A suspensão por mais um ano da caducidade das convenções coletivas é uma das medidas do Governo para tentar garantir o apoio de PCP e Bloco de Esquerda à proposta de Orçamento do Estado para 2022 (OE2022).
A Renascença falou com Luís Gonçalves da Silva, especialista em Direito Laboral, sobre os impactos desta mudança na legislação laboral e possíveis entraves à implementação da medida.
De que estamos a falar quando falamos de caducidade das convenções coletivas?
O especialista em Direito Laboral Luís Gonçalves da Silva lembra que até 2003 vigorava o princípio da não caducidade das convenções coletivas.
Foi com o Código do Trabalho que foi introduzida a norma que prevê que os acordos feitos entre os patrões e os representantes dos trabalhadores cessam ao fim de três anos, se não forem, entretanto, substituídos por outro instrumento da contratação coletiva.
O professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa explica que “o diploma de 1979 previa, que quando um sindicato e um empregador ou uma associação de empregadores celebrassem uma convenção coletiva, essa convenção mantinha-se em vigor até ser substituída por outra. Ou seja, aquele acordo só cessaria quando as partes tivessem um novo acordo para substituir o anterior”.
Gonçalves da Silva defende que “o resultado dessa intervenção legislativa dos anos 70 teve más consequências. Levou a uma estagnação da contratação coletiva. Por outro lado, o regime anterior ao código laboral não via a contratação coletiva como ela tem de ser vista; como um instrumento transitório, como o é tudo o que tem que ver com a economia, sob pena de perder todo o contacto com a realidade. Porque aquilo que a economia não produz não podemos distribuir”.
Gonçalves da Silva defende, também, que o fim da caducidade tem um outro problema, “é que as partes, e sobretudo os empregadores, sabendo que o acordo que estão a celebrar não é transitório, têm tendência a retrair-se nas condições que estabelecem”.
Porque é que esta questão é tão importante do ponto de vista político, ao ponto de ser moeda de troca dos partidos da esquerda, para viabilizarem o Orçamento para o próximo ano?
Luís Gonçalves da Silva lembra que “é uma questão antiga do PCP, que nunca se conformou com as mudanças feitas em 2003, e, portanto, acha que a contratação coletiva é um género de degrau. Ou seja, adquirido um determinado regime com um conjunto de regalias, a nova convenção deve ser mais um degrau a somar ao anterior. É no fundo aquela lógica antes da crise petrolífera dos anos 70 que dizia que a contratação coletiva era sempre um somatório”.
O advogado e professor de Direito Laboral argumenta que, “para o PCP, esta sempre foi uma questão importante do ponto de vista político, por causa da influência que ainda tem nos sindicatos afetos à CGTP.”
Já para o Bloco de Esquerda (BE), que” não tem qualquer influência sindical, faz da questão da caducidade uma bandeira numa lógica de arrastão, numa tentativa de arranjar mais apoios e adeptos à esquerda”.
O que acha da proposta do Governo de prolongar por 12 meses a suspensão dos prazos de contagem da caducidade e sobrevigência das convenções coletivas?
Luís Gonçalves da Silva defende que juntar mais um ano ao prazo de 24 meses de prolongamento da suspensão dos prazos de contagem da caducidade com que o Governo já tinha concordado no ano passado “é, apesar de tudo, um mal menor, face ao que pretendem partidos à esquerda”.
Na opinião do professor de Direito Laboral, considera que as exigências dos partidos de esquerda têm “vários riscos, nomeadamente o de rebentar com a Concertação Social”.
“Acredito que os empregadores possam bater com a porta, se regressar uma medida que vigorou durante várias décadas e foi eliminada em 2003 pelo Código de Trabalho.”
O advogado alerta também que a reposição do regime que vigorava antes de 2003 terá de passar por Bruxelas e “dificilmente passará pelo crivo” das instituições europeias. Lembra que quando a “troika” esteve em Portugal parte das exigências que fez foi em matéria laboral.
Faz sentido estar-se a decidir em matéria laboral no momento em que se está a tentar aprovar o OE, fazendo depender uma coisa da outra?
Luís Gonçalves da Silva diz que não faz qualquer sentido, mas não é nada que não tenhamos já visto. No fundo, já é uma tradição que vem de há muitos anos.
“Olhando para os regimes constantes dos orçamentos nas últimas décadas”, diz, “vemos que tratam da matéria orçamental e de tudo o mais. Por regra, consta mesmo do diploma orçamental e, portanto, criou-se este hábito de discutir tudo e colocar tudo na lei orçamental.”
O advogado e professor na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa defende que é evidente que “as coisas deviam ser separadas. Até porque há um outro risco: estas mexidas avulsas, descontextualizadas, sem uma visão de conjunto, criam muitas vezes problemas que não se percecionam no momento em que se está a legislar”.