O líder dos eurodeputados socialistas austríacos, Andreas Schieder acredita que a adesão ucraniana à União Europeia vai demorar e por isso a aposta deve ser em "solidariedade e apoio" a Kiev.
Em entrevista à Renascença, o coordenador de um grupo de reflexão sobre a "nova esquerda" na familia socialista europeia pede mais Europa na resolução de conflitos nos Balcãs Ocidentais, colocando Albânia e Macedónia do Norte na primeira linha para a adesão. Este eurodeputado elogia António Costa e defende revisão dos Tratados para que as decisões europeias sejam mais rápidas e democráticas, incluindo o direito de iniciativa europeia para os eurodeputados. A entrevista, registada em Lisboa, começa com o escândalo Qatargate que já levou à detenção de uma eurodeputada socialista em Bruxelas.
Um dos temas quentes em Bruxelas tem sido a transparência e a luta contra a corrupção nas instituições europeias, na sequência do chamado Qatargate. É um processo circunscrito a esta investigação ou estamos perante um problema contínuo com o qual o Parlamento Europeu tem que lidar?
É um problema permanente que temos de resolver com respostas e medidas claras. Em primeiro lugar, há uma investigação das autoridades belgas que o Parlamento Europeu apoia fortemente. E em segundo lugar, temos que melhorar as nossas medidas de transparência. Há um bom plano da Presidente do Parlamento Europeu e o grupo socialista no Parlamento Europeu fez propostas adicionais ainda mais amplas. Teremos também um comité de investigação do Parlamento Europeu para analisar o que aconteceu de errado. Portanto, há coisas a acontecer, mas têm que ser tomadas outras medidas rapidamente.
É um trabalho já a pensar no próximo ciclo eleitoral com as eleições europeias de 2024 no horizonte?
Sim, provavelmente algumas medidas ficarão para o próximo ciclo. Mas algumas regras melhoradas de transparência, como a definição sobre a quem damos acesso ao Parlamento, podem ser adotadas rapidamente e em breve.
Olhando para esta situação, o que poderia ter sido feito de diferente ? Quais são as primeiras lições que retira deste escândalo?
Uma das primeiras lições é de que precisamos de medidas de transparência mais fortes e precisamos saber quem está na nossa câmara. Parece que muitos grupos de lobby, provavelmente com sacos de dinheiro, estavam dispostos a dar essas verbas aos membros do parlamento para perguntas ou aprovações. Nunca mais podemos permitir isto, não sabendo quem está na câmara. E acho que temos que ser muito, muito mais cuidadosos. Há que pedir aos 700 membros do Parlamento Europeu para não apenas preencher voluntariamente as listas de transparência, mas também dizer-nos quem conhecem nos grupos de lobby e de interesse e em países terceiros.
Isso é suficiente para si?
Provavelmente não é o suficiente, mas é uma medida que podemos tomar nas próximas semanas. Essa é uma das primeiras lições. Temos também que saber mais sobre o que parece ser um grande interesse de forças estrangeiras, como Marrocos e Qatar, em conseguir influenciar o que é feito no Parlamento Europeu. Temos que ter mais cuidado também com a interferência estrangeira. Mas sejamos claros, se não houvesse nenhum membro do Parlamento Europeu disposto a aceitar o dinheiro, a situação seria muito mais fácil. Assim, há que apoiar também todas as medidas contra os membros e os sistemas que estão agora sob acusação. Tudo tem que vir para cima da mesa e nada deve ser varrido para debaixo do tapete.
Existem canais indiretos para exercer influência. Será difícil evitar que alguém de um estado membro ou partido específicos possa ser financiado por Marrocos, Rússia, China e assim por diante.
Não é uma questão de esquerda e direita ou de sul e norte, mas sim se é ou não criminoso. Temos que reconhecer que numa sociedade como a nossa existem também elementos criminosos e temos que nos livrar deles. Em segundo lugar, já tínhamos uma comissão de investigação sobre interferência estrangeira de que eu era relator. Redigimos uma longa lista com o que deve ser feito. Por exemplo, devem ser adotadas, em toda a Europa também nas leis nacionais, regras mais rígidas de financiamento estrangeiro de partidos e da captura das elites por estes movimentos.
Não existe uma dependência excessiva em relação ao trabalho da polícia belga?
É um processo criminal. Há uma quantia enorme de dinheiro e tudo o que sabemos é que foi encontrada uma organização criminosa. Portanto, temos de apoiar as autoridades belgas, que têm também a tarefa de desmantelar organizações criminosas. Começaram a trabalhar nisto antes do Verão e o ponto de partida foi a influência de Marrocos e também descobriram a do Qatar.
Qual é sua opinião sobre a proposta de um código de conduta para as várias instituições europeias, em termos de ética, já proposto pela presidente da Comissão von der Leyen?
Esse comité de ética é igualmente uma das coisas que precisamos de estabelecer, porque por vezes surgem perguntas e precisamos de um comité de ética que dê respostas. E também precisamos de um organismo para todas as instituições europeias, não apenas o Parlamento Europeu, mas também a Comissão e o Conselho, incluindo também funcionários de alto nível. Se as matérias em causa, independentemente da natureza criminal, forem também de domínio ético, poderiam contar com esse apoio de uma clara instituição europeia.
Vamos falar sobre os desafios para a Europa nos próximos 12 meses. Estamos no caminho da reforma dos Tratados? Algumas pessoas entendem que isso é importante para a Europa.
E, em definitivo, é importante. Conhecemos bem o Tratado de Lisboa, que foi pensado para ser uma constituição europeia que ainda não existe. Precisamos de decisões mais rápidas, mais votação por maioria nas estruturas europeias e decisões mais democráticas. Isso significa também que o Parlamento Europeu, como único corpo democraticamente eleito no plano europeu, tem a grande oportunidade não apenas de pedir a feitura de leis, mas de ter também o direito de iniciativa legislativa. Com as múltiplas crises, a COVID e a guerra, aprendemos que às vezes é possível sermos rápidos se todos quiserem. Queremos sobretudo que a União Europeia reaja rapidamente. Além disso, se talvez um ou dois membros não o quiserem, não queremos ser bloqueados por essa minoria. Queremos dar a possibilidade de a Europa assumir a responsabilidade e as decisões sobre assuntos que também nos são exigidos pelos europeus. Temos que passar da unanimidade para a votação por maioria e o Parlamento Europeu deve ser o lugar onde se toma a maioria das decisões e também de onde parte a maioria dos projetos políticos. Isto significa direito de iniciativa para o Parlamento Europeu. Mais democracia é importante, porque o que vemos agora é que alguns chefes de governo vão ao Conselho Europeu, votam nalguma coisa e depois voltam para casa a dizer que a União Europeia tomou uma decisão da qual não gostam.
O Conselho Europeu é ainda demasiado forte?
Ainda é muito forte. E, dentro do Conselho, as forças que não querem avançar têm muito poder, porque acontece muitas vezes um bloqueio de apenas um país. Vemos acordos "sujos" onde se misturam assuntos que não têm nada a ver uns com os outros. Um Parlamento Europeu mais forte e também uma posição mais clara e transparente no Conselho são importantes para o futuro.
Vamos falar sobre os Balcãs Ocidentais, assunto no qual tem trabalhado. É mesmo possível prometer que países como Kosovo, Sérvia, Bósnia vão entrar na União Europeia?
Nos últimos meses, a agressão russa contra a Ucrânia e depois a decisão de também aceitar a Ucrânia como um país candidato fez-nos aprender que, se houver vontade política, todo o sinal político é possível. Era importante enviar esse sinal para os Balcãs como um todo, incluindo a Bósnia, Kosovo e todos os outros, que obviamente ainda têm algumas questões complicadas a resolver. Mas o que precisamos de deixar claro é que os Balcãs como um todo são uma área europeia. Nós, como União Europeia, estamos dispostos aproximar-nos dos Balcãs para estabelecer padrões europeus puros sobre as leis, o funcionamento da sociedade ou sobre a economia. E não permitimos que forças estrangeiras interfiram nesta área. Observamos que há intervenção ortodoxa, russa, chinesa e assim por diante. Aquelas pessoas querem ter um futuro europeu e temos de lhes dar isso.
Mas subsistem conflitos de longa data, por exemplo, entre os sérvios e os kosovares.
Claro que há um conflito muito antigo. Mas se você estiver na região e falar com as pessoas, o que elas simplesmente querem é ter uma vida simples e decente, com boas perspectivas para os seus filhos.
Há também aqui minorias a bloquear a vontade da maioria nessa zona?
Penso que alguns líderes na região, como o presidente sérvio Vucic, estabeleceram para si mesmo um sistema muito conveniente de uma democracia pouco forte. Ele controla a opinião pública através dos canais nos media e domina as decisões no Parlamento. E isso leva a uma sociedade que não é muito pluralista, também não muito democrática nem muito bem-sucedida. Pessoas como Vucic também precisam desse conflito com o Kosovo e, portanto, vejo falta de vontade para o resolver.
A União Europeia e as instituições internacionais deram muito dinheiro durante décadas para aquela área. A Bósnia é um bom exemplo disso. Não há aqui uma adaptação à ideia de um "conflito congelado"?
Não subscrevo essa ideia de conflito congelado. Por exemplo, na Bósnia, onde tudo é muito complicado devido à composição étnica, aos acordos de Dayton e uma Constituição que não facilita, o povo enviou na última eleição um sinal de que quer mudanças ou simplesmente ter um estado funcional. Eles estão fartos dessa retórica nacional de etnias. Eles simplesmente acham que têm que tratar de outras questões sociais, económicas, educacionais. Isso tem que ser resolvido. E, claro, não depende apenas do povo, mas também da elite política. E acho que na Bósnia, como na Republika Srpska, na Sérvia e noutros lugares, ainda existem políticos que querem jogar a cartada nacionalista étnica.
Mas podemos falar de uma intervenção estrangeira a partir de outra perspectiva . Por exemplo, os americanos parecem muito interessados na presença do Kosovo na União Europeia.
Sim, mas entendo que a União Europeia não esteve presente de forma tão forte como poderia estar, por exemplo, no conflito entre sérvios e kosovares. E também não tenho a certeza de que estejamos perfeitamente organizados. Não estou seguro a 100% de que o Comissário para o Alargamento, o húngaro Várhelyi, esteja a trabalhar a favor da solução do conflito. Portanto, acho que também temos que fazer mais como União Europeia, reunindo todos as partes à mesa e tentando encontrar uma solução.
Existe algum país na proposta de alargamento que pode entrar num futuro próximo?
Eu apontaria para a Albânia e a Macedónia do Norte. Fizeram grandes reformas e progressos nos últimos anos. São sociedades que realmente estão a mudar e penso que devem ser premiados em breve se continuarem com as reformas em linha com a União Europeia.
E o que é que a União Europeia pode prometer à Ucrânia neste domínio?
Podemos prometer solidariedade e apoio. Acho que uma adesão real está fora do nosso horizonte, por vários motivos. É um país enorme, não iniciámos nenhuma negociação e a própria estrutura do país também é, digamos, povoada de oligarcas. Nesta situação agora temos que dar mais de 100% de solidariedade e apoio à Ucrânia, porque não podemos permitir que um ditador louco como Putin na Rússia comece uma guerra contra a União Europeia. Putin está a invadir a Ucrânia, mas também está a destruir toda a oposição e a democracia na Rússia. Os ucranianos sofrem com Putin, mas também acontece isso com os russos se pensarmos nas dezenas de milhar de pessoas que ele colocou na cadeia.
Mas Putin também está a criar algumas divergências entre países europeus, especialmente nos planos militar e energético.
Claro, é uma das táticas para tentar sempre dividir-nos em grupos. Por vezes funciona e já assistimos antes a divisões destas. A União Europeia permitiu que pessoas como Viktor Orban nos últimos anos afirmassem um afastamento em relação aos padrões europeus. Começaram também com essas retóricas contra os direitos humanos e a sociedade aberta, que soam neste caso de forma bastante semelhante entre Orban e Putin. É muito fácil não permitir que ele consiga essa divisão, basta fechar-lhe os nossos caminhos.
Pensa que a guerra ucraniana terá uma solução política ou militar?
Essa é uma pergunta muito difícil. O que parece, e é sempre assim, é que as soluções militares não são soluções. A guerra significa sempre um grande sofrimento em milhares ou milhões de civis. Portanto, no final, deve haver também uma solução política estável. Mas também isso, precisamos de parceiros que queiram negociar e que queiram falar um com o outro. E o que vemos agora é que Putin é apenas um agressor sangrento. Não é um parceiro confiável com quem se pode sentar e negociar. Ele estava a violar todos os tratados internacionais que foram antes aplicados. Por isso, isso é muito complicado e, honestamente, também não é muito realista. Mas realmente espero que esta guerra sangrenta acabe este ano porque é insuportável ver o sofrimento das pessoas da região.
E a União Europeia pode fazer mais para mediar o conflito ? Para já está a ajudar a Ucrânia, que não deixa de ser um dos lados.
A União Europeia está a ajudar os ucranianos e isso está certo, porque está a ajudar a vítima e não o agressor. Acho que isso é importante. Há muito debate sobre como ajudar mais e que tipo de equipamento disponibilizar, mas é um debate muito especializado e complicado. Toda a gente faz o máximo que pode, mas às vezes não parece tão dinâmico, porque há muitos detalhes a serem esclarecidos. Tenho a sensação de que a Polónia, a Alemanha, a União Europeia, todos os estados são realmente solidários com a Ucrânia e temos de continuar com todo este tipo de apoio, incluindo humanitário. E temos que estar preparados sempre que possível também para apoiar as negociações, embora no momento não veja espaço para negociações políticas.
Voltando à democracia e às eleições europeias, veio a Lisboa debater o populismo e formas de o combater. Teremos eleições europeias em 2004 e este foi um tema de eleições anteriores. Estamos ainda perante a mesma "batalha" com outras caras e provavelmente com mais intervenção estrangeira?
As próximas eleições europeias serão muito importantes. Normalmente dizemos isto antes de cada eleição, mas acho que as nossa tarefas para o futuro são muito específicas. Quando discutimos a guerra na Ucrânia, observamos também que está em jogo o modelo europeu de uma sociedade organizada, pacífica, plena, mas também socialmente justa e segura. A grande questão é como trabalhar melhor e juntos na Europa para estabelecer segurança e justiça sociais numa sociedade pacífica. Os conceitos dos diferentes grupos políticos não passam por perceber apenas se são pró-europeus ou não, mas também que tipo de Europa precisamos numa Europa social mais forte. E, portanto, para o meu grupo político, acho que será importante a justiça fiscal, regulamentando as grandes empresas de tecnologia e, claro, também trabalhando mais de perto no Pacto Ecológico e no fortalecimento da indústria europeia.
Isso não foi suficiente para a vitória de Franz Timmermans, por exemplo, quando foi o candidato principal do campo socialista europeu .
Sim, haverá uma grande questão política a tratar, mas também voltaremos novamente à questão da democracia europeia. Estamos numa situação em que o Conselho decide quem está na Comissão e o povo está a votar no Parlamento. As pessoas também querem fazer com que o seu voto no Parlamento também decida como será a Comissão Europeia. Uma questão é o princípio do Spitzenkandidat ( candidato principal) que vamos querer reafirmar.
E já tem um nome para esse candidato?
É muito cedo para especular sobre nomes. Lembro-me da última vez em que, no início, havia mais do que um candidato socialista em outubro ou novembro antes da eleição. Espero que durante o verão conheçamos alguns nomes para os nossos grupos e também para os outros. Mas eu acho que não é apenas importante definir esse Spitzenkandidat mas também decidir os cabeças de lista nacionais e o seu papel. E isso, claro, depende de cada partido em cada país.
Em Portugal, especula-se sobre um possível futuro europeu para o actual primeiro-ministro de Portugal António Costa. Como vê isso do ponto de vista europeu?
António Costa é um excelente político e primeiro-ministro. Realmente fez com que Portugal mudasse para melhor como sociedade. Ele tem uma boa visão do que quer. Ele já é uma figura europeia. É um político europeu de primeira classe e se é primeiro-ministro de Portugal ou não, isso não é um grande problema. Ele é uma das pessoas que realmente tem ideias europeias e que também as vai colocando em prática.
Pensa que o seu grupo político vai precisar dele para as próximas batalhas no plano europeu?
Ele é um excelente político. Portanto, onde quer que o tenhamos - e isso depende dele, não quero iniciar nenhum debate sobre isso - podemos ficar felizes em tê-lo.