O professor universitário Nuno Garoupa defende a inclusão de peritos estrangeiros na comissão técnica independente que vai analisar os acontecimentos de Pedrógão Grande.
Em declarações no programa "Conversas Cruzadas", da Renascença, o ex-presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos diz que a inclusão de peritos estrangeiros permitiria evitar “insanáveis conflitos de interesses”.
A comissão técnica independente para avaliar insuficiências e responsabilidades da máquina pública no grande incêndio de Pedrógão deverá ser constituída a curto prazo. O assunto poderá discutido já na próxima quarta-feira, em conferência de líderes parlamentares (dia 29 há debate sobre incêndios).
A proposta inicial do PSD foi recebida com alguma abertura pelo PS, apesar de maioria e oposição terem já ensaiado um discurso desviante do consenso inicial no pós-tragédia.
O diário Público escreve, este domingo, que a comissão técnica independente para escrutinar tudo o que se passou no grande incêndio de Pedrogão deverá ser composta por especialistas e funcionar junto da Assembleia da República. Será uma equipa indicada pelo Parlamento, mas não será uma comissão parlamentar. O Presidente da República indicou pretender “uma investigação “sem limites ou medo” e o Governo garantiu conceder todo o protagonismo à Comissão a ser escolhida pelos partidos.
Nuno Garoupa sustenta que a comissão técnica independente deve responder ao Presidente da República e que a Assembleia da República aprove legislação especial para acomodar uma fórmula habitual no sistema político norte-americano ou britânico.
“Se o apuramento de responsabilidades é relativo ao comportamento do Estado, não entendo muito bem como é que quem vai fazer esse apuramento são funcionários do Estado”, argumenta o professor da Universidade do Texas e um dos mais reputados investigadores mundiais sobre a influência da área da justiça na economia.
Nuno Garoupa reconhece mérito e competência a estes “funcionários”, mas antecipa um problema: “Vão ter de voltar a trabalhar no Estado nas diferentes instituições que eles próprios vão agora avaliar."
“Há aqui, obviamente, um insanável conflito de interesses se essa eventual Comissão Técnica Independente não envolver peritos exteriores ao Estado. Mas em Portugal os especialistas exteriores ao Estado são peritos do sector privado que têm interesses económicos directos em sectores como a floresta e, portanto, cria-se um outro conflito de interesses”, prossegue.
“Não percebo como uma comissão nomeada pela AR vai avaliar o trabalho da AR”
“Do meu ponto de vista, este conjunto de conflitos de interesses insanáveis só pode ser resolvido se essa Comissão incluir vários peritos estrangeiros não dependentes nem do Estado português nem dos sectores económicos com interesses na área directamente afectada na matéria”, sugere o professor universitário para quem o contra-argumento do ‘conhecimento da realidade nacional’ não colhe.
“É um argumento que só pode ser avançado por quem não percebe o que é a ciência. É evidente que os peritos internacionais terão os conhecimentos mais que adequados para analisar a floresta nacional, incluindo peritos internacionais especialistas na floresta portuguesa. Eu não estou a defender, nem nunca o defenderia, uma Comissão exclusiva de peritos estrangeiros. Portanto, se surgir a preocupação de eventual desconhecimento pontual lá estariam os peritos nacionais para suprir a insuficiência”.
No programa "Conversas Cruzadas" deste domingo, Nuno Garoupa, além de defender a inclusão de peritos estrangeiros, sustenta ainda o envolvimento do Presidente da República como elemento central de todo o processo e garante último da autonomia, neutralidade e imparcialidade da avaliação a levar a cabo pelo grupo de técnicos. O investigador universitário sugere ainda que a Assembleia da República aprove legislação especial para concretizar uma fórmula habitual, por exemplo no ecossistema político e social norte-americano ou britânico.
“Penso que a Comissão Técnica Independente terá de fazer o apuramento desse "tudo o resto que correu mal" porque existia legislação. Mas também por estar em causa a actuação, ou inacção, dos vários e sucessivos governos a envolver todos os partidos representados na AR eu veria como mais credível que essa Comissão fosse nomeada e respondesse ao sr. Presidente da República porque me parece mais claro que haveria menos conflitos de interesses”.
“Também não percebo muito bem como é que uma Comissão Técnica Independente nomeada pela Assembleia da República vai avaliar o que, no fundo, foi também a actuação da Assembleia da República, uma vez que a legislação não foi implementada. Portanto, a minha sugestão seria que a Assembleia da República aprovasse legislação especial para pela primeira vez adoptar um método que é rotineiro nos Estados Unidos, ou no Reino Unido, de comissões independentes sob nomeação do Presidente da República”, indica Nuno Garoupa especialista da área do Direito e Economia e Direito Comparado.
Luís Aguiar-Conraria: “Tenho dúvidas quando à confiabilidade do PR”
Já o economista Luís Aguiar-Conraria subscreve no plano conceptual a proposta de Nuno Garoupa, mas antecipa um inconveniente: o do presidente ser quem é e não outro. “Concordo com a sugestão de Nuno Garoupa, da possibilidade de investigadores estrangeiros integrarem estas comissões independentes”, diz o professor da Universidade do Minho.
“No meio universitário temos alguma experiência. Só quando os centros de investigação começaram a ser avaliados por investigadores estrangeiros é que os núcleos universitários fora de Coimbra, Lisboa ou Porto começaram a ter boas notas. Antes disso a malta de Lisboa vinha a Braga batia-nos nas costas e dizia: 'estão a fazer um excelente trabalho, são o futuro e no fim Lisboa tinha boas notas e os arredores não.
“O quadro mudou com avaliações estrangeiras. Por exemplo o núcleo de investigação em comunicação social mais bem classificado do país foi o da Universidade do Minho. Nunca tinha acontecido até terem vindo os avaliadores estrangeiros. A Universidade tem uma experiência com a abertura e percebo a proposta do Nuno Garoupa de envolver técnicos estrangeiros”.
“Tenho apenas algumas dúvidas quanto à confiabilidade em Marcelo Rebelo de Sousa. Sinceramente parece-me uma personalidade demasiado errática. Em abstracto não discordo da proposta de Nuno Garoupa, acho que a ideia do envolvimento da Presidência da República é uma boa ideia, mas com o presidente que temos eu não me consigo abstrair de que o presidente é aquele e não outro. Mas no plano conceptual concordo totalmente”, afirmou Luís Aguiar-Conraria ainda antes de Marcelo Rebelo de Sousa garantir no Expresso “ser missão do PR garantir que todas as interrogações sobre factos e responsabilidades tenham uma resposta rápida e exaustiva”.
Nuno Botelho: “Os partidos não iriam permitir peritos estrangeiros”
O empresário Nuno Botelho soma-se ao consenso conceptual da proposta, mas vai mais longe dizendo não vislumbrar os partidos políticos aceitando uma fórmula que – mesmo pela superior causa da transparência – os secundarize. “Concordo com a sugestão de Nuno Garoupa. Foi até mais longe do que eu tinha pensado ao sugerir o envolvimento da Presidência da República. Vai mais longe no ponto de ser, de facto, o sr. Presidente a coordenar, a chamar a si essa prerrogativa para podermos ter nesta tarefa a maior independência possível. No entanto, acho que os partidos não iriam permitir esta fórmula”, faz notar o presidente da Associação Comercial do Porto.
“Mais uma vez e até recuperando o exemplo de Luís Aguiar-Conraria, envolvendo as universidades (e poderiam ser outros exemplos) o governo, os partidos, o estado português continuam a ser centralistas e como tal vão querer chamar a si essa responsabilidade. Dirão que estão em mais que condições para analisar a questão. Embora ache que é de facto uma grande ideia duvido que consiga prosperar. Não por falta de mérito intrínseco, mas porque o país não está preparado para uma evolução desse tipo”, sustenta Nuno Botelho, jurista e empresário.
Carvalho da Silva: “Orgãos de soberania não podem ser secundarizados”
Já o sociólogo Manuel Carvalho da Silva apresenta reservas de natureza orgânica do sistema político português para discordar da sugestão do ex-director executivo da FFMS. “Duas observações: a primeira - e até já o disse, há tempos, neste espaço na presença de Nuno Garoupa - é a de que respeito o pensamento liberal. O pensamento liberal fundamentado faz falta no debate público, tendo eu opções não coincidentes. A experiência da participação de investigadores estrangeiros em equipas de avaliação pode ser positiva ou negativa em função da qualidade e dos conhecimentos do enquadramento, dos objectivos, enfim de vários factores, dos envolvidos”, diz.
“Agora o que temos pela frente exige um grande debate político e a responsabilização de todos começando pelas instituições, pelos poderes concretos do Estado, mas chegando á dimensão de cada um de nós, às pessoas.
“Desde logo o poder executivo é o governo e não pode, nem este nem qualquer outro governo em funções, pode ser secundarizado num processo desta importância. O governo não pode ser substituído. A Assembleia da República é o poder legislativo e também não pode ser substituída. Não são os partidos é a Assembleia da República enquanto órgão de soberania”.
Nuno Botelho contrapõe. “Poder podem. Se os partidos quiserem… podem. Esta ideia de Nuno Garoupa é perfeitamente exequível”, insiste o presidente da Associação Comercial do Porto.
Manuel Carvalho da Silva volta a discordar. “Os partidos podem encontrar mecanismos para efectivar melhor a sua função, mas não podem é entregar a sua função e os partidos têm o seu papel. Mais do que comissões independentes o que a sociedade precisa neste momento é que os partidos e todos os actores políticos, económicos e sociais sejam chamados à resolução deste e de outros problemas.
“Há algo de singular desta vez: todos os portugueses perante a dimensão desta tragédia que nos tira palavras devem despertar para um problema que não é novo.
“Não devemos permitir que num cenário desta complexidade se criem discussões em que esteja secundariza a participação dos cidadãos e desde logo a participação dos interesses concretos das pessoas envolvidas mais directamente. Por exemplo, discussão de um cadastro dos terrenos rurais convoca as pessoas e obriga-nos a perceber como vivem.
“Então vamos a isto sem chicana política, não é por o presidente do PS ter usado a expressão que deixo de a usar, e sem um cardápio de questionamentos de oportunidade vamos criar um clima de responsabilidade em que ninguém se sinta condicionado em dar o melhor contributo. Tratemos então – politicamente - a resolução dos nossos problemas”, afirma Carvalho da Silva.
Nuno Botelho insiste. “Concordando que os partidos e o parlamento devem exercer o seu papel a questão é: será que nesta matéria a sociedade credibiliza neste momento esses agentes? Perante esta tragédia, todo este drama, será que estes agentes têm toda a confiança?”, questiona o empresário.
Luís Aguiar-Conraria intervêm no diálogo Carvalho da Silva-Nuno Botelho. “Discutem assuntos diferentes. Uma questão é o debate político que é para ser feito por políticos e com a população sobre ordenamento do território e sobre como prevenir e fazer uma boa gestão florestal. Outra questão é apurar o que correu mal e levou a 64 mortos”, observa o professor da Universidade do Minho.
“Uma coisa é um incêndio e outra um incêndio em que morrem 64 pessoas. É inédito. Apurar o que correu mal não é uma questão política ou de diálogo com as populações, mas de apuramento de factos. O que Nuno Garoupa está a propor é que para esse processo de apuramento de factos ser totalmente credível terá de ser feito com pessoas verdadeiramente independentes”, faz notar Luís Aguiar-Conraria.
Nuno Garoupa: “Todos já pensam na contagem de Câmaras Municipais a 1 de Outubro”
Nuno Garoupa é então chamado a fazer a síntese dos comentários à sua contribuição para o debate público. “Alguns dos comentários que fizeram são de uma preocupação realista. Também acho que sendo o estilo do presidente o que é não sei se está em condições de impor aos restantes órgãos de soberania este tipo de comissão de investigação. Também não sei se os partidos estariam dispostos porque esta proposta teria de ser aprovada com legislação especial da AR e, depois, realmente há a questão da chicana política”, diz o professor da Universidade do Texas A&M, Estados Unidos.
“Aí, estou mais pessimista do que todos. Acho que a chicana política já começou. Já está em curso uma guerra entre a maioria e a minoria parlamentar e, infelizmente, vai ser esse o caminho a seguir. Tenho a pior das expectativas quanto à tal Comissão Técnica Independente. Comissão nomeada pela AR dentro de uma chicana política já instalada e que, evidentemente, em vésperas de eleições autárquicas leva a que todos pensem no seu impacto potencial na contagem das Câmaras Municipais a 1 de Outubro. Estou muito pessimista”, conclui Nuno Garoupa.
Luís Aguiar-Conraria: “É importante identificar quem não cumpriu”
Nesta emissão do Conversas Cruzadas, o economista Luís Aguiar-Conraria defende ainda a necessidade de ser conhecer um relatório da consultora KPMG a identificar as insuficiências do SIRESP e a desenhar um plano de acção. “Vou introduzir aqui um ponto que tem a ver com o SIRESP. Na quinta-feira o ex-secretário de estado adjunto do MAI Fernando Alexandre escreveu um artigo no jornal ECO a falar do processo de renegociação desta PPP do SIRESP, dos problemas que encontrou, do caderno de encargos que deixou, dum plano de acção para melhorar o sistema”, refere o professor da Universidade do Minho.
“Permitam-me que critique os jornalistas, porque logo na sexta-feira as notícias foram todas do género: 'a renegociação terminou em Abril de 2015, mas governo Passos deixou-a na gaveta e foi governo PS que aprovou em Dezembro o corte de 25 milhões de euros'. Não é o ângulo mais importante no artigo de Fernando Alexandre. De resto, este ponto é do conhecimento público. Já todos sabiam. Quando foi anunciada a renegociação da PPP e quando passou para decreto-lei ficou a saber-se que durante oito meses esteve na gaveta. Nada de novo há aí e nada disso ajuda a compreender o que se passou”, sugere Luís Aguiar-Conraria.
“No artigo de Fernando Alexandre há um aspecto muito importante: ele alude a um relatório da consultora KPMG onde são elencadas as falhas do SIRESP e os vários pontos onde o sistema tem de ser melhorado. Fernando Alexandre refere um plano de acção para corrigir essas várias falhas. Eu queria é que os jornalistas pegassem nisto. Fernando Alexandre diz que esta informação é “reservada”, portanto ele não a disponibiliza, mas é obrigação dos jornalistas tentar conhecer que programa de acção é este e saber se ele foi cumprido ou não. Porque se o programa não foi cumprido então há responsabilidades políticas por causa do SIRESP não ter funcionado devidamente. Há notícias de que o sistema esteve 13 horas inoperacional o que não é admissível. Ou então se o plano de acção foi cumprido à risca isso significa que a avaliação feita foi… mal feita”, afirma o economista.
“Se queremos falar de responsabilidades do ponto de vista político então é importante identificar quem é que não cumpriu”, remata Luís Aguiar Conraria.