O antigo primeiro-ministro José Sócrates não será julgado por corrupção, devido a prescrição do crime e erro na qualificação jurídica, mas ainda assim poderá vir a ser condenado a mais de 12 anos de prisão: Sócrates está indiciado por seis crimes de branqueamento de capitais e falsificação de documentos e o crime de branqueamento de capitais tem uma moldura penal de dois a 12 anos de prisão.
Esta é uma das conclusões da decisão instrutória que foi divulgada, na sexta-feira, pelo juiz Ivo Rosa, no Campus da Justiça, em Lisboa (leia aqui em versão PDF). Após a decisão de Ivo Rosa, o Ministério Público vai recorrer para a Relação.
O juiz de instrução da Operação Marquês concluiu que José Sócrates e Carlos Santos Silva cometeram crimes de corrupção, envolvendo favores ao Grupo Lena, mas com qualificação jurídica diferente da imputada pela acusação, e já prescreveram.
Segundo as contas de Ivo Rosa, entre a consumação destes crimes, em finais de 2006, e a constituição como arguido do ex-primeiro-ministro José Sócrates e do seu amigo Carlos Santos Silva, decorreram sete anos e 11 meses, o que faz com que estas condutas ilícitas tivessem prescrito.
“Existem entregas de dinheiro por parte do arguido Carlos Santos Silva ao arguido José Sócrates, bem como pagamentos feitos por aquele arguido a favor deste, no montante global de 1,72 milhões de euros”, refere o magistrado do tribunal Central de Instrução Criminal.
Os pagamentos do empresário, quando este angariava obras e projetos para o Grupo Lena, levaram o juiz a presumir que as entregas de dinheiro a Sócrates tinham como objetivo “criar um clima geral de simpatia ou de permeabilidade por parte do primeiro-ministro”.
"Mercadejar com o cargo por parte do primeiro-ministro"
José Sócrates não será julgado pelos três crimes de corrupção passiva de que era acusado, mas o juiz Ivo Rosa considera que os pagamentos indiciam “a existência de um mercadejar com o cargo por parte do primeiro-ministro face ao arguido Carlos Santos Silva e, por conseguinte, uma invasão do campo da ‘autonomia intencional’ do Estado”.
Para o juiz, Carlos Santos Silva era pago pelo Grupo Lena para lhes trazer informações, contactos e lhe abrir os mercados e Sócrates seria um dos contactos que o arguido dispunha e a quem “pagaria por sua autoria e iniciativa”, tal como o fazia com outros contactos que detinha.
José Sócrates disse no final da audiência de sexta-feira que "todas as grandes mentiras da acusação caíram", no entanto, a decisão instrutória conclui que os pagamentos em dinheiro e de despesas por parte de Carlos Santos Silva ao ex-primeiro-ministro “são suscetíveis de preencher, quanto a Sócrates, um crime de corrupção passiva de titular de cargo político sem demonstração de ato concreto”, punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa até 360 dias.
Da parte de Carlos Santos Silva, estar-se-ia, por seu turno, perante corrupção ativa sem demonstração de ato concreto, punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 60 dias.
Contudo, sustenta, estes crimes “não se encontram imputados na acusação a nenhum dos arguidos”, não tendo o juiz de instrução permissão para fazer uma alteração substancial dos factos.
Mas, pelas contas do juiz, ambos os crimes já prescreveram: a corrupção ativa sem demonstração de ato concreto [Carlos Santos Silva] em finais de 2008 e a corrupção passiva que se mostra indiciado [Sócrates] expirou em 2011.
Tais ilícitos, apesar de prescritos, são suscetíveis de funcionar como crime precedente para que haja branqueamento de capitais. “Mostra-se indiciado que as manobras utilizadas pelos arguidos Carlos Santos Silva e José Sócrates com vista a circulação das quantias monetárias em causa através das contas bancárias dos arguidos João Perna e Inês do Rosário tinham como objetivo ocultar e dissimular a verdadeira origem das quantias monetárias que chegaram a esfera” patrimonial do ex-primeiro-ministro.
Deste modo, lê-se no despacho, “mostra-se suficientemente indiciada a prática de dois crimes de branqueamento, em coautoria entre os dois arguidos”.
José Sócrates, inicialmente acusado de 31 crimes, está indiciado por três crimes de branqueamento de capitais e três de falsificação de documentos, os mesmos pelos quais Carlos Santos Silva está pronunciado.
O crime de branqueamento de capitais tem uma moldura penal de dois a 12 anos de prisão.
Quanto ao crime de falsificação de documentos, a lei penal pune o ilícito de 1 a 5 anos quando for praticado por funcionário (por exemplo, titular de cargo político) e de um a três anos para os restantes casos.
Dos 28 arguidos do processo, ficaram pronunciados apenas cinco, tendo sido ilibados, entre outros, os ex-líderes da PT Zeinal Bava e Henrique Granadeiro, o empresário Helder Bataglia e o ex-administrador do Grupo Lena Joaquim Barroca.
Dos 189 crimes imputados pela acusação, num processo que começou a ser investigado em 2013, só 17 poderão ir a julgamento, mas o procurador Rosário Teixeira, responsável pelo inquérito, já anunciou que ia apresentar recurso da decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa nos próximos 120 dias.