O conselheiro presidencial ucraniano Mykhailo Podolyak alertou este domingo que a Rússia se tornou numa ameaça global e que, caso vença na Ucrânia, "a Europa ficará em zona de risco fatal", destacando que as lideranças europeias já ganharam essa consciência.
Em entrevista à agência Lusa quando se cumprem quase dois anos desde o início da invasão russa da Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022, o assessor do Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, afirmou que "a Rússia destruiu completamente o direito internacional e hoje não existem instituições que possam forçá-la a seguir certas regras de compromisso".
Mykhailo Podolyak considerou que na Europa como um todo e, não apenas em países individuais, "e ao nível dos partidos políticos, ao nível das elites políticas, existe um entendimento muito claro de que a Federação Russa não irá voltar à lei".
Após um período em que as atenções estiveram concentradas no conflito no Médio Oriente, desencadeado por um ataque, em 7 de outubro do ano passado do movimento islamita palestiniano Hamas a Israel, e quando a frente de combate na Ucrânia parecia congelada, o conselheiro presidencial acredita que o foco internacional voltou ao conflito no seu país e à forma como a Rússia se tornou numa ameaça global.
"Penso que há hoje um pleno entendimento de que a Rússia é a origem da escalada de conflitos que aumentaram significativamente os problemas mundiais, que garantem que o mundo não viverá como vivia antes da invasão em grande escala da Ucrânia", advertiu.
A Rússia, observou, "acredita que tem o direito de dominar a Europa, o direito de impor as suas próprias regras", e hoje os aliados europeus de Kiev "compreendem isso muito claramente",no sentido de que Moscovo não se comporta como um parceiro, mas, pelo contrário, "provocará constantemente a Europa em diferentes direções e de várias maneiras".
"Há um pleno entendimento de que a Europa será transformada se a Rússia não perder [na Ucrânia], e ficará numa zona de risco fatal, o que significa que a Rússia poderá, por exemplo, atacar o norte da Europa para dominar o Mar Báltico", avisou, bem como "provocar uma série de países com vista a desmembrar a União Europeia como um todo".
O norte da Europa "já sente alguns problemas com a Federação Russa nas suas fronteiras", observou, e também o leste europeu, cujos países, por sua vez, "compreendem o que é a Rússia e quão agressiva a Rússia é hoje nos seus programas de informações".
Mykhailo Podolyak referiu que "Federação Russa aumentou significativamente a atividade de programas de manipulação de informação na Europa e os seus ciberataques a diversos centros europeus e de tomada de decisões em centros financeiros", a par de uma estratégia de "influência em maior escala" na opinião pública europeia.
"A Rússia está hoje a financiar mais partidos de extrema-direita e de extrema-esquerda para criar o caos", afirmou, insistindo na ideia de que "já existe um entendimento claro na Europa de que a Federação Russa é um país expansionista", que não procura parcerias económicas ou financeiras, mas "um país que quer dominar através da violência".
O conselheiro de Volodymyr Zelensky lembrou que têm sido publicados relatórios em países europeus e nos meios de comunicação social apontando cenários de que "dentro de três, cinco ou seis anos poderá haver um confronto militar direto entre a Rússia e os países da NATO", o que devolve a centralidade à Ucrânia e à necessidade de travar Moscovo de imediato.
"A fim de evitar esta influência direta e significativamente crescente da Rússia nos assuntos europeus e para evitar conflitos com a Rússia, os países da NATO precisam de resolver esta questão no campo de batalha na Ucrânia hoje", sustentou.
Nesse sentido, Podolyak aconselha o Ocidente a "parar de pensar que a transferência de armas para a Ucrânia é uma espécie de escalada", sendo pelo inverso "uma 'desescalada', porque a guerra terminará com a derrota da Federação Russa.
Noutro plano, reconhece que nos Estados Unidos "as coisas estão hoje um pouco mais complicadas", num momento em que o Congresso norte-americano tem pendente há vários meses um financiamento à Ucrânia de cerca de 60 mil milhões de dólares (55 mil milhões de euros) devido ao bloqueio de uma parte do Partido Republicano que exige várias contrapartidas em matéria de controlo migratório.
Para melhorar a compreensão das elites norte-americanas, o assessor da Presidência ucraniana sugere que pensem o investimento na Ucrânia em contraponto ao propósito russo de "reformatar o espaço global e dominá-lo", privando os Estados Unidos do seu papel de liderança.
"Se os Estados Unidos estão a considerar se devem ou não prestar assistência à Ucrânia, não estão a investir na sua reputação como país responsável pelas mudanças globais, como país responsável por garantir que as regras existem e que o direito internacional está a funcionar", defendeu, lembrando que vários países têm eleições previstas este ano, como é o caso das presidenciais norte-americanas, e que as prioridades estão a ser dadas às suas agendas internas.
No entanto, lamentou que "nem todos compreendam plenamente que hoje existe uma guerra, não por qualquer território, nem mesmo por qualquer liderança, mas pelo domínio", e Moscovo tira partido disso: "A Rússia sente, e refiro-me individualmente a [Vladimir] Putin (Presidente russo), que certas elites políticas nos países ocidentais continuam a adiar decisões importantes e, por isso, comporta-se cada vez mais descaradamente, permitindo-se até matar os seus principais oponentes".
A morte do opositor russo Alexei Navalny, na sexta-feira numa prisão russa, que levantou um clamor de protestos no mundo ocidental, deixa claro, segundo o conselheiro de Zelensky, que a Rússia "perdeu o disfarce e se afirma como o estado mais repressivo possível".
É por isso que Mykhailo Podolyak considera que a morte do opositor russo, que classifica como "assassínio político", não provocará por si alterações no regime do país e que só uma derrota militar da Rússia poderá derrubar Putin.
Do mesmo modo, indica à Ucrânia e ao Ocidente que "não se pode negociar com a Federação Russa, porque ela não cumprirá quaisquer acordos", nem que sejam numa perspetiva temporária, e que, se for bem-sucedida na guerra atual, "continuará a aumentar a sua expansão, e a lutar em vários conflitos".