O Estado exige aos privados o que ele não cumpre enquanto empregador. A acusação é de Maria do Rosário Palma Ramalha, uma das especialistas citadas no recente parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República (PGR) sobre a greve dos professores.
A professora catedrática de Direito do Trabalho é uma das convidadas do programa Em Nome da Lei que, este sábado, debate a luta dos professores e as condições em que uma greve é lícita ou abusiva.
À Renascença, Palma Ramalho diz não ter dúvidas de que, “nesta questão dos professores, na verdade, o Estado tem dado o pior exemplo possível do que é um empregador, eternizando contratos a prazo e não fazendo nenhum controlo sobre isto".
"O Estado está a dar o pior exemplo possível de empregador, com comportamentos que não toleraria a nenhum empregador privado. Portanto temos aqui um exemplo de como o Estado efetivamente faz leis para os privados e depois faz outras para si.”
Palma Ramalha entende, no entanto, que o protesto dos professores, que se prolonga desde o início de dezembro, é o que classifica como uma greve de maior prejuízo. A especialista lembra que o direito à greve é um direito fundamental, mas como todos tem limites, quer quanto aos objetivos quer quanto à forma. E no caso da greve dos professores, podem estar a ultrapassar-se os limites da legalidade no que diz respeito à forma.
Em causa está o facto de ser uma greve que se prolonga no tempo e em que alguns professores fazem greve apenas durante algumas horas, não perdendo a totalidade do vencimento desse dia, mas provocando, ainda assim, um tal prejuízo que algumas escolas ficam impedidas de abrir.
“Se um trabalhador faz greve um dia perde um dia. Se faz greve uma hora perde uma hora", argumenta a professora da Faculdade de Direito de Lisboa, autora de um tratado sobre Direito do Trabalho.
"O que acontece neste tipo de greve é que, pela forma como está organizada por parte dos trabalhadores, eles acabam por ter uma perda salarial muito menor do que aquilo que corresponde ao tempo efetivo de não trabalho. E nesse sentido é uma greve de maior prejuízo, porque na verdade o empregador está a pagar aos trabalhadores tempo de não trabalho.”
Considerada a autora do conceito, Palma Ramalho tipifica a greve que alguns professores têm feito como uma greve self-service. "O vício está no pré-aviso, naquele que diz que a greve é por todo o dia, mas depois aconselha os seus trabalhadores a aproveitarem aquele tempo para fazerem greve apenas a uma parte do dia. O vício esté no pré-aviso e por isso é que esta greve se chama self-service.”
Embora o parecer do Conselho Consultivo da PGR sobre a luta dos professores seja inconclusivo, Maria do Rosário Palma Ramalho não tem dúvidas de que é ilícita a greve, cuja execução não cumpre o que está no pré-aviso.
“O nosso Código do Trabalho é claro em dizer que a greve decretada ou executada de forma contrária a esta lei, e portanto de forma contrária ao pré-aviso, é ilícita. E essa ilicitude determina a aplicação aos trabalhadores do regime das faltas injustificadas e determina também, do meu ponto de vista, a responsabilização civil das associações sindicais, se estiverem coniventes com este tipo de comportamento, como neste caso parecem estar.”
Garcia Pereira refuta todos os argumentos expostos por Palma Ramalho, nomeadamente a tipificação da greve dos professores como greve de prejuízo e dentro destas como uma paralisação self-service.
O advogado, que tem dado conselhos jurídicos a um dos sindicatos em greve, começa por argumentar que a imprevisibilidade, tal como o prejuízo, são inerentes à greve. “É inerente à greve como forma de luta que ela cause prejuízos. Essa teoria, e não estou a dizer que é a da professora Palma Ramalho, mas é a do Governo e do ministro da Educação, de que as greves só são boas se não causarem prejuízos, nega a essência do direito à greve. Faz parte da essência do direito à greve que ela produza prejuízos e não apenas em relação à entidade empregadora mas também em relação a terceiros. E por isso é uma arma de luta coletiva.”
O advogado especializado em questões laborais e professor jubilado do ISEG argumenta também que o direito de adesão à greve ou de revogação dessa adesão é um direito livre. "Esta greve dos professores não é uma greve self-service. Não tem nada a ver com a greve dos médicos nos anos 1990. O que aconteceu foi que os professores, ou uma parte significativa dos professores, decidiram só aderir, ou tendo aderido revogar essa sua adesão em determinado momento. E isso é indiscutível."
"O próprio parecer cai nas suas próprias contradições, porque não pode deixar de afirmar, salvo erro é a conclusão 11.ª, que o direito de adesão é um direito individual que pode ocorrer a qualquer momento e é inteiramente livre. E o mesmo é verdade quanto ao direito de revogar essa adesão.”
A argumentação é contestada por outro dos participantes no debate do Em Nome da Lei. Para Luís Gonçalves da Silva, advogado e professor na Faculdade de Direito de Lisboa, a posição de Garcia Pereira seria válida não fosse o caso de os professores estarem a aderir e a revogar a sua adesão à greve de forma continuada e sucessiva.
“Há um dissenso, e aí acredito que o professor Garcia Pereira também não terá dito o contrário, entre aquilo que é o aviso prévio e aquilo que se verificou na execução da greve. Diz o professor Garcia Pereira 'mas o trabalhador é livre de aderir e revogar, é um direito que lhe assiste'. Plenamente de acordo. O parecer do Conselho Consultivo da PGR também o diz e é pacífico na doutrina. O problema é que ele não é livre de aderir e revogar de forma constante e sucessiva, que foi o que em alguns casos aconteceu. E eu falo apenas com base no que está no parecer, porque não tenho presente a matéria de facto no terreno.”
Sobre a necessidade de mexer na lei da greve de forma a diminuir a controvérsia sobre o que é uma greve lícita ou abusiva, tanto Luís Gonçalves da Silva como os outros dois especialistas ouvidos pelo Em Nome da Lei defendem que seria um erro. Isto porque, ao contrário do que acontece noutros países europeus, Portugal tem um regime bastante completo e que se tem revelado muito estável sobre o direito à greve e às condições do seu exercício. Nenhum considera por isso necessário ou vantajoso qualquer densificação das normas existentes.
São declarações ao programa Em Nome da Lei, da jornalista Marina Pimentel, transmitido aos sábados ao meio-dia pela Renascença e sempre disponível em todas as plataformas de podcast.