anos, criou em 1999 o Centro Belgais para o Estudo das Artes, em Escalos de Baixo, Castelo Branco, um projeto educativo, pedagógico e cultural, com impacto na região, que chegou a ter o apoio do Ministério da Educação. Dez anos depois, em 2009, o centro encerrou alegando na altura uma "difícil situação económico-financeira".
No ano passado, o projeto foi renovado e reativado como Centro de Artes de Belgais, disponibilizandoe retiros musicais, espaço para atuações e oficinas de música. Há ainda uma valência de alojamento e de produção de azeite, como se lê na página oficial.
Ao longo da última década, a pianista admitiu algum cansaço e intenção de se retirar dos palcos, embora tenha feito algumas atuações, sobretudo fora de Portugal.
Maria João Pires nasceu em Lisboa, a 23 de julho de 1944. É a mais internacional e reputada das pianistas portuguesas, com um percurso artístico que remonta a finais dos anos 1940, quando se apresentou pela primeira vez em público, aos quatro anos. Entre os prémios conquistados pelo talento artístico contam-se o primeiro prémio do concurso internacional Beethoven (1970), o prémio do Conselho Internacional da Música, pertencente à UNESCO (1970), e o Prémio Pessoa (1989).
Em 2010, numa entrevista ao jornal Evening Standard, de Londres, declarou que "gostaria de se poder retirar". "Já toquei muito. Toquei durante 60 anos, e acho que é demais."
Nessa entrevista ao jornal britânico, Maria João Pires garantiu que mantinha "o mesmo entusiasmo pela música", que continuava a gostar de tocar, embora sentisse uma mudança de atitude: "Eu não gosto de estar no palco - eu nunca gostei - mas uma coisa é não gostar, outra é não conseguir lidar com isso. Não estou a lidar bem com isso agora. Uma vez que comece a tocar, é o mesmo de antes, mas depois sinto-me muito mais cansada, porque é tão exigente - não física, mas psicologicamente".
Pianista admite que esteve zangada com Portugal
A pianista Maria João Pires admitiu hoje que esteve "simplesmente zangada" com o país mas que não é preciso fazer as pazes porque as coisas resolvem-se por si próprias.
"Eu nunca estive não reconciliada. Eu estive simplesmente zangada [com Portugal]. Não é preciso fazer as pazes, as coisas resolvem-se por si próprias", afirmou a pianista à margem da cerimónia de atribuição da Medalha de Mérito Cultural, por parte do Ministério da Cultura, que decorreu no Centro de Belgais, em Escalos de Baixo, Castelo Branco.
Maria João Pires disse que não estava à espera desta distinção e admitiu mesmo que ficou surpreendida.
"Não estava de todo à espera. Fiquei surpreendida e fiquei muito feliz, na medida em que eu vejo um futuro para Belgais”, disse a pianista, considerando ainda a presença da ministra da Cultura “um incentivo enorme para continuar a lutar e chegar ao objetivo".
"A forma de se promoverem as artes está num impasse e tem que haver um lugar em que se experimentem novas formas que sejam úteis para as pessoas. Belgais é um laboratório. Há muitos no mundo e em Portugal, também. Sinto que posso e tenho a capacidade de colaborar com todas as pessoas que queiram encontrar soluções", considerou Maria João Pires.