Veja também:
António Maria Pinheiro Torres, da Federação Portuguesa pela Vida, ainda tem esperança que o Parlamento aprove a iniciativa popular para a realização de um referendo à legalização da eutanásia. Ex-deputado do PSD, Pinheiro Torres foi um dos promotores da recolha de assinaturas e acredita que os deputados ainda estão a tempo de se sintonizar com a sociedade portuguesa.
Quais as suas expectativas para o debate?
Estou com uma expetativa muito grande, até como se não estivesse envolvido neste assunto, porque acho que no debate e na votação se joga muito o futuro do sistema político português tal como o conhecemos e a prática da democracia.
Digo isto, porque os deputados serão chamados a decidir se, de facto, o Parlamento pode, em temas de grande importância para a sociedade, decidir questões sobre as quais os partidos, quando se candidataram, não falaram. Um número muito significativo de deputados à Assembleia da República (81%) é de partidos que não tinham a eutanásia nos seus programas eleitorais.
E também, ao mesmo tempo, se uma lei que recolheu, no seu processo de discussão, uma rejeição tão grande de todos os organismos de consulta, todas as ordens profissionais, todos os movimentos sociais, com exceção apenas de duas pessoas isoladas, se um processo legislativo destes para o Parlamento português tem condições para prosseguir ou se se deve devolver a decisão sobre o assunto ao povo português e ao conjunto do eleitorado.
Da decisão que for tomada depende muito, já não digo o prestígio do Parlamento, que esse tê-lo-á sempre, mas a maneira como vivemos a democracia em Portugal.
Esta iniciativa, a julgar pelas indicações de voto já dadas pelos partidos, não será aprovada. Como é que encara esse desfecho, ainda por cima depois de dizer que olha para este debate como decisivo para a forma como vivemos a democracia?
Em relação ao desfecho, pode parecer ingenuidade da minha parte, mas acho que até ao lavar dos cestos ainda é vindima. Temos dois dias em que cada deputado poderá pensar na decisão que tem por diante, não apenas com esta magnitude que lhe dei, mas também com a circunstância de um movimento popular tão forte, que reuniu cerca de 100 mil assinaturas e não é possível reunir 100 mil assinaturas em 3, 4 semanas se não existir um sentimento muito grande na sociedade portuguesa.
Dependerá muito de como cada deputado, até ao meio-dia de sexta-feira, ponderar esse facto e o desejo que tem ou não de o Parlamento globalmente se sintonizar com a sociedade portuguesa.
Como elemento adicional, lembro que, entre 2016 e 2020, houve quatro sondagens sobre a questão da eutanásia e do referendo e em todas essas sondagens a percentagem de pessoas favoráveis ao referendo era superior àquelas que se opunham ao mesmo.
Tudo isto são fatores a ponderar e até sexta-feira ao meio-dia há uma possibilidade de prestar um belíssimo serviço à democracia portuguesa.
O referendo interessa-nos a todos: interessa aqueles que se opõem à eutanásia e querem esclarecer a população sobre o que acham que são os malefícios da mesma e interessa àqueles que querem a eutanásia porque não têm interesse nenhum numa lei que seja imposta à bruta, violentamente contra o desejo de participação dos cidadãos portugueses.
Que desafios é que uma legalização da eutanásia vai colocar a quem se opôs a essa mesma legalização?
Mesmo que seja recusada a possibilidade de referendo, não significa, forçosamente, que uma lei como esta venha a ser aprovada e, sobretudo no estado em que a mesma se encontra nos trabalhos parlamentares da especialidade.
Se isso acontecer, ainda haverá todo o processo legislativo e toda a ocasião de esclarecer todos os deputados que sejam a favor ou sejam contra a eutanásia sobre aquilo que têm por diante.
Aliás, tenho ideia, tentando não ser injusto, de que grande parte dos deputados não terá presente não só aquilo que está a ser discutido – ficariam muito surpreendidos com a lassidão jurídico-legal deste projeto lei – e também com aquilo que podem ser as consequências. Aí, daria lugar a uma grande campanha de esclarecimento à qual, certamente, os deputados não deixariam de ser sensíveis.
Que efeitos receia na sociedade de uma legalização da eutanásia?
Acho que a experiência que já existe de eutanásia noutros países, a começar logo pela Bélgica e pela Holanda, é de uma grande tragédia humana. É uma tragédia humana de solidão, é uma tragédia humana de pessoas que são arrastadas para a morte, muitas vezes empurradas pelas próprias famílias, outras vezes pelas suas próprias condições, pelo sue estado mental e é uma história muito triste.
O simples facto de o processo, tal como se encontra previsto nos projetos de lei, poder passar às escondidas da família dessa pessoa faz com que exista a possibilidade de, se essa lei passasse, um de nós de repente receber um telefonema em casa a dizer 'boa tarde, é do Hospital de Santa Maria, temos aqui um rapaz, o Paulo, de 18 anos, que foi ontem eutanasiado, venham cá buscá-lo se faz favor'.
Tudo aquilo que conhecemos da aplicação da lei da eutanásia é uma história muito triste, muito, muito triste e seria um problema que se criaria e ao qual as futuras legislaturas teriam de fazer face e rapidamente revogar essa lei.